Aspectos da nova diplomacia da China
"Os chineses se propõem como protagonistas da construção de uma “comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”, com mais países, mais regiões e organizações participando de um mundo melhor, com novos níveis de desenvolvimento político e econômico e social neste início do século XXI".
Por Pedro Oliveira*
Publicado 14/10/2018 13:01
“Face às mudanças profundas na situação internacional e às necessidades objetivas de todos os países, como passageiros do mesmo barco, devemos impulsionar conjuntamente a construção de um novo tipo de relações internacionais centradas na cooperação e no benefício mútuo. Os povos de todos os países devem trabalhar juntos para proteger a paz mundial e promover o desenvolvimento comum”. Xi Jiping (2013)
Numa era em que a nação mais poderosa do mundo do ponto de vista militar – os Estados Unidos da América — abdica formalmente de sua liderança imperialista mundial, desafia o regime global de comércio e levanta dúvidas sobre os compromissos com a segurança de seus próprios aliados, esses mesmos aliados se dispõem a ocupar suas responsabilidades na defesa da ordem liberal do mundo.
O chamado grupo dos G 9 (França, Itália, Grã Bretanha, Alemanha e a União Europeia como um todo, a Austrália, Japão e Coreia do Sul, na Ásia, e o Canadá, na América do Norte) se organizam para manter as atuais regras da ordem global começando pela cooperação econômica para criar alternativas para as questões comerciais mais emergenciais. Assim pretendem estabelecer as bases para uma nova ordem global neoliberal mais estável e duradoura.
De sua parte, a República Popular da China – que em 2019 comemorará 70 anos de sua Revolução Socialista – busca alternativas dentro de uma teoria de transição hegemônica. Na verdade, há quem veja alguns pontos em comum entre a visão chinesa de governança global e o multilateralismo e a política adotada pela União Europeia diante da ofensiva do presidente dos EUA, Donald Trump, e de sua política de “America First”. Ambos se opõem à visão hegemônica unipolar dos Estados Unidos e ambos compartilham interesses econômicos estratégicos. Na última reunião de cúpula China—União Europeia realizada em Beijing, em julho de 2018, foram assinados vários acordos de comércio e investimento como pilares dessa nova cooperação.
A teoria de relações internacionais adotada pela China demonstra que o desenvolvimento reduz os conflitos entre estados e podem mitigar as diferenças étnicas domésticas em cada país e também ajudam a diminuir as ameaças terroristas e extremistas contra a sociedade. O conceito de “desenvolvimento” na política mundial não significa apenas crescimento econômico, mais empregos e salários crescentes, mas também justiça social, igualdade, democracia e legalidade na governança, é o que defende o diretor e professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Nanjing, Zhu Feng. Ele argumenta que a defesa do “desenvolvimento sustentável”, assumido pela ONU, transformou a proteção ambiental e ecológica como um objetivo primário do desenvolvimento, assim como os campos da racionalização das estruturas demográficas, a transformação do nível educacional universal, os novos meios de conservação de recursos naturais e políticas industriais voltadas para a promoção da inovação científica e tecnológica.
A política chinesa dos últimos 40 anos de focar na doutrina de “concentração em construção e desenvolvimento” permitiu que o país atingisse extraordinários resultados: no ano 2000 a China conseguiu alcançar apenas 10% do PIB americano; em 2017 esse patamar foi elevado para 60% do PIB dos EUA. Antes, lembra o professor Zhu Feng, os céus de Beijing costumavam ser cobertos de poluição como tive a oportunidade de verificar em passagem pela China no mês de maio de 2008, durante a preparação das Olimpíadas. Agora os céus da capital se mostram azuis e o ar limpo.
O governo chinês trabalha para a redução da linha de pobreza, quando mais de 400 milhões de pessoas foram recuperadas dessa situação como constatou a Organização Mundial de Agricultura e Alimentos, a FAO. De 1949 a 1979, destaca o professor Zhu, a China se envolveu em conflitos de fronteira e algumas guerras localizadas. Mas de lá para cá o governo chinês não mais teve interferências deste tipo, passando a utilizar o diálogo e a cooperação pragmáticas para resolver estas questões.
