Pedro Sánchez, oportunidades para a Espanha e para o Brasil
As análises apressadas que os articulistas políticos fazem sobre Pedro Sánchez, ao vaticinarem que o novo presidente do governo espanhol não cumprirá noventa dias de governo, não se deram conta de que o norte principal buscado pelo PSOE agrada, também, ao escorraçado Partido Popular-PP
Por Manoel Lucas Filho e Remi Castioni*
Publicado 11/06/2018 18:51
Claro é que a coalisão que sustentou a moção de censura é muito díspar e Sánchez com apenas 84 deputados dos 350 da câmara baixa, terá que dialogar muito. O fato inconteste é que o novo líder espanhol abre uma nova fase para as relações políticas do bloco europeu, podendo contribuir tanto para novas perspectivas no conturbado cenário da política mundial, oferecendo perspectivas para o não menos instável continente latino-americano.
Sanchez ao sair vitorioso da moção de censura disse, e cumpriu, que comporia um governo sem a participação dos outros partidos, dentre os quais o segundo maior deles na sustentação de sua coligação, o PODEMOS, que tem 67 deputados. Cabe ressaltar que o apoio de partidos a governos aqui na Espanha não significa ter ministérios, apenas se exige fidelidade ao plano de governo, bem diferente da lógica fundada no “homem cordial” da política brasileira, que confunde poder com compadrio e interesses pessoais e patrimonialistas com interesse público. Assim mesmo há que ressaltar que PODEMOS, mesmo insinuando que gostaria de contribuir com a administração nos cargos do andar de cima (ministérios), recusou a oferta para os cargos de segundo e terceiro escalão numa atitude que, por um lado, fortalece a máxima de que políticos gostam mais da vitrine dos altos cargos do que o pragmatismo efetivamente transformador do poder exercido em cargos menos visíveis. Por outro lado, reforça a teoria de que PODEMOS não gostaria de se desgastar ao ocupar cargos. A corrente política, que se assemelha ao PSOL brasileiro, em um comunicado, deixou assinalado que o Governo de Sánchez está pensado para desgastar aos partidos da oposição, sobretudo a CIUDADANOS que certamente ganharia as eleições se as tivéssemos em breve espaço de tempo e também a eles mesmo (Unidos Podemos). Vale lembrar que esses dois partidos vêm tirando votos dos socialistas e do PP já faz tempo. Por outro lado, reforça a teoria de que Pedro Sánchez não sofrerá moção de censura antes de terminar os dois anos que lhe faltam para completar a legislatura atual. O fato é que CIUDADANOS, em caso de haver eleições antecipadas, engordaria às custas dos eleitores do Partido Popular, chegando a superá-lo e ficando com a hegemonia da direita. O líder Albert Rivera é um jovem que flerta com a extrema direita franquista que vinha bastante insatisfeita com a moderada atuação de Mariano Rajoy, principalmente com respeito à uma disfarçada tolerância às pautas identitárias e aos direitos humanos. Então a exacerbada atuação de Rivera contra o independentismo catalão tem retirado esses votos do PP. Portanto, ao PP também interessa fôlego para desidratar o Ciudadanos nos dois anos restantes da legislatura e, evidente, se oferecer novamente como alternativa de oposição ao governo socialista e deixar o partido laranja – Ciudadanos – minguando. Enquanto isso o PSOE respira e igualmente tenta voltar a crescer.
Em qualquer que seja o viés analisado fica demonstrada a habilidade política e o instinto de sobrevivência de Pedro Sánchez. Primeiramente, Unidos Podemos é majoritariamente republicano, não perde a oportunidade de descer o malho no rei e, numa coalizão frágil, que tem o significado de governo de travessia, esse tipo de veneno intoxicaria efetivamente a governança. Os Bascos e os Catalães vão ficar uns tempos sossegados para trabalhar suas estratégias independentistas/autonomistas, livres do acosso das alas franquistas enquistadas tanto no PP quanto no Ciudadanos.
