O despacho de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro

O anunciado superministro da economia Paulo Guedes diz que fará um despacho com o presidente eleito Jair Bolsonaro no primeiro dia de governo. Segundo ele, será quando as diretrizes do seu plano serão postas na mesa para serem executadas imediatamente. Não se sabe bem o que acontecerá nesse despacho, mas é possível que eles tentarão ajustar os ponteiros para alinhar o que diz um e outro. Até agora, o que se vê é um interminável bate-cabeças.

Uma hora terá desoneração da folha de salários, outra não. Um diz que vai fatiar a “reforma” da Previdência Social, outro não. A lista de contradições é enorme. De concreto, o que há são palavras ao vento. Assuntos econômicos sumiram da pauta da “transição de governo”, por mais que a mídia tem cobrado um posicionamento mais definido da turma de Paulo Guedes. A verdade é que eles estão numa sinuca de bico. Como, por exemplo, doar R$ 17 bilhões ao agronegócio na forma de anistia, como prometeu Bolsonaro, com o “ajuste fiscal” de Guedes posto como prioridade?

A própria “faca no Sistema S” prometida na Firjan sem que o assunto fosse devidamente esclarecido por Guedes é um mistério. Ficou no ar um suspense, como aquele da Feira de Acari, que, segundo o cantor Jorge Bem Jor, é um sucesso, tem de tudo, e por isso é um mistério. Esse é um bom exemplo para se explicar o bate-cabeças entre Guedes e Bolsonaro. O público que acompanha o assunto, como eu, deve estar inteiramente desorientado com o excesso de dito e desdito.

O plano Guedes-Bolsonaro é bom? Convém ao Brasil? Não convém? Quais as suas vantagens? E os seus inconvenientes? Será um aeroplano ou um hidroplano? Ou seja: ele está destinado a ir para os ares ou por água abaixo? (Aliás, registro que essa metáfora não é minha; é do cronista Humberto de Campos.) É isso que as pessoas perguntam. Mas ficam perguntando a si mesmas, falando sozinhas.

Quando se trata de um plano para o Brasil, é natural que a explicação seja sempre mais complicada do que os próprios problemas. Precisa-se de muita propriedade para não se pronunciar palavras ao vento. Talvez seja por isso que a equipe de “transição” não quis sequer dar as linhas gerais do miraculoso pacote de Guedes.

Os exegetas do bolsonarismo me fizeram lembrar uma história, contada por Humberto de Campos, de um inglês que caminhava pela estrada e viu, numa encruzilhada, uma galinha preta, morta, com o pescoço cortado, e dos lados um monte de cinza e um coto de vela. Um garoto, mãos na cintura, contemplava a cena, tão comum em nosso país.

— Menino, que querrrr dizerr esse coisa? – pergunta o inglês.

— É feitiço – respondeu o menino.

— Que serr feitiço?

— É despacho.

— Oh, muita bem. Mas que serr despacho?

— É macumba.

— Estar muita bem. Mas que serr macumba?

— É candomblé.

E o inglês, retirando-se ao ver que quanto mais o garoto explicava, menos compreendia:

— Muita obrigada.

Eu poderia, talvez, com a minha autoridade de quem nada sabe sobre o tal Plano Bolsonaro-Guedes, entrar na confusão emitindo opiniões a esmo. Limito-me, porém, a seguir o exemplo de um padre que ficou famoso numa paróquia de São Paulo, história contada também por Humberto de Campos.

Diziam, à boca pequena, que ele havia feito um dos cursos mais relaxados de que se tem notícia no Seminário. Isso não lhe impediu que recebesse a ordenação e fosse nomeado para uma das boas paróquias da cidade. Logo no dia seguinte ao da posse, o padre subiu ao púlpito.

— Meus caros irmãos! – gritou. — Conheceis, acaso, o assunto do Evangelho de hoje?

— Não senhor! – responderam os paroquianos.

— Não conheceis? Então, como quereis que eu exponha com o devido proveito para vós?

E desceu do púlpito.

No outro dia, a mesma coisa.

— Caríssimos irmãos! Conheceis o assunto do Evangelho de hoje?

— Sim, senhor! – responderam os ouvintes, em coro.

— Então, meus caros irmãos, para que tomar eu o trabalho de vos expor uma coisa que já sabeis?

No dia seguinte, a mesma consulta.

— Caros irmãos! Conheceis o assunto do Evangelho de hoje?

— Não , senhor! – responderam uns.

— Sim senhor! – responderam outros.

— Então, aqueles que o conhecem façam o favor de explicá-lo àqueles que não o conhecem.

E desceu do púlpito mais uma vez.

Acho melhor fazer como o tal padre: deixar aqueles que não sabem nada sobre o Plano contar o que não sabem àqueles que sabem menos. Faço isso porque me vem à memória outra história contada por Humberto de Campos, atribuída a Jean-Baptiste Colbert, que ficou conhecido como ministro de Estado e da economia do rei Luís XIV.

O Tesouro francês, como dizem os neoliberais agora sobre o Brasil, estava exausto com as guerras contínuas e com a vida suntuosa da corte quando esse famoso homem de Estado anunciou a situação aflitiva das finanças do reino. Como sempre acontece, irromperam financistas de todas as províncias e de todos os recantos do país. E cada um lembrava uma providência, apresentava um plano. A execução de cada uma daquelas medidas salvaria a França, na opinião dos que as sugeriam. Um dos planos era tão ousado que Colbert despachou, prontamente:

— Execute-se… o autor.

Vai que minhas opiniões se pareçam com as do plano do francês executado e alguém expede um despacho como o de Colbert.