Laura: Não há contradição entre superar desigualdades e gerar empregos
"A alternativa para um Brasil mais justo põe no centro do modelo de crescimento a superação das nossas carências históricas". A análise é da economista Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, no debate on-line que abriu, no mês de julho, a nova série Futuros do Brasil e da América Latina, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE).
Publicado 04/08/2018 11:25
“As nossas desigualdades chegam a níveis de barbárie”, alerta Laura, afirmando que não há contradição entre superar essas carências, gerar empregos e crescer. “Nenhum modelo que não parta disso, como eixo central, tem condições de prosperar numa economia grande como a nossa”, destaca a economista, que esteve no centro do debate, coordenado pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, interagindo com três debatedores – os pesquisadores Carlos Gadelha, da Fiocruz, Carlos Eduardo Martins, da UFRJ, e Gustavo Noronha, do Incra.
Segundo Laura, um grande programa de investimentos públicos, atrelado a uma política tecnológica e de desenvolvimento de setores produtivos, é algo que funciona tanto para o crescimento tanto de curto quanto de longo prazo. “Com geração de emprego de maior qualidade e um processo de ampliação da educação”, acrescenta. “Não adianta investir em educação sem gerar essa diversificação da estrutura produtiva e empregos para incorporar essa mão de obra que se está propondo educar. Essas coisas têm que caminhar juntas”, destaca.
A economista observa que há uma série de mecanismos criados para limitar o crescimento público e que tendem a incentivar e a induzir a privatização de serviços. “O ajuste fiscal afeta os mais vulneráveis, porque corta gastos de serviços utilizados pela população mais pobre, e não os mais ricos, que sequer utilizam o Estado”.
Nesse sentido, para Laura, o entendimento de que imposto é roubo, nada mais é do que uma consequência da não utilização dos serviços públicos pela parcela mais favorecida da população. “Quando você não usa o serviço, não quer pagar por ele. E, quando não paga o imposto, o serviço vai sendo sucateado”, analisa, destacando que a carga tributária brasileira não é alta, se comparada à de países com serviço público universal de educação, saúde de qualidade e uma rede de proteção social que garanta dignidade. “Em geral, quem argumenta que nossa carga tributária é elevada compara com a de países vizinhos, mais pobres, que não têm serviços públicos universais. É impossível querer uma carga tributária da Guiné Equatorial e serviços públicos suecos”. Laura propõe discutir, no contexto de ajuste fiscal, possibilidades de aumento da carga tributária, mas alterando completamente a forma de distribuí-la. “O problema não é o tamanho da carga, mas sua distribuição”.
A pesquisadora propõe, ainda, um plano que articule investimentos e gastos sociais, com uma política tecnológica envolvendo universidades, outras instituições de pesquisa e entes federados – municipais e estaduais. O sucesso do plano em gerar crescimento econômico compensaria parte do que estivesse sendo gasto para concretizá-lo. “É difícil imaginar um plano desses que consiga superar o tamanho das nossas desigualdades e carências sem incorrer em custos maiores para o Estado”, considera. “Temos que ser capazes de discutir qual a carga tributária que queremos no Brasil, dado aquilo que desejamos ter em termos de serviços”.
Laura entende que democracia e orçamento não estão em polos opostos. No entanto, o orçamento é apresentado como um bolo fixo, fazendo-se com que um setor brigue com outro por sua fatia. Tal pensamento, segundo ela, foi reforçado com a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos. “Fica a saúde brigando com a educação, que briga com os aposentados, que briga com funcionalismo público, inclusive entre as categorias. O conflito distributivo se dá, assim, entre os atores políticos ligados a uma demanda democrática, enquanto as demandas não democráticas não precisam fazer qualquer tipo de briga, porque os recursos do ponto de vista dos benefícios tributários já estão garantidos pelo Congresso”.