Juiz quer esclarecer efeitos da venda da Embraer na segurança nacional
O juiz federal Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou a manifestação do Conselho de Segurança Nacional (atual Conselho de Defesa Nacional), por meio do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, sobre a venda da Embraer para a norte-americana Boeing.
Publicado 08/09/2018 15:43
A decisão decorre de Ação Popular ajuizada pelos deputados federais da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta (RS), Carlos Zarattini (SP), Nelson Pellegrino (BA) e Vicente Cândido (SP), representados pela Advocacia Garcez, em desfavor da União e endereçada à Presidência da República, Ministério da Defesa, Comando da Aeronáutica, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e Tribunal de Contas da União, além da própria Embraer.
Em sua decisão, datada do dia 3 de setembro, o Juiz Victorio Giuzio Neto determina que sejam prestadas explicações sobre os eventuais riscos à soberania nacional com a venda da Embraer e determina que as negociações sejam precedidas de um parecer do Conselho Nacional de Segurança, que envolve diversos órgãos da Administração Pública Federal, incluindo o Ministério da Defesa. As companhias anunciaram no final do mês de julho de 2018 um acordo preliminar, por meio do qual a norte-americana Boeing assumirá o controle da divisão de aviação comercial da Embraer, com a criação de uma joint venture de US$ 4,75 bilhões.
O juiz em sua decisão faz uma comparação importante em relação a uma possível situação similar nos EUA e afirma que “cumpre, neste sentido, observar que esta discussão instaurada no Brasil não teria sequer início nos Estados Unidos da América, ou seja, uma possível aquisição pela EMBRAER, mesmo que restrita a uma parte "comercial" da Boeing – que também produz aviões militares puros e até mesmo civis com funções militares como os destinados ao uso pela presidência daquele país – pois seria imediatamente vetada”. E emenda “aliás, neste ponto é oportuno observar que a nação norte-americana, independentemente do atual consenso de imposição de barreiras comerciais justificada na manutenção dos empregos dos seus trabalhadores, no que toca à Boeing – que também desenvolve tecnologia militar – mantém um "Comitê de Segurança” com poderes de vetar e sem dúvida o faria, qualquer grande potência mundial que tentasse situação equivalente à que aqui se apresenta, não importando o montante dos dólares envolvidos, como se vê no caso da 5G, buscando dissociar aquela empresa como relevante para a sua segurança”.
O juiz ressalta o caráter estratégico da Embraer, que produz aviões de uso militar, imprescindíveis para a defesa do território e da segurança nacional: “Atente-se, por oportuno, que a Embraer não se encontra vinculada apenas à Aeronáutica, mas também ao Exército e a Marinha e conforme a própria observação da GSI, segundo o artigo 91, § 1º, inciso IV, da CF, o Conselho de Defesa Nacional – CDN possui a competência de estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional (GN) e a defesa do estado democrático e, nesse sentido, mesmo atuando como órgão de consulta do Presidente da República (grifado no original) nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do estado democrático não se prescinde de sua análise”, diz trecho da sentença.
O juiz questiona a intenção da Boeing em sua exigência de que a União Federal deveria desfazer-se da Golden Share, “mesmo sendo impossível até mesmo imaginar as reais e efetivas razões da condição imposta pela companhia norte-americana em não admitir a golden share da União Federal na joint venture que se pretende criar – a traduzir frontal oposição da Boeing norte-americana de qualquer interferência do Brasil – mesmo que limitadíssima – decorrente da titularidade daquela ação pelo Brasil, mesmo no plano estritamente jurídico, no qual não se poder dissociar o exercício das prerrogativas dela representa renúncia da soberania ou, quando menos, uma renúncia do direito de defesa dos interesses genuínos do Brasil ” e ressalta, de forma contundente, a importância desse instrumento: “enfim, sendo a defesa deste direito – que é do povo – e compondo ele o da própria soberania, impossível considerar que, em se pagando um determinado preço, o país possa dele abdicar ou mesmo que possa isto se encontrar no poder da Administração e como tal, do Poder Executivo isoladamente e sem a participação do Congresso Nacional poder despojar-se da Golden Share detida na Embraer”.
Segundo Maximiliano Nagl Garcez, advogado dos autores, estes “demonstraram que existe um movimento irresponsável e afobado do governo golpista para transformar o Brasil em uma nação subalterna. A privatização das empresas do sistema Eletrobras, a entrega do pré-sal e a questão da Embraer são provas claras da tentativa de entrega, por meios juridicamente atabalhoados, dos recursos estratégicos do Brasil para as potências estrangeiras”.
De acordo com Rodrigo Salgado, advogado dos autores e Doutor em Direito Econômico pela USP, a decisão é muito importante e reforça o caráter estratégico da Embraer para a soberania nacional: “O juiz reconheceu a possibilidade e o potencial que a venda da Embraer tem de afetar os interesses estratégicos da União, principalmente no que diz respeito à segurança nacional”.
O juiz reforça ainda a importância econômica da Embraer, que atualmente é a terceira maior exportadora do país e lembrou que somente o BNDES investiu mais de 20 bilhões de dólares para o financiamento às exportações de aeronaves entre 1997 e 2017: “Para o Brasil, a Embraer constitui hoje a terceira maior exportadora, atrás da Vale e da Petrobrás. Faturou em 2.016 cerca de R$ 21,4 bilhões. Constitui uma das maiores fabricantes globais de jatos de passageiros e de aviões militares de pequeno porte. Tem produtos de reconhecido sucesso e detém uma invejável tecnologia. O BNDES, por sua vez, proveu recursos da ordem de 20 bilhões de dólares para o financiamento às exportações de aeronaves entre 1997 e 2.017.”, destaca o juiz.
Conclui a decisão: “Em face do contexto fático jurídico que aqui se expõe, sem prejuízo do exame de outros aspectos apontados na ação, inexistente a hipótese de se ver como dispensável uma manifestação do Conselho de Segurança Nacional através do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República especialmente considerando que a própria existência da Golden Share na Embraer é elemento definidor do interesse estratégico do Brasil, e cuja resposta deverá permitir não apenas a este Juízo como às instâncias superiores uma obtenção de melhores subsídios para uma decisão”.