Arruda Bastos: De boas intenções o inferno está cheio
“Alguns colegas e o Sindicato dos Médicos do Ceará encetaram a campanha “Médicos por Amor” para levar profissionais sem custo para o interior por 30 dias. Reconheço a iniciativa, mas devo salientar aspectos do sistema público de saúde. (…) A proposta é simpática e o ato de amor aos conterrâneos também, mas, para não transparecer uma ação meramente política, deve se cercar de aspectos legais”.
Por Arruda Bastos*
Publicado 04/12/2018 11:12 | Editado 04/03/2020 16:22
Infelizmente, minhas assertivas se confirmam com os dados do edital do Ministério da Saúde. Observamos que inscritos no programa não estão efetivando a participação, poucos se apresentando e outros deixando seu vínculo atual para mudar de cidade e de patrão.
A situação é preocupante, pois a portabilidade é mais fácil do que a das operadoras de telefonia. É o chamado “lençol curto”, que cobre um santo descobrindo outro. As cidades próximas das capitais vão se beneficiar e as outras não.
Alguns colegas e o Sindicato dos Médicos do Ceará encetaram a campanha “Médicos por Amor” para levar profissionais sem custo para o interior por 30 dias. Reconheço a iniciativa, mas devo salientar aspectos do sistema público de saúde.
O SUS tem princípios doutrinários, organizativos e comando único em cada esfera de governo, previsto na constituição de 1988 no capítulo II, art. 7°. Nos municípios, o Secretário de Saúde responde pelas normas, podendo ser processado por improbidade se assim não o fizer.
Os médicos, mesmo voluntários, devem ser cadastrados, ter horário e algum vínculo com as prefeituras. Se desejarem devolver os recursos do seu trabalho ao município ou a instituições como a Santa Casa e o IPREDE, não há impedimento.
A proposta é simpática e o ato de amor aos conterrâneos também, mas, para não transparecer uma ação meramente política, deve se cercar de aspectos legais e não como em priscas eras, consultas avulsas sem regulação.
Com a lei das terceirizações e a reforma trabalhista, apoiadas por muitos colegas, tornou-se possível trabalho intermitente e terceirizações irrestritas. Outra possibilidade é estender a filantropia para a atenção especializada que vai sofrer com a migração dos colegas para o “Mais Médicos”.
Para a população desassistida com a falta dos colegas cubanos, o atendimento dos “Médicos por Amor” é bem vindo, mas paliativo. A continuidade do “Mais Médicos”, que tem aprovação de 85% dos assistidos e resultados comprovados, é imprescindível e deve ser apoiada, mas, como sabemos, de boas intenções o inferno está cheio…
*Arruda Bastos é médico, professor universitário e ex-Secretário da Saúde do Ceará.
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