Alexandre Lucas – Comunidade do Gesso: Asfalto ou calçamento?
"No primeiro momento, o asfalto aparece como símbolo (equivocado) de modernidade e desenvolvimento pelas narrativas recorrentes das elites econômicas. Por outro lado é questionável como política de urbanização e integração comunitária o uso do asfalto”.
Por Alexandre Lucas*
Publicado 25/06/2018 10:21 | Editado 04/03/2020 16:22
O processo de urbanização não pode ser decretado nos gabinetes, mas antes de tudo pela análise do contexto histórico-social dos lugares e dos seus sujeitos. É imperativo considerar esse aspecto como elemento fundante de uma perspectiva de urbanização social, tendo como eixo o desenvolvimento social que perpassa pela relação/interação entre moradores, tempo e espaço visando a qualidade de vida nos seus múltiplos aspectos, como ludicidade, acessibilidade, segurança, saneamento básico, redução de danos ambientais e integração com a cidade e os seus sujeitos.
Neste contexto, é preciso debater uma questão que pode fazer uma grande diferença na qualidade de vida das pessoas: asfaltar ou calçar, eis a questão! A temática merece aprofundamento e posicionamento alinhado com a defesa do conceito do “bem viver”.
Peguemos como centro das preocupações e reflexões a comunidade do Gesso, na cidade do Crato. A localidade fica situada no miolo de quatro bairros: Centro, Pinto Madeira, Santa Luzia e São Miguel. A região está a cerca de dois quarteirões do centro comercial e ao mesmo tempo carrega um histórico de inviabilização, exclusão, vulnerabilidade, estigmatização social e ausência de planejamento urbano.
Há algum tempo vem sendo cogitada a possibilidade de asfaltamento da via paralela à linha férrea, especificamente da rua Monsenhor Joviniano Barreto, interligando o São Miguel ao Centro, o que em tese reduz fluxo de carros das outras vias.
No primeiro momento, o asfalto aparece como símbolo (equivocado) de modernidade e desenvolvimento pelas narrativas recorrentes das elites econômicas. Por outro lado é questionável como política de urbanização e integração comunitária o uso do asfalto.
Vejamos alguns pontos para se contrapor o uso do asfaltamento: amplia o fluxo e a velocidade de veículos expandindo o risco de acidentes e retirando a rua como um dos poucos espaços de ludicidade das crianças. As ruas das periferias são espaços de misturar gente, de ocupação criativa e do brincar, o que só é possível com o fluxo reduzido de veículos.
O asfalto esquenta. Esse tipo de superfície tem a capacidade de guardar calor durante o dia e liberá-lo durante a noite, o que gera insatisfação térmica, aumento do consumo de água, energia elétrica e desgaste físico. O asfalto também impermeabiliza o terreno impedindo que as águas das chuvas cheguem ao solo e aos lençóis freáticos, o que favorece também enchentes e alagamentos.
São inúmeros os argumentos para definir junto à comunidade outras possibilidades de urbanização que levem em consideração a necessidade de construir narrativas e intervenções urbanas, tendo como centralidade a qualidade de vida em contraposição a todas as problemáticas ambientais e de desintegração comunitária que o asfalto pode gerar.
Possivelmente, alinhar o calçamento a outras estratégias que proporcionem a calmaria, diante deste fluxo atormentado do capital, e que harmonizem o espaço do viver com a menor quantidade possível de impactos ambientais é uma necessidade de que se faz constante.
Cinturão verde composto por árvores frutíferas no perímetro da linha férrea, cobertura e iluminação da quadra e das vias de acesso à comunidade do Gesso, fortalecimento e ampliação das práticas e dos espaços de ocupação criativa da localidade, adequação do sistema de saneamento básico e integração dos espaços que separam lugares devem ser bandeiras para compor o urbanismo do bem viver.
*Alexandre Lucas é pedagogo e integrante do Coletivo Camaradas.
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