A trajetória de Pedro Sánchez mostra que até o ano de 2009 ele nunca havia sido eleito deputado, tinha pouca relevância para os barões do PSOE e sempre ficava em alguma suplência, até que naquele ano assumiu uma cadeira na câmara baixa pela renúncia de Pedro Solbes. Em 2010 foi escolhido pela imprensa deputado revelação, mas logo nas eleições de 2011, novamente, ficou numa suplência. Sánchez sempre primou pela academia, tem três mestrados todos voltados para economia política e desde novembro de 2012 é doutor pela Universidade Camilo José Cela (prêmio Nobel de literatura), onde é professor, com a tese “Inovações da diplomacia econômica espanhola: análises do setor público”. Em 2013, Cristina Narbona renuncia à sua cadeira e novamente Pedro Sánchez assume como deputado e a seguir publica o livro “a nova diplomacia econômica espanhola”, resultado de sua tese, o que lhe rendeu certo prestigio.
Em 2014, depois de mais um fracasso eleitoral do PSOE para o parlamento europeu, o presidente do partido Alfredo Rubalcaba renuncia ao cargo e alega que o partido precisaria de oxigênio e deveria recorrer às bases para eleger um novo presidente. Foi a oportunidade para Sánchez percorrer o pais atrás do apoio dos jovens militantes, já muito incomodados com um baronato carcomido e alojado na cúpula do partido. Ganhou as eleições, assumiu o comando do partido, defendeu a reforma da Constituição propondo um modelo federal para Espanha assim como prometeu mudar o Artigo 135 da constituição para reforçar o laicismo do sistema educativo. Foi o suficiente para despertar a ira dos donos do partido na Andaluzia, os chamados barões. Nas eleições gerais de 2015 conseguiu 90 deputados tendo sido proposto pelo rei para formar governo, mas não conseguiu, a Espanha já estava irremediavelmente dividida, nem direita nem esquerda conseguiram maioria.
Em 2016 mais uma crise no PSOE de Andaluzia elevou a temperatura no partido e Pedro Sánchez foi defenestrado da secretaria geral do PSOE, que foi entregue à uma comissão gestora, porém, teve a percepção de renunciar à sua cadeira de deputado poucas horas antes de Mariano Rajoy ser reempossado primeiro ministro, justamente por abstenção do PSOE, naquele momento já novamente dominado pelo baronato Andaluz. Desta forma, o PP iniciava um novo governo de minoria, fato observado pela primeira vez na Espanha democrática.
O fato abre nova crise no PSOE, a executiva do partido se demite e Sánchez, resistente, volta a percorrer toda a Espanha, sem mandato e sem recursos, apenas montado em seu modesto carro, outra vez ganha as primárias do partido contra Susana Dìaz, atual chefe do governo Andaluz. Quando há duas semanas apresentou a moção de censura contra Rajoy foi ridicularizado por muitos, incluindo parte do PSOE.
Saiu vitorioso, forte, e com uma postura completamente distinta de tudo que se via até então. Em sua posse o primeiro passo foi prometer respeito à Constituição, bem diferente do termo “jurar” como faziam todos até aquele dia, depois, não aceitou a bíblia nem crucifixo na sala do palácio de La Zarzuela num gesto de afirmação da laicidade do estado espanhol (que ainda é muito obediente à igreja católica), além do que foi empossado presidente do governo sem ser deputado, a primeira vez que isso ocorre no parlamentarismo espanhol. Nomeou 11 mulheres num gabinete de 17 ministros. Dois dos ministros homens não seguiram a novidade, Josep Borrell e José Luis Ábalos, justamente dois conservadores que deverão trazer problemas para Sánchez, não pela dissidência, mas por suas conhecidas carreiras políticas. O primeiro enfrentou os catalães durante o processo independentista, participando inclusive de manifestações ao lado de Ciudadanos e do PP, que são contra o movimento catalão.