Por exemplo, a China e a ASEAN (Associação de Países para o Desenvolvimento Econômico do Sudeste da Ásia) iniciaram negociações para estabelecer um código de conduta para construir uma ordem baseada em regulamentações e contenções de conflito nas áreas do Mar do Sul da China.
Dentro deste espírito de cooperação e de interesses compartilhados entre os países, em outubro de 2013 o presidente da China, Xi Jinping, propôs a “Iniciativa Um Cinturão, Um Caminho” conhecido como “One Belt, One Road”, que permitirá à China compartilhar sua experiência e sua capacidade de desenvolvimento com outras regiões como a Ásia Central, a Europa e a África. O objetivo é tornar o comércio mais conveniente para os países envolvidos e o ciclo de desenvolvimento econômico, social e cultural que favoreça a construção de uma nova plataforma de alta qualidade para as trocas comerciais e culturais.
Em 2017 o PIB Chinês atingiu a cifra de 12 trilhões de dólares, mas o fato é que uma grande quantidade de matérias primas necessárias para o crescimento de sua economia ainda dependem de importação. Assim, com a iniciativa do “One Belt, One Road” será possível avançar no desenvolvimento chinês integrado com a economia mundial.
Outro aspecto importante dessa nova política do governo da China, de 2008 a 2017 os investimentos e incentivos com juros baixos forma liberados para a assistência a países da África e da América Latina, ultrapassando o volume total dos investimentos dos países desenvolvidos nestes mesmos continentes pela primeira vez na história.
A China anunciou que de 2015 a 2018 iria investir 120 bilhões de dólares em assistência para o desenvolvimento na África, fato que não significa apenas ajuda financeira a juros baixos, mas sim a implementação de projetos de desenvolvimento financiados por bancos comerciais chineses. O comércio entre a China e a África cresceu para 170 bilhões de dólares em 2017, envolvendo trabalhadores africanos – o que promove um desenvolvimento local importante em vários países, constatado pelos relatórios do Banco Mundial.
Com o recuo dos investimentos dos Estados Unidos tanto no FMI e no Banco Mundial, a assistência econômica para o desenvolvimento organizadas pela China suplementa programas desenvolvidos por aquelas instituições internacionais de fomento, aportando investimentos no Paquistão e em vários países africanos, por exemplo.
Alguns líderes mundiais, entretanto, lembra o professor Zhu, além da grande mídia internacional especialmente dos EUA e da Europa, acusam a China de exercer um tipo de “imperialismo” econômico na África. O problema é que estes líderes não relatam que a ajuda chinesa ao desenvolvimento não significa — como no caso do imperialismo exercido pelas grandes potências através de séculos – interferência indevida nas políticas internas destes países e nem também impõe condicionamentos muito conhecidos pelos brasileiros, por exemplo, quando o Brasil esteve sob o tacão de órgãos financeiros internacionais.
A questão principal é que na política da iniciativa “One Belt, One Road” a China aplica o princípio de “desenvolvimento compartilhado através da discussão e da colaboração”, não se tratando absolutamente de uma política estratégica de expansionismo geopolítico. De fato, o mundo tem passado por mudanças inéditas e profundas desde o final da Guerra Fria. Agora, entretanto, o governo Donald Trump acrescentou uma dimensão perigosa: a implementação de uma política econômica protecionista impondo tarifas escorchantes para a importação por um lado, e impondo sanções econômicas sérias com o objetivo de garantir o que denomina de “America First”.
Na verdade o que se constata é que a ordem mundial liberal de comércio está em xeque, conclui o professor Zhu. As economias emergentes sofrem com as dívidas decorrentes das crises financeiras e as perspectivas de crescimento econômico estão estagnadas, Mas apesar desta situação Beijing está confiante e continua implementando sua política de Reformas e Abertura já por 4 décadas, projetando vitalidade no desenvolvimento econômico global e assumindo cada vez maiores responsabilidades no sistema global.
Os chineses se propõem como protagonistas da construção de uma “comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”, com mais países, mais regiões e organizações participando de um mundo melhor, com novos níveis de desenvolvimento político e econômico e social neste início do século XXI.
*Pedro Oliveira é jornalista e assessor da presidência do PCdoB
Referências:
XI JINPING, A Governança da China, Beijing, 2014
ZHU FENG, China set to further boost global growth, China Daily, outubro de 2018