O obscurantismo se aloja no Ministério da Educação
A confirmação do nome do colombiano Ricardo Vélez Rodrígues como ministro de Educação do governo Jair Bolsonaro é o epítome da interferência do conservadorismo fundamentalista nas políticas educacionais e um prenúncio das dificuldades que vêm pela frente.
Por Táscia Souza*
Publicado 23/11/2018 18:11
Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, cujo nome havia sido ventilado antes, foi barrado pela bancada evangélica por ser “progressista demais”.
Em seu lugar, entra um filósofo e professor universitário, aposentado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que, num paradoxo, dá a impressão de considerar o ensino de filosofia como doutrinação e a universidade pública brasileira como celeiro marxista — para usar um clichê do qual eles gostam bem.
A nomeação representa o alojamento do obscurantismo no Ministério da Educação. E, como o obscurantismo não é democrático, não aceita o diálogo, pode-se afirmar que a educação no Brasil não será mais educação; será perseguição, repressão.
Em resumo, trata-se de um profundo retrocesso, uma grande tristeza para aqueles que são educadores de fato e uma enorme vergonha internacional. “A censura e a criminalização que têm atingido o magistério, ainda com mais força depois das eleições, aliada à destruição da concepção de educação crítica e democrática: é isto o que simboliza essa indicação”, apontou o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis.
“Gostaria de comunicar a todos a indicação de Ricardo Velez Rodriguez, Filósofo autor de mais de 30 obras, atualmente Professor Emérito da Escola de Comando e estado Maior do Exército, para o cargo de Ministro da Educação”: foi assim que Bolsonaro anunciou a escolha ontem (22), via Twitter. De outra rede social, o Facebook, saiu a postagem do nomeado usada pela mídia para ilustrar e explicar a indicação: “o que é necessário na educação, senhor Cortella? Em primeiro lugar que se limpe todo o entulho marxista que tomou conta das propostas educacionais de não poucos funcionários alojados no Ministério da Educação. Isso para início de conversa.”
Não é a única pérola. Em seu perfil na rede, Vélez Rodríguez também já escreveu que a “iniciativa da educação de gênero é uma grande estupidez da esquerda petralha, que pretende substituir o Pátrio Poder pela doutrinação gramsciana, para acabar com a família tradicional e os valores cristãos”. É pouco provável que os defensores do movimento Escola Sem Partido — que de apartidário, como já repetido inúmeras vezes pela Contee, não tem nada — e os celerados em marcha contra uma suposta “ideologia de gênero” tenham lido os tais 30 livros publicados pelo futuro novo ministro; suas palavras ao vento da Internet lhes bastam.
Com o projeto do Escola Sem Partido em pauta no Congresso Nacional e às vésperas do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Contee contra a Lei da Mordaça de Alagoas — um processo no qual a Confederação já conquistou uma importante vitória com a liminar que suspendeu a norma, por meio do relatório do ministro Roberto Barroso —, a indicação de Vélez Rodríguez é mais uma afronta ao magistério (cada vez mais atacado e perseguido, algo que se acentuou após as eleições) e aos defensores de uma educação democrática.
Ao mesmo tempo, ela demonstra a necessidade e a urgência desta luta em defesa de princípios que estão garantidos na Constituição: a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, bem como a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, assim como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.