Lei da Mordaça: mobilização parlamentar e estudantil derruba votação
Em quase oito horas de debates, a comissão especial da Câmara dos Deputados que discute o projeto Escola Sem Partido (PL 7180/2014) foi tomada por discursos contrários à tentativa de censura aos professores e estudantes. Entidades e população permaneceram mobilizadas com cartazes de protesto à possível aprovação da “Lei da Mordaça”, como denominaram a matéria.
Por Iberê Lopes
Publicado 11/07/2018 21:07
O colegiado interrompeu as discussões, em função do início da sessão do Congresso Nacional, sem deliberar sobre o texto do deputado Erivelton Santana (Patriota-BA).
A medida pretende alterar o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluindo entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.
Antes mesmo da abertura dos debates, o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Górki, lembrou que a iniciativa representa o pensamento único, sem qualquer preocupação com a formação crítica da juventude.
“Não é para tirar o partido da escola, mas sim deixar um partido único. Que é o partido da grande mídia, do preconceito, da desigualdade social. É um projeto que vem com várias tentativas de censurar e atacar, principalmente, o direito à voz do povo brasileiro”, disparou o líder estudantil.
Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o tema recorrente na Casa, é uma tentativa de se imiscuir na autonomia das escolas e desconsidera a existência da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). “Não há necessidade de termos sete projetos que induzem a falta de liberdade, a vigilância policial sobre os professores e a retirada dos preceitos democráticos”, enfatizou.
Durante a discussão o presidente da comissão, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), cortou em inúmeras ocasiões a palavra dos parlamentares que se opunham ao Escola Sem Partido, atropelando o regimento da Câmara. “O senhor desconheceu minha questão de ordem”, alertou Alice Portugal em um dos momentos mais tensos, quando Marcos Rogério dispensou a leitura das atas de reuniões anteriores sem consultar o Plenário.
Deputados de oposição e favoráveis ao projeto cercaram a mesa e interromperam a sessão, protestando contra a condução açodada dos trabalhos.
O PT, o PDT, o PCdoB, o Psol, a Minoria e a Oposição entraram em obstrução. O PP, o PSDB, o DEM, o PR, o PSD, o Podemos (Pode), o PTB, o Patriota (Patri), o MDB e o PRB defenderam a votação do projeto.
Na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), o projeto da Escola sem Partido faz parte do processo de ruptura democrática do País. “Esta proposta é um desrespeito aos educadores e representa a negação do outro, a lógica fascista de tentar transformar a educação numa expressão de pensamento único”, argumentou.
A deputada e professora Marcivância (PCdoB-AP) reforçou a tese contrária ao texto dizendo ser impossível conceber uma educação de qualidade sem a liberdade de cátedra. “A gente vê aqui uma tentativa de colocar uma mordaça no professor, de impor limites a sua atuação educacional”, disse.
Num conflito entre crianças sobre racismo ou homofobia o professor teria “até receio de dialogar com seus alunos” sobre essas questões, porque teria “a espada no seu pescoço de uma lei que pode processá-lo”, salientou a parlamentar.
No mesmo entendimento, o deputado Léo de Brito (PT-AC) alertou para a ambiguidade presente na lei que pode gerar “perseguição aos professores”. “Se entrar um líder estudantil dentro de uma sala de aula, e for permitido pelo professor, e ele disser assim: olha, nós precisamos lutar para que essa escola contrate mais professores. Ele pode ser enquadrado” pela lei que se pretende votar na Câmara.
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias, prometeu mobilização intensa em qualquer tempo que o projeto retornar ao centro do debate político do Legislativo. “Nós representamos os setores que serão atingidos por esse projeto. Os deputados têm a obrigação de nos ouvir".
"E nós queremos uma escola democrática. Uma escola que tenha no seu papel, e na sua função social, fomentar o senso crítico e a reflexão dos estudantes acerca de todos os temas”, concluiu a dirigente da UNE.
O início da sessão plenária do Congresso Nacional, com perspectiva de se estender por toda a noite desta quarta-feira (11), exigiu que o presidente do colegiado encerrasse a discussão sem agendar nova data para retomada da deliberação do Escola Sem Partido.