Juliana Diniz: A tentação da mordaça
"A resposta contundente do STF foi um recado para os entusiastas da vigilância. Por unanimidade, o tribunal julgou pela inconstitucionalidade das medidas da Justiça Eleitoral e determinou o respeito à liberdade de pensamento. Mais do que a correção do abuso, o tribunal assentou a autoridade de uma máxima: não há democracia possível sem pensadores livres e protegidos por uma universidade crítica, plural, autônoma e resistente”.
Por Juliana Diniz*
Publicado 05/11/2018 10:36 | Editado 04/03/2020 16:22
A poucos dias do segundo turno, intervenções da Justiça Eleitoral, sob pretexto de coibir propaganda irregular, violaram o espaço de mais de vinte universidades pelo País. Entre as medidas: a apreensão de cartazes e impressos, interrupção de aulas e proibição de eventos já agendados. A arbitrariedade das batidas foi rechaçada pelo Ministério Público, que ajuizou rapidamente ação junto ao STF buscando a proibição de qualquer iniciativa contrária à liberdade de pensamento e de cátedra no âmbito de universidades.
Nesta semana, Ana Caroline Campagnolo, deputada estadual eleita, mobilizou a opinião pública ao anunciar a criação de um canal de denúncias anônimas contra professores. Através das suas redes sociais, Campagnolo incitou alunos a gravar vídeos de "flagrantes" de atividades de "doutrinação ideológica" em sala de aula. Na quarta-feira, para intensificar o clima de caça às bruxas, foi pautado na Câmara de Deputados o projeto de lei conhecido como "Escola sem partido", que busca disciplinar a conduta do professor quanto a manifestação de opinião sobre temas como política, religião e moralidade.
Em todos os fatos subjaz um discurso que identifica no professor um agente potencialmente perigoso para a sociedade e define o espaço escolar como alvo estratégico de um rígido controle político. No caso das universidades, as investidas da fiscalização tiveram eficácia mais simbólica que real: sem encontrar indícios efetivos de irregularidades, foram apenas a demonstração truculenta de poder repressivo. Agentes do Estado afrontaram a inviolabilidade da autonomia universitária ao adentrar os espaços escolares de forma abusiva, muitas vezes sem ordem judicial. A retirada da bandeira de rejeição ao fascismo da fachada da Faculdade de Direito da UFF simboliza bem esse teste de força: acuado pela ameaça de prisão, só coube ao diretor da faculdade permitir a retirada do material, para desespero dos alunos e horror dos professores que assistiram à cena.
A resposta contundente do STF foi um recado para os entusiastas da vigilância. Por unanimidade, o tribunal julgou pela inconstitucionalidade das medidas da Justiça Eleitoral e determinou o respeito à liberdade de pensamento. Mais do que a correção do abuso, o tribunal assentou a autoridade de uma máxima: não há democracia possível sem pensadores livres e protegidos por uma universidade crítica, plural, autônoma e resistente.
*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.
Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.