Ícone da luta pela liberdade, Mandela inspira jovens africanos
Nelson Mandela estaria completando cem anos. Ele acabou com o racismo institucionalizado na África do Sul e foi o primeiro presidente negro do país. Sua postura reconciliadora continua inspirando as novas gerações.
Publicado 18/07/2018 19:03
"Falar do Mandela é falar de luta. É falar de uma causa", diz o rapper, estudante e ativista moçambicano André Cardoso, de 22 anos. Ele é um dos 15 jovens africanos que contaram a correspondentes da DW em todo o continente como Mandela os inspirou. "É ser contra a opressão e ser contra o medo", define.
Nelson Rolihlahla Dalibhunga Mandela nasceu no dia 18 de julho de 1918. Quando seu pai o batizou de Rolihlahla provavelmente não desconfiava do quanto o filho honraria o nome. Na língua do povo xhosa (seu pai era chefe da tribo Thembu), Rolihlahla quer dizer "aquele que quebra galhos", ou, em tradução mais livre, "encrenqueiro", "causador de problemas". Talvez tenha sido um pressentimento adiantado de sua capacidade de instigar mudanças.
Madiba, o nome de clã adotado por todo o povo sul-africano para se referir a ele, causou vários problemas ao regime do país. Em 1944, ele se filiou ao Congresso Nacional Africano (ANC). Em 1948, o Partido Nacional da África do Sul ganhou as eleições e institucionalizou o racismo no país. Quatro anos mais tarde, Mandela, que tinha feito algum sucesso como assistente jurídico num escritório de advocacia judeu, criou o primeiro gabinete administrado por negros em Johannesburgo.
Essa foi a época dos protestos de massa e campanhas de desobediência civil do ANC contra o apartheid, nos quais Mandela desempenhou papel central.
Após a proibição do ANC em 1961, ele fundou com outros pugilistas amadores a ala militante Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação) e, na qualidade de comandante da organização clandestina, ordenou operações de guerrilha contra instituições públicas. No ano seguinte, viajou secretamente para o exterior, a fim de angariar apoio financeiro para a formação dos quadros do ANC. Ao retornar, foi preso e mais tarde condenado no processo diante do tribunal de Rivonia.
Ideal de uma sociedade livre e democrática
Os procuradores pediram a sentença de morte. Mandela considerou uma fuga, assim como vários de seus coacusados, mas, no final, decidiu ficar na África do Sul. O famoso discurso que pronunciou em sua própria defesa terminou numa forte declaração: "Eu lutei contra a dominação branca e eu lutei contra a dominação negra. Eu acalentei a ideia de uma sociedade democrática e livre em que todos vivam juntos em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual eu espero viver e que espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual eu estou disposto a morrer."
"Ele era um homem de princípios, um homem que cumpria sua palavra", constata o jornalista zimbabueano Mlondolozi Ndlovu, de 30 anos, ao falar do homem que, mais tarde, como o primeiro presidente negro da África do Sul, incorporaria o respeito à população negra e branca na mesma medida.
Mandela foi condenado à prisão perpétua. Cumpriu 17 anos de sua sentença na Ilha de Robben (Robben Island), a cerca de 11 km da capital legislativa sul-africana, a Cidade do Cabo. Hoje, a cela número 5 da ilha, Patrimônio da Humanidade da Unesco, é um dos pontos turísticos mais visitados na África do Sul.
Em 1988, Mandela começou a ser preparado para a libertação. Três anos antes, ele recusara um perdão da pena em troca do abandono da violência por parte do ANC. Seguiram-se negociações secretas com as autoridades, e em 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão, Nelson Mandela, o ícone da liberdade sul-africana, foi libertado.
Sua vontade de protagonizar mudanças sempre foi acompanhada de grande humildade. Suas primeiras palavras pronunciadas em público foram, novamente, uma confissão: "Estou aqui diante de vocês não como um profeta, mas como um servo do povo".
Essa postura inspirou David Noah, estudante de jornalismo da Gâmbia. "Acredito que, como indivíduo, sempre deveríamos ter essa atitude altruísta dentro de nós mesmos. Deveríamos nos sacrificar pelos outros, fazer as coisas acontecer por outras pessoas – e não sempre ser egoístas e dizer 'sou somente eu, eu, eu'. Novamente: o que você está fazendo por outras pessoas para garantir que as vidas de outras pessoas melhorem e para colocar um sorriso na cara dos outros?", questiona.
Após sua libertação, Mandela pressionou pelo fim da segregação racial, o que levaria às primeiras eleições livres de seu país, em abril de 1994. Em 10 de maio daquele ano, ele foi empossado, como primeiro negro, presidente da África do Sul.
A partir daí, concentrou-se sobretudo na reconciliação entre as raças. Juntamente com o arcebispo Desmond Tutu, da Cidade do Cabo, impulsionou a revisão dos crimes do apartheid na Comissão da Verdade e da Reconciliação.
Após encerrar o mandato presidencial e despedir-se da política ativa, em 1999, Madiba dedicou-se às funções sociais de sua fundação. O trabalho é voltado principalmente às crianças especiais e aos portadores de aids. "Os sul-africanos travaram uma nobre luta contra o apartheid. Hoje estão diante de uma ameaça muito maior", declarou Mandela, cujo segundo filho, Makgatho, morreu da doença em 2005.
Entre todos os louros que colheu na carreira política, Mandela sabia que não era perfeito, chegando a admitir que não tinha feito o suficiente para impedir a epidemia de aids de se alastrar durante seu governo.
Valores claros
O fracasso na luta contra a pobreza na África do Sul também mancha o legado de Mandela. Jovens sul-africanos, como Ghamolelo Thobile Masweu, de 17 anos, o culpam por não ter feito o suficiente para acabar com a injustiça social e a desigualdade no país. "Não foi nada satisfatório para nós, o povo pelo qual ele declarou lutar", avalia Masweu.
Mas, apesar das críticas, muitos o admiram como um homem fiel aos próprios valores. "Sua imparcialidade, seu combate por direitos iguais e justiça são fundamentais para mim e são um guia para a minha visão de mundo", diz Pamela Getcheu, de 33 anos, dos Camarões. "A associação Coeur d'Enfance (Coração da infância), que eu cofundei, é o meu jeito de não ignorar as desigualdades na nossa sociedade, mas de lutar pelos direitos das crianças", afirma.
Mandela passou os últimos anos de sua vida longe da vida pública em seu povoado natal, Qunu, dedicando mais tempo à família. Quando faleceu, no dia 5 de dezembro de 2013, líderes políticos africanos e mundiais expressaram seu luto. Mas muitos jovens sul-africanos destacam que a liderança de Mandela era especial e que os encarregados do poder no continente hoje em dia estão longe de alcançar.
"Mandela representa um desafio para a próxima geração de líderes africanos: eles deveriam concentrar todos os seus esforços no povo", diz a empreendedora e ex-Miss Libéria, Patrice Juah. Já o queniano Don Adrian Ingutia, de 26 anos, de Nairóbi, acredita: "Se nossos líderes africanos fossem como Mandela, a África poderia mudar".