Investimento público e aposta no mercado interno contra a crise
Nem ampliação do crédito, nem isenções fiscais a grupos econômicos específicos. Muito menos o congelamento de gastos públicos. Não são essas as medidas que vão garantir a recuperação da economia brasileira e colocar o país de novo na rota do crescimento. É o que diz a economista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Laura Carvalho, que está lançando o livro Valsa Brasileira: do boom ao caos econômico (Ed. Todavia).
Publicado 11/06/2018 15:31
Na obra, ela investiga a agenda economia brasileira, desde o governo Lula até a atual crise econômica, marcada pela mais lenta recuperação de toda nossa história. Já caímos em buracos, maiores ou menores, mas nos recuperamos mais rapidamente. Agora, a saída, segundo ela, é apostar mais uma vez no mercado interno e num amplo programa de investimentos públicos em infraestrutura física e social.
Além de suprir "carências históricas" da sociedade em áreas como mobilidade urbana e saneamento, esse programa de investimentos teria a função de dar o "primeiro impulso" na recuperação do emprego e da renda, que contagiariam positivamente os demais setores da economia.
"O que dá esse primeiro impulso é a geração de emprego e renda, que por sua vez puxa o consumo das famílias, que puxa a venda das empresas, que leva ao investimento produtivo. Aí entra o crédito, que vai viabilizar que esses investimentos ocorram. O crédito não é o impulso inicial de saída de uma crise. A gente precisa, para isso, de investimento público", explica a economista.
Com uma "guerra tarifária" que se configura no horizonte internacional, a partir da elevação de tarifas para uma série de produtos importados – desde o aço até automóveis – pelo governo dos Estados Unidos, e com medidas do mesmo teor sendo adotadas pelos países afetados com a redução de exportação desses produtos como forma de retaliação, as estratégias para a retomada da economia brasileira devem ter como foco o mercado consumidor interno, defende Laura, já que o Brasil, mesmo apesar da crise, é a nona maior economia do mundo (chegou a ser a sexta, em 2011).
"O mundo está caminhando para outra direção. Nós temos um mercado interno muito grande que deve ser aproveitado. Um mercado com o tamanho do nosso deve ser o eixo e modelo de crescimento da nossa economia", diz Laura, que recusa ideias como desvalorização do câmbio ou redução ainda maior dos custos do trabalho, para que pudéssemos competir com a China ou outros grandes exportadores de manufaturados.
Os passos da dança
Segundo a professora da USP, a dança da nossa economia foi marcada por passos à frente, ao lado, e também para trás, por isso a valsa aparece como metáfora do livro. O passo à frente veio a partir de 2006, com o chamado Milagrinho, termo que Laura pega emprestado do economista ultraliberal Gustavo Franco.
Mais do que o chamado boom das commodities – elevação internacional dos preços de produtos primários –, Laura atribui os êxitos econômicos do fim do primeiro e todo o segundo governo Lula (2006-2010) ao aumento do investimento público direto, que colaborou para a aceleração dos investimentos totais, e às políticas sociais e de transferência de renda, que colaboraram para reduzir as desigualdades e dinamizaram o mercado consumidor interno.
O passo ao lado foi dado quando o governo Dilma opta por trocar os investimentos diretos por um programa de desonerações fiscais que foi dado primeiro à indústria e depois expandido para outros setores, que tinham o intuito de reduzir os custos de produção para que com essa diferença a indústria pudesse investir com vistas à competir internacionalmente.
Esse conjunto de medidas Laura vai chamar de "Agenda Fiesp", mas ela lembra que, num determinado momento, era apoiada inclusive por entidades sindicais, que apostavam na manutenção do crescimento do emprego, frente às ameaças da crise internacional que eclode em 2007. O que ocorreu, segundo ela, é que os empresários usaram as desonerações para engordarem suas taxas de lucro, e os investimentos prometidos não vieram. Esse foi o passo ao lado, segundo a economista.
Com a economia já em franca desaceleração, e Dilma em xeque desde o dia seguinte à vitória nas eleições de 2014, começava a ser ensaiado o passo atrás, primeiro com o ajuste fiscal do então ministro da Fazenda Joaquim Levy, e se agrava com o governo Temer, tendo a aprovação do congelamento dos gastos públicos o auge dessa agenda contracionista.
Laura diz, inclusive, que o próximo presidente, qualquer que seja o vencedor, não cumprirá a meta draconiana estabelecida pelo governo Temer para o orçamento do ano que vem, seja por convicções ideológicas, caso de Lula (PT), Manuela d'Ávila (PCdoB), Guilherme Boulos (Psol) e Ciro Gomes (PDT), que já se comprometeram com a revogação do teto, seja pelos demais, que segundo ela também não conseguirão sobreviver com contas tão reduzidas.