Magela Lima: Definitivamente, eu não queria

“Eu não queria precisar participar de manifestações em defesa da democracia. Eu não queria ter receio do porvir. Eu não queria ter que negociar o inegociável. Definitivamente, eu não queria”.

Por Magela Lima*

Medo Eleições

Eu não queria sair do grupo de WhatsApp da família. Eu não queria evitar meus vizinhos. Eu não queria escolher uma posição mais isolada na reunião de trabalho. Eu não queria fingir que estou ocupado para não conversar com o motorista do Uber. Eu não queria precisar defender direitos individuais. Eu não queria falar da importância de uma constituição que é mais nova que eu. Eu não queria ficar preocupado com a cor da roupa que vou sair de casa. Definitivamente, eu não queria.

Eu não queria ler tanta notícia absurda. Eu não queria falar sobre fake news em todas as aulas. Eu não queria sofrer com as facadas que vitimou o capoeirista na Bahia. Eu não queria ficar apavorado imaginando que a garota que teve uma suástica marcada com canivete na pele pudesse ser minha sobrinha. Eu não queria ter medo. Eu não queria ter medo de ter medo. Eu não queria ouvir falar de fascismo como se fala de futebol. Eu não queria ver gente postando armas como se fosse um troféu. Definitivamente, eu não queria.

Eu não queria justificar a necessidade de políticas de gênero. Eu não queria precisar discutir a legalidade de mulheres e homens, que ocupem a mesma função profissional, ter remuneração igual. Eu não queria desmentir que existe um kit gay por aí. Eu não queria ver o debate sobre o aborto resumido a questões de natureza religiosa. Eu não queria ter que explicar que o aquecimento global é uma realidade. Eu não queria precisar alertar sobre os riscos do desmatamento desenfreado em nome do agronegócio. Definitivamente, eu não queria.

Eu não queria ver elogios públicos à tortura. Eu não queria lamentar que se desconsidere a dívida que o Brasil, último País a abolir a escravidão, tem com a sua população negra. Eu não queria ouvir falar que vão matar viado. Eu não queria considerar a inclusão de moral e cívica nos currículos escolares. Eu não queria olhar atravessado para a bandeira do meu País. Eu não queria precisar participar de manifestações em defesa da democracia. Eu não queria ter receio do porvir. Eu não queria ter que negociar o inegociável. Definitivamente, eu não queria.


*Magela Lima é jornalista e professor universitário

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