Publicado 07/09/2018 13:44
Essa tradição remonta à Independência, ocorrida faz 196 anos, em 7 de setembro de 1822 – autonomia nacional que, ao contrário do que diz a renitente lenda conservadora, foi conquistada pelos brasileiros de armas nas mãos. Que derrotou os portugueses e os expulsou do território brasileiro em regiões tão diferentes e distantes como Pernambuco (onde a luta começou em 1821), Bahia (lá a derrota lusa se deu em 2 de julho de 1823), Maranhão (que aderiu à Independência em 28 de Julho de 1823), Piauí (onde ocorreu a batalha do Jenipapo, em 13 de março de 1823, que marca o heroísmo das brasileiras na luta pala Independência) e Pará (ensanguentado pelo assassinato de mais de 250 populares no brigue Palhaço, no porto de Belém, em outubro de 1823).
Foram brasileiros que ousaram lutar pela Independência. Entre os quais se fortaleceu, ao longo do tempo, o sentimento de nacionalidade que inspira a forte defesa da soberania nacional e repudia a subserviência a nações estrangeiras.
É uma convenção histórica a comemoração da Independência em 7 de setembro. Convenção ligada à tese conservadora de que a separação com Portugal teria sido pacífica e consensual (o historiador conservador Francisco Adolfo de Varnhagen chegou ao absurdo de dizer que a Independência teria sido uma “doação” dos reis de Portugal). Apesar disso há sentido na comemoração em setembro. Afinal, foi no dia 2 que o Conselho de Estado do Reino do Brasil, sob direção da princesa Leopoldina (que exercia a regência durante a ausência de seu marido, D. Pedro, que estava em viagem a São Paulo), decidiu separar definitivamente o Brasil de Portugal, assinando a declaração de independência. Uma semana antes do Grito do Ipiranga, e sob comando da futura Imperatriz Leopoldina!
Naqueles dias a defesa da soberania nacional levou a atos de afirmação como a recusa do príncipe Pedro em voltar para Portugal e a determinação para que o general português Jorge Avilez, enviado com dois mil soldados para buscá-lo, deixasse o território brasileiro. Sua presença causou tamanha revolta que quase resultou numa batalha nas praias do Rio de Janeiro, onde foram cercados por 10 mil brasileiros em armas.
A classe dominante brasileira, é preciso reconhecer, é ciosa – pela maioria de seus membros – da Independência e da soberania do Brasil. Trata-se de um sentimento nacional conservador que decorre da natureza de classe do processo da separação com Portugal, no qual a mudança seria apenas política, como queriam os senhores de terras e escravos e o grande capital que controlava o comércio externo – sobretudo o tráfico de escravos -, mas sem nenhuma mudança social ou econômica que favorecesse o povo, mantendo o Brasil na mesma subordinação externa que fazia dele o grande exportador de commodities que sempre foi. É como se a classe dominante brasileira dissesse ao mundo: esta é minha fazenda e nela mando eu!
Sentimento conservador que a levou, ao longo da história, a muitos episódios de resistência contra decisões tomadas em outros países, mesmo com algum sentido humanitário ou democrático.
Um exemplo é a oposição às pressões inglesas, desde a época da Independência, pelo fim do tráfico de escravos e da escravidão. Chegou a adotar a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que proibia aquele comércio nefando, mas não a cumpriu (foi uma lei para “inglês ver”…). Quando a pressão inglesa cresceu, na década de 1840 (é de 9 de agosto de 1845 o chamado Bill Aberdeen, que dava aos navios de guerra ingleses o direito de abordar e confiscar navios suspeitos de tráfico, mesmo em portos brasileiros), a indignação entre os brasileiros foi enorme. Em 4 de setembro de 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queiróz, proibindo finalmente o tráfico de seres humanos.
Naqueles anos cresceu a tensão com os ingleses, e seu auge foi a chamada Questão Christie, em meados da década de1860. E que levou ao rompimento de relações entre o Brasil e a Inglaterra. Foi uma forte resistência brasileira contra a tentativa de afrontar a soberania nacional. O navio inglês Prince of Wales havia encalhado (e naufragou), em junho de 1861, na costa gaúcha; alguns tripulantes morreram e a carga foi saqueada por moradores da região.
