PNE chega ao quarto ano com apenas um dispositivo cumprido
O Plano Nacional de Educação (PNE), que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional, chega ao seu quarto ano de vigência com apenas um dos dispositivos cumprido integralmente e avanços em apenas 30% naqueles previstos para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018. O balanço foi realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em parceria com o Laboratório de Dados Educacionais da UFPR.
Publicado 19/06/2018 12:55
O único dispositivo cumprido, com atraso, foi a publicação de estudos pelo INEP para aferir a evolução das metas a partir de informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito nacional. O documento, no entanto, é alvo de críticas. Segundo a Campanha, o investimento em educação, explicitado na avaliação da Meta 20, que trata sobre financiamento, apresenta valores em relação ao PIB somente até 2014.
Outro ponto é que o relatório não apresenta dados desagregados por investimento por ente federado, essencial por revelar como foram os gastos federais direto em educação nos últimos anos, “mostrando que o Governo Federal não tem feito sua parte no aumento dos investimentos em educação, ao contrário de estados, DF e municípios”, avalia a Campanha.
O balanço também pontuou o descumprimento de dispositivos-base previstos na Lei do PNE, fundamentais para o cumprimento do Plano. “O Plano Nacional de Educação foi organizado como uma agenda progressiva, o que significa que seus dispositivos estão dispostos em um cronograma, com tarefas atribuídas para cada um dos dez anos. Se uma tarefa agendada para 2015 não for feita, ela prejudica o cumprimento de outra agendada para 2016, 2017 e assim por diante”, explica o coordenador da Campanha, Daniel Cara.
Entre os atrasos figuram, por exemplo, a instituição do Sistema Nacional de Educação, previsto para 2016, dois anos após a aprovação da Lei, e que seria responsável por promover articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do PNE.
Na mesma situação encontram-se as estratégias 20.6, 20.7, 20.8, 20.9, 20.10 e 20.11, que compõem a meta 20 de financiamento, e tratam da implementação progressiva do Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi) e do Custo Aluno Qualidade (CAQ), instrumentos que preveem um padrão mínimo de financiamento da educação, de modo a garantir qualidade em sua oferta; além do estabelecimento de um regime de colaboração, em que a União se responsabiliza a complementar financeiramente Estados, Distrito Federal e municípios que não alcançarem o valor mínimo do financiamento projetado.
Os atrasos, segundo especialistas, seguramente impactam no cumprimento das demais metas do Plano e dificultam a possibilidade do País de reparar a histórica trajetória de atraso educacional no que diz respeito à garantia do direito a uma educação de qualidade na educação básica e no ensino superior.
“Ainda temos 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, o que é gravíssimo. Outro ponto é que o PNE se configura em um período em que a pirâmide etária brasileira tem a maior parte da população na base, ou seja, são crianças e adolescentes. Garantir o direito à educação é necessário para que eles se desenvolvam plenamente e atuem futuramente pelo desenvolvimento do País”, atesta Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha.
O professor do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da UFPR, Thiago Alves, pontua que o Brasil está muito abaixo da média dos países desenvolvidos em relação a população economicamente ativa que conclui um curso de graduação. “O Brasil tem em torno de 14% dessa população, enquanto a média dos países da OCDE é de 33% e outros como Estados Unidos, Japão e França superam os 40%”, observa.
Fatores políticos e econômicos
Para Pellanda e Alves, o Plano Nacional de Educação é escanteado por uma conjunção de fatores políticos e econômicos. Um deles é a Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto aos gastos públicos por 20 anos e “segue na contramão do previsto pela legislação do Plano”, na opinião de Andressa, que relembra que o PNE prevê um aumento progressivo do financiamento da educação até 2024, com patamar de 7% do PIB para a educação em 2019 e 10% ao final do decênio. Hoje, o Brasil está no patamar de 5,5% do PIB, segundo o INEP. A emenda Constitucional, por sua vez, prevê o congelamento dos gastos até 2036.
A medida, segundo a especialista, deve impactar também o próximo Plano Nacional de Educação que ainda nem foi formulado. “Aumentar o financiamento da educação é estritamente necessário pra conseguirmos cumprir o Plano. Sem isso, não vamos conseguir abrir mais vagas, necessárias para incluir todo mundo na escola, fora o fato de que precisamos melhorar a qualidade da educação para os estudantes que estão na escola hoje, o que também passa pelo financiamento”, adverte Andressa.
Nesse contexto, o Plano prevê, via CAQi, a implementação do piso do magistério, além de investimentos na formação docente, na estrutura das escolas e na relação professor aluno, com vistas a menos estudantes por sala de aula.
Fora do espectro econômico, pesam sobre o descumprimento do Plano Nacional de Educação algumas decisões políticas, como pontua Thiago Alves. “De 2014 para cá temos questões decorrentes de uma mudança inesperada de governo, fora do curso das eleições, que causa uma instabilidade e não permite colocar a educação como uma pauta prioritária”, pondera.
As políticas educacionais pautadas pelo atual governo como a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular para a etapa também divergem do teor do PNE, segundo Andressa. “Não temos garantidos os insumos de qualidade necessários, como financiamento e valorização de professores e nem a dimensão de uma nova pedagogia, como pleiteada pelos estudantes durante as ocupações das escolas”, garante.
Os especialistas reforçam a necessidade de um arranjo institucional entre municípios, estados e União para que o regime de colaboração, já previsto na Constituição Federal, saia do papel. “O Plano Nacional de Educação é complexo, mas necessário, e carece de consensos e pactos mínimos”, conclui Thiago.