Mônica Benício: Nenhuma mulher dará um passo atrás
Em entrevista ao Portal Vermelho, na manhã de terça-feira (21), Mônica Benício Tavarez, companheira de Marielle Franco, conta um pouco de sua luta por respostas das autoridades enquanto o assassinato da ativista de direitos humanos, aos 39 anos, completa quase 1 ano.
Por Iberê Lopes*
Publicado 22/11/2018 14:06
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ), que chocou o mundo inteiro, chega ao oitavo mês sem resposta do Estado. A ativista de direitos humanos foi vítima de um ataque a tiros que ceifou também a vida de seu motorista Anderson Gomes. Em muitos momentos o acesso da imprensa às informações do inquérito que investiga o caso foi misteriosamente negado.
Marielle foi morta dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, na noite de 14 de março de 2017. Desde então, sua companheira Mônica Benício luta para que os autores sejam identificados pela polícia e punidos pela Justiça.
Na Câmara dos Deputados para receber, em nome de Marielle, a Medalha Mérito Legislativo 2018, Mônica diz ser “vergonhoso” que o Brasil não consiga elucidar uma “execução tão bárbara”.
Em entrevista concedida ao Portal Vermelho, na manhã de terça-feira (21), ela relata sua incessante busca por um retorno das autoridades, enquanto se aproxima de completar 1 ano desde que Marielle se foi aos 39 anos. “Lamentável. Já são 252 dias que a gente não tem resposta para uma execução tão bárbara, que acontece na capital do Rio de Janeiro”, lembra.
“A única vereadora negra em exercício, com 1 ano e três meses de mandato apenas, ser executada da maneira como foi. E o Estado brasileiro não conseguir responder a um crime hediondo é para além de tudo vergonhoso”, afirma Mônica com a voz embargada.
Estado Democrático de Direito em xeque
Eu, enquanto companheira, obviamente tenho um envolvimento emocional que é muito desgastante. Além da dor da perda, a dor do luto, tenho que me colocar em luta sempre. Ficar cobrando justiça não só pela parlamentar que era, mas pela mulher que representava. Pelo que eu perdi.
Não há democracia enquanto o Estado brasileiro não responder quem foi que matou a Marielle. Uma defensora de direitos humanos que representava tantas pautas, tantas coisas no próprio corpo e na construção da história de vida dela. O Brasil precisa responder isso hoje para o mundo porque o assassinato da Marielle transbordou as fronteiras do país, chocou o mundo inteiro.
O mundo quer respostas sobre o assassinato de Marielle
É muito lamentável e vergonhoso saber que a gente já está há mais de 8 meses sem responder. Entendendo que, obviamente, existe a participação de agentes do Estado e figuras políticas poderosas por trás desse assassinato. Por isso chegamos até aqui sem respostas.
O Rio vai encarar em 2019 um governo de retrocesso com a eleição de Wilson Witzel (PSC). E o Brasil com Jair Bolsonaro (PSL) também passará por esse processo. Ainda existe expectativa para a elucidação do caso?
Eu preciso me manter de alguma forma otimista para poder continuar lutando. Como você muito bem colocou, o Rio de Janeiro vai passar por um momento difícil, assim como o Brasil. Acho que é representativo a gente entender e olhar para o assassinato da Marielle acontecendo no mesmo ano que a gente coloca um fascista pelo voto no poder, na cadeira de presidente da República. Isso (eleição de Witzel e Bolsonaro) diz muito sobre um Brasil racista, machista, homofóbico. A gente precisa lutar. A luta da minha companheira me estimula a continuar. Não há outro caminho senão a luta nesse momento.
Postura das autoridades eleitas diante do crime
O presidente eleito não se colocou a respeito. O governador da época, agora eleito, tinha dito que o assassinato da Marielle seria tratado como qualquer outro. Isso é inadmissível. Não porque a vida dela fosse mais especial que qualquer outra, pra mim até era no campo pessoal. Enquanto defensora dos direitos humanos a gente entende que nenhuma vida vale mais do que outra.
Mas o assassinato da Marielle representa muitas outras vidas que são ceifadas diariamente na nossa sociedade. Por isso tem que ser respondida enquanto exemplo. E aí, talvez, a gente consiga acreditar que isso não vá mais acontecer. Que a gente vai ter um outro momento no país. A resposta do assassinato da Marielle é importante para a garantia de democracia.
O (Sérgio) Moro (futuro ministro da Justiça) já se colocou, dizendo que é um crime que tem que ser respondido. E isso, de certa forma me deixa com um certo otimismo, entendendo que agora ele é o responsável por essa pasta. Porque não há nenhuma expectativa de que a gente consiga uma resposta em 2018, dá forma como andam essas investigações.
A permanente ameaça à vida das mulheres no Brasil tem cor, gênero e classe
A gente sabe qual é o corpo mais frágil que tomba em nossa sociedade. Tem um somatório de coisas que a Marielle estava representando. Mulher negra, favelada, lésbica. Tudo que a gente representa enquanto minoria política estava expresso no corpo da Marielle e nas lutas dela.
Esperança na nova geração feminista para derrotar o fascismo
Para essas mulheres que se levantaram nós tivemos uma resposta linda na política que veio através do voto democrático também, dizendo que Marielle é sim semente. Que Marielle não será interrompida. Para todas elas eu digo que somos resistência e que somos revolução e ela está em curso.
A derrota do fascismo
Não há governo fascista que possa nos parar. O fascismo é uma utopia invencível enquanto ele é uma ideia. A gente precisa que ele chegue no poder para derrotá-lo. E ele (Bolsonaro) chegou. Derrotaremos, assim como derrubamos o (Eduardo) Cunha.
Nenhuma mulher dará um passo atrás. As mulheres não voltarão para cozinha, os negros pra senzala e nenhum LGBT para o “armário”. A gente vai continuar avançando. Até que a gente tenha uma sociedade justa e igualitária a gente não para.