Outro incidente, que se juntou à alegação de pilhagem do navio naufragado, foi a prisão, no Rio de Janeiro, em 17 de junho de 1862, de um grupo de marinheiros ingleses que, bêbados, promoviam arruaças e ameaçavam pessoas nas ruas.
Naqueles dias, William Dougal Christie, o embaixador inglês no Rio de Janeiro recebeu de Londres uma nota que alegava ter ocorrido "o mais brutal ultraje cometido contra 3 oficiais do navio de sua Majestade Forte", e exigia do governo brasileiro a investigação do "atroz ultraje", e a indenização mais ampla para "as indignidades cometidas contra a honra nacional e pelo brutal ataque realizado nas pessoas destes oficiais".
O governo brasileiro reagiu com altivez e Christie, em 7 de agosto de 1862, escreveu para seus chefes em Londres dizendo que "o governo brasileiro tem procedido com inadequada lentidão e indiferença dada a gravidade dos feitos e o grave caráter das denúncias".
O governo imperial exigia, através de nota do Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, que os responsáveis pelo incidente fossem postos à disposição das autoridades brasileiras. Em resposta, Christie exigiu a compensação aos afetados pelos acontecimentos do Prince of Wales, acusando os brasileiros de terem assassinado os membros da tripulação. Sobre a prisão dos marinheiros ingleses, pressionava pela demissão dos policiais envolvidos e por um pedido de desculpa do governo imperial para a Grã-Bretanha. E ameaçava com o bloqueio da Baia da Guanabara por navios de guerra ingleses. Bloqueio que de fato ocorreu, em novembro de 1862, quando navios de guerra ingleses bloquearam o porto do Rio de Janeiro, tomaram cinco navios lá ancorados, e exigiram uma compensação financeira. Isto provocou a fúria da população que, em represália, passou a ameaçar propriedades inglesas na cidade. E o governo imperial exigiu, através de seu embaixador, em Londres, indenização pelo confisco das embarcações no Rio de Janeiro. E um pedido de desculpa do governo inglês pela violação do território brasileiro.
Os acontecimentos foram se sucedendo, havendo inclusive a arbitragem de Leopoldo, rei da Bélgica que, afinal, reconheceu os direitos do Brasil.
A tensão foi num crescendo até 25 de maio de 1863, quando o Brasil rompeu relações com a Inglaterra, e só as restabeleceu em 23 de setembro de 1865, depois que a Inglaterra aceitou cumprir parte da reclamação brasileira e aceitou o resultado da intermediação belga.
Este talvez tenha sido o mais dramático enfrentamento da diplomacia brasileira com uma potência estrangeira – a maior e mais importante da época, a Inglaterra.
Houve outros confrontos através dos anos, nos quais a diplomacia brasileira se esmerou na defesa da soberania nacional. Sobretudo depois da Segunda Grande Guerra (1939-1945), da qual os EUA emergiram como a grande potência capitalista.
O mesmo padrão de conservadorismo se repetiu inúmeras vezes. Como, por exemplo, durante o governo do General Ernesto Geisel (1974/1979), que, contrariando a vontade estadunidense, restabeleceu relações diplomáticas com a China (1974), reconheceu a independência de Angola (1975), rompeu como acordo militar Brasil-EUA, que existia desde 1952, e assinou um acordo nuclear com a Alemanha (1975).
Mesmo conservadora, esta tradição de defesa da soberania nacional é traída pelo governo golpista de Michel Temer, que coloca o Brasil de joelhos ante o imperialismo dos EUA. A quem entrega riquezas nacionais muito cobiçadas, como o pré-sal, empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional, como a Embraer, e abre mão mesmo de parte do território nacional, ao ceder aos EUA a base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão. É um servilismo externo estranho mesmo a setores conservadores da diplomacia brasileira.