Brexit – que Brexit? 



Após anos de negociações, o acordo de saída do Reino Unido foi hoje aprovado em Bruxelas. Já a sua aprovação no parlamento britânico está longe de ser uma realidade e discutem-se já as alternativas.

Brexit

Eram 10h45 quando o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, confirmou publicamente que os 27 líderes da União Europeia (UE) tinham aprovado, na reunião de cúpula de Bruxelas realizada no domingo (25), o Acordo de Saída e a Declaração Política sobre as futuras relações entre a UE e o Reino Unido.

A escaramuça verbal da véspera, entre a Espanha e a Grã-Bretanha, sobre Gibraltar – território sobre o qual os dois estados mantêm uma diferença secular –, tratou-se apenas, para os governos desses países, de uma operação de cosmética destinada a apaziguar a respectiva opinião pública.

Na verdade, desde quinta-feira (22) que o texto de um comunicado oficial do n.º 10 de Downing Street (a residência oficial da primeira-ministra britânico), dava conta de um encontro entre Theresa May e Sebastian Kurz, o primeiro-ministro da Áustria – país que detém, atualmente, a presidência da Comissão Europeia – durante o qual ambos se congratularam sobre a chegada a acordo, por ambas as partes, nos termos dos documentos a serem apresentados ao Conselho Europeu Especial. Já quanto ao outro motivo para a visita, a vontade expressa pelo primeiro-ministro austríaco em obter um “quadro realístico” das hipóteses de Theresa May reunir uma maioria de apoio na Câmara dos Comuns, não voltou a ser citado por Kurz e o comunicado é omisso.

As declarações dos líderes reunidos em Bruxelas foram mais significativas do que a aprovação, sem surpresas, do Brexit, cuja concretização se iniciará à meia-noite do dia 29 de Março de 2019, mas decorrerá “pelo menos” (escreve a ABC News) até ao fim de 2020.

Pela frente estará ainda um longo processo, como declarou a presidenta da Lituânia, Dalia Grybauskaite, salientando que o problema estaria não na aprovação pela reunião de cúpula mas no que se passaria a seguir. Referindo-se à possibilidade do Parlamento do Reino Unido rejeitar este acordo para o Brexit, Grybauskaite afirmou que “essa não é uma preocupação nossa [da UE], é uma preocupação britânica”. E confrontada sobre o que se poderia acontecer, no caso dessa rejeição, a presidente lituana respondeu que poderiam ocorrer 'um novo referendo sobre o Brexit, novas eleições no Reino Unido, ou um pedido de renegociação do acordo estabelecido com a UE”.

Afinal, tudo parece continuar em aberto. E talvez por isso o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para além das previsíveis declarações de este ser “um dia triste”, “uma tragédia”, tenha respondido, aos jornalistas que o interrogavam sobre a possibilidade de ser encontrado um melhor acordo no caso de o parlamento britânico rejeitar este Brexit, que “este é o acordo”, “o melhor possível” e que “a UE não mudará a sua posição fundamental” sobre os termos do mesmo.

Este Acordo de Saída terá de ser validado nos parlamentos europeu e britânico e, se no primeiro caso parece estar garantida uma maioria favorável, no segundo é sabido que Theresa May contará com a oposição da maioria do espectro parlamentar, incluindo a de vários deputados da sua própria bancada. Talvez por isso Jean-Claude Juncker, reconhecendo que “não seria uma boa ideia dar lições à Câmara [dos Comuns], não deixou de, no final da cerimônia de assinatura, instar o parlamento britânico a apoiar aquele que, segundo afirmou, “é o único acordo possível”, pelo que não deveriam – segundo a ABC News – “contar com o recomeço das negociações”.

As declarações que a primeiro-ministro britânica prestou aos jornalistas, em Bruxelas, tiveram visivelmente em conta as dificuldades que enfrenta no parlamento e na opinião pública. Theresa May repetiu, para consumo interno, as declarações do presidente da Comissão Europeia, caracterizando este Brexit, sucessivamente, como “o acordo em cima da mesa”, “o melhor possível” e “o único possível” para o parlamento britânico votar, “advertindo os deputados”, segundo a referida estação, de que não haveria opção de negociar “fosse o que fosse”, e revelando que se tinha entendido com os líderes europeus para que não hajam “outras opções em cima da mesa” antes de o Reino Unido “deixar o bloco [europeu], a 29 de Março”. “Se as pessoas pensam que outra negociação é possível, esse não é o caso”, afirmou.