Certamente, Sanchez, é um novo tipo de líder que não estamos acostumados a ver, resistente em mudar de posição sob pressão dos poderes invisíveis, coisa difícil nesses tempos do “Deus mercado” que domestica a esquerda e a direita ao oferecer migalhas para o povo, miçangas para os que se vendem e o “bem-bom” para eles. Muito significativo, por exemplo, foi a escolha de Carmen Calvo para ser a Primeira Vice-ministra e ao mesmo tempo, Ministra de Igualdade de Gênero, o que aliado ao fato de o gabinete ser majoritariamente feminino, eleva a Espanha ao patamar dos governos mais avançados da Comunidade Europeia. Muito importante também é que o processo catalão foi o tema principal da primeira reunião do Conselho de ministros, além do que sua primeira ação política foi convidar Quim Torra, presidente da Generalitat de Catalunha para iniciar um diálogo aberto, coisa que Mariano Rajoy se negava o tempo todo e, por fim, devolveu a autonomia financeira a Catalunha, que está sob intervenção desde outubro do ano passado. A última vez que esteve na Catalunha deu uma declaração interessante, disse ele, “a Catalunha é uma nação e a Espanha uma união de nações”.
Por tudo isso pode-se admitir que os analistas políticos espanhóis têm pouca razão quando alegam a queda para breve de Pedro Sánchez. O homem saiu quase do nada, resistiu a golpes e punhaladas pelas costas e hoje está sendo celebrado pela Europa como a única coisa nova no meio da ventania populista dos conservadores comunitários. A esquerda brasileira terá um aliado muito importante na Europa se souber carrear Pedro Sánchez para o processo de retorno à democracia. Ele tem muito apreço por Lula e se identifica com todos os avanços obtidos no Brasil nos últimos 15 anos de governos democráticos e populares. As reformas avançadas que fizemos em nosso país nesses últimos anos foram acompanhadas, de fora do Brasil, por pessoas consequentes como Sánchez.
Atitude desta natureza vai martelando a cabeça dos golpistas, da mídia, que querem ser europeus por pura vaidade e ficarão constrangidos se suas miseráveis estratégias subliminares e entreguistas começarem a ser desveladas, como o que ocorre com os avanços sociais obtidos, aos poucos, todos vão sendo detonados em prol de uma nova ordem perdulária e escravocrata que não admite que uma nova classe ascendente coma três vezes ao dia, ponha seus filhos na universidade e ande de avião. É preciso que se diga e se deixe bem claro para os europeus que o Brasil está voltando a construir novos edifícios com elevador segregado para empregados domésticos, que o grande programa de expansão das universidades públicas não somente foi paralisado, como também todas as instituições universitárias federais que vinham funcionando a tope estão sendo miseravelmente sucateadas com a tal PEC do teto, que a ciência e tecnologia ficaram em segundo plano e o que o plano de comprometer o petróleo do pré-sal com o futuro da educação dos brasileiros foi revertido e as reservas entregues as multinacionais. São essas lacunas que vão aparecendo e que devem ser preenchidas e ocupadas.
Não podemos ficar confiantes apenas numa eleição que não sabemos sequer se vai ser respeitada e se a ganharmos, precisamos de lastro internacional. O tempo urge, as oportunidades não podem ser desperdiçadas. É importante lembrar que o PSOE atuou muito fortemente nas eleições da Venezuela. Seu ex-presidente, José Luis Zapatero, foi uma espécie de embaixador para a realização das eleições livres e reconheceu o processo que elegeu Maduro. É claro que tal como na Venezuela, o Brasil, é um grande mercado para os interesses das empresas espanholas.
O importante será verificar nos próximos dias como a diplomacia espanhola, sob a influência de um profundo conhecedor no assunto se comportar. Seja para os problemas internos da Espanha, como a Catalunha, que mantém no exílio diversos dirigentes políticos, ameaçados que se voltarem, serão presos. Não difere muito do ocorre no Brasil, onde um grande líder admirado pelos socialistas está preso por um processo que carece de sustentação. Uma das provocações que os catalães costumam fazer aos brasileiros quando comparamos as duas situações políticas: Lula preso no Brasil e Carles Puigdemont, o ex-presidente da Catalunha, livre, é que, lamentam eles, infelizmente o Brasil não tem uma Alemanha por perto para refutar as tentativas de extradição que a justiça espanhola tenta emplacar ao ex-presidente que segue livre residindo na Alemanha.
Quem sabe Pedro Sánchez possa ser uma nova etapa para frear, pela via política, o justicialismo que tomou conta das instituições.