Publicado 05/12/2018 18:38
Nos últimos anos o Brasil construiu uma sólida reputação internacional nas negociações climáticas. Tornou-se um dos principais interlocutores, e líder na busca de soluções para os problemas ambientais de comum acordo entre os países industrializados e os países em desenvolvimento. Foi destas negociações que surgiu a fórmula das responsabilidades comuns mas diferenciadas, segundo o qual cabe aos países industrializados, que são historicamente os maiores poluidores, em volume de emissões e no tempo desde que elas ocorrem, arcar com maiores custos pelo combate aos danos ambientais, cabendo aos países em desenvolvimento uma parte desta contribuição, adequada a seu direito ao desenvolvimento.
Esta posição de liderança conquistada pelo Brasil está sendo jogada fora, e humilhada, pela orientação clamorosamente pró-EUA que será aprofundada a partir da posse de Jair Bolsonaro na presidência da República.
O Brasil desistiu de sediar, em 2019, a COP 25 (Conferência das Partes da Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas), marcada para os dias 11 a 22 de novembro.
“Uma derrota” – foi dessa maneira que Marcio Astrini, um dos coordenadores do Greenpeace e do Observatório do Clima, classificou a retirada da candidatura do Brasil, anunciada às vésperas do início da COP 24 neste domingo (2), na cidade de Katowice, na Polônia.
O governo brasileiro alegou os motivos da desistência de sediar a COP 25 através de nota divulgada pelo Itamaraty: “restrições fiscais e orçamentárias” e o “processo de transição” de Governo. Atendeu a uma recomendação do presidente eleito Jair Bolsonaro para o encontro não ocorrer no Brasil. "Houve participação minha nessa decisão .” Alegou inclusive um pretexto que diz estar ligado à defesa da soberania nacional – o chamado Triplo A, a proposta de criação de um corredor ecológico que, saindo dos Andes, passa pela Amazônia e chega ao Atlântico, envolvendo mais de 300 áreas ambientalmente protegidas e cerca de 1.000 territórios indígenas. Mais do que a soberania brasileira sobre a Amazônia, contraria interesses do agronegócio na região ao envolver 136 milhões de hectares ao longo das calhas dos rios Solimões e Amazonas.
A pronta afirmação de Bolsonaro, chamando a si a responsabilidade pela desistência brasileira de sediar a COP 25, revelou também uma desarticulação na corte bolsonariana. De um lado, o coordenador da articulação de seu ministério, Onyx Lorenzoni, tentou passar a versão de que “nós não temos nada a ver com isso. Isso é uma decisão do Itamaraty” – como foi flagrado dizendo ao lado do presidente eleito. Outro que manifestou reservas sobre a desistência brasileira foi o futuro ministro do Turismo, deputado federal eleito Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), que defendeu a realização da conferência no Brasil. “A COP 25, é claro, eu acho que todo evento de porte realizado no país é de importância a gente precisa discutir a questão climática”. Ao tomar conhecimento da decisão de Bolsonaro, o novo ministro afirmou: “Não conversei com o presidente ainda se a posição dele é essa. Obviamente a gente respeita, mas vou conversar com ele para a gente ter um alinhamento das ideias. A gente ainda precisa entender o impacto na visibilidade do Brasil aqui e no exterior.”
A oposição de Bolsonaro contra o Acordo de Paris, concluído em 2015 e do qual o Brasil é um dos signatários, foi manifestada durante a campanha eleitoral, quando ameaçou, se eleito, abandonar aquele acordo, num tema onde a imitação do Donald Trump é patente – uma das primeiras providências do presidente estadunidense, logo após sua posse, foi o anúncio de abandonar o acordo de Paris. Subordinação aos EUA que é, desde o início, endossada pelo chanceler direitista nomeado por Bolsonaro, Ernesto Araújo que, na mesma onda das acusações anti-ambientalistas de Trump, já afirmou que há um “alarmismo climático” que atribui a um alegado “marxismo cultural”.
Além do fiasco internacional – a candidatura do Brasil para sediar a COP 25 havia sido negociada com os demais países latino americanos, que a apoiaram – a desistência brasileira, em alinhamento automático e subserviente aos EUA de Donald Trump, poderá ter reações adversas no mundo.
Na quinta-feira (29) seguinte ao anúncio da desistência do Brasil e seu eventual afastamento do Acordo de Paris, o presidente francês Emanuel Macron disse ser contrário à assinatura de acordos comerciais com países que não respeitam o Acordo de Paris – uma afirmação que prenuncia dificuldades comerciais para as exportações brasileiras em consequência da orientação pró EUA da política externa que será reforçada a partir de 1º de Janeiro, com a posse de Jair Bolsonaro.
A perda brasileira ao desistir de realizar a COP 25 é política e compromete a credibilidade que a diplomacia brasileira construiu ao longo das décadas em que exerceu importante e decisivo papel nas negociações climáticas. Mas é também econômica, e as exportações brasileiras poderão ser severamente prejudicadas em conseqüência do alinhamento automático aos EUA de Donald Trump. Este será o alto custo da diplomacia ideológica de Jair Bolsonaro.