Um balde de água fria, ou melhor, um balde de realidade

A sintonia das declarações dos participantes na cúpula e signatários do Brexit quanto à inevitabilidade da aprovação do mesmo pelos parlamentares ingleses recebeu um balde de água fria quando a BBC ouviu Arlene Foster, do Partido Unionista Democrático (o DUP, de Democratic Unionist Party), da Irlanda do Norte. A líder daquele que é visto como um partido-irmão do Partido Conservador, e cujos deputados são a única garantia de sobrevivência do governo minoritário de Theresa May, pronunciou-se firmemente contra este Brexit, anunciando que “não havia circunstâncias” em que o DUP pudesse apoiá-lo. Só lhe faltou, segundo a ABC News, “dizer que o seu partido terminaria o apoio do Partido Conservador e da primeiro-ministro Theresa May” – o que implicaria a queda imediata do atual governo.

Os unionistas não são os únicos a manifestarem-se contra este Brexit. Na quinta-feira (22), o debate na Câmara dos Comuns sobre a conclusão das negociações com a UE foi aceso e as críticas fizeram-se ouvir de todas as bancadas – incluindo a do Partido Conservador de Theresa May. A primeira-ministra defendeu que a proposta negociada continha as bases “para um futuro acordo de livre comércio” com o bloco europeu, ao mesmo tempo que permitia ao país “forjar novos acordos com outros países”, podia ler-se nesse dia no Wichita Eagle (com a AP). May afirmou que o acordo “ajudaria a proteger os empregos”, daria “mais controle aos pescadores”, evitaria uma “fronteira física com a Irlanda”, manteria a “soberania britânica sobre Gibraltar” e protegeria “os direitos dos cidadãos da UE na Grã-Bretanha tal como os direitos dos cidadãos britânicos na UE”, mas a resposta do líder da oposição não demorou.

O trabalhista Jeremy Corbin afirmou que a proposta não preenchia qualquer uma das seis questões (leia abaixo) apresentados pelo Partido Trabalhista para o votar favoravelmente e definiu-a como um fracasso do Partido Conservador e da sua líder, um acordo “sem cedências da UE” após “anos de negociações”. O resultado, afirmou Corbin então, “representa o pior dos cenários” e permite a continuidade de aplicação das regras comunitárias à Grã-Bretanha enquanto esta deixa de “ter voz” na UE. Trata-se “do Brexit às cegas que todos temíamos” e “um salto no escuro”, concluiu.

“O acordo de saída não vai passar no parlamento”, podia-se ler em artigo na revista New Statesman de 22 de novembro, resumindo o debate, adiantando que a declaração da primeira-ministra à Câmara dos Comuns foi “um falhanço do princípio ao fim”. A revista referia que “o acordo de saída é repelente para os pró-Brexit (Brexiteers) dos dois lados da Câmara” e “está a perder votos entre os conservadores pró-europeus, que preferem lançar na negociação outro referendo”. Por outro lado, continua o artigo, “Jeremy Corbin instruirá os seus deputados para votarem contra o acordo” independentemente do texto oferecido por Theresa May, já que as seis questões – que a New Statesman define como “algumas das promessas mais loucas de David Davis1 durante a campanha” mais “as preocupações dos deputados trabalhistas” – alegadamente foram “desenhados para serem falhados”.

Tudo indica que os povos da Grã-Bretanha ainda vão ter uma palavra a dizer no acordo que a UE e o governo Conservador lhes pretendem impor.

As seis questões levantadas pelo Trabalhistas sobre o Brexit:

1. Assegura uma relação futura forte e colaborativa com a UE?
2. Fornece os “mesmos benefícios exatos” que temos atualmente como membros do Mercado Único e da União Aduaneira?
3. Assegura a gestão justa da migração no interesse da economia e das comunidades?
4. Defende direitos e proteções das pessoas e impede uma corrida para o fundo?
5. Protege a segurança nacional e a nossa capacidade de combater a criminalidade transfronteiriça?
6. É o esperado para todas as regiões e nações do Reino Unido?
(Fonte Sunday Express)