Movimento quer reforma tributária contra a desigualdade
O Brasil está na contramão do mundo no que diz respeito ao sistema tributário. Enquanto os demais países capitalistas privilegiam a cobrança de impostos diretos, sobre a renda e o patrimônio, por aqui pesam mais os indiretos, que incidem sobre o consumo. Tal arranjo prejudica os mais pobres, num país que já é vice-campeão mundial em desigualdade. Para mudar esta realidade, surgiu o movimento suprapartidário “Reforma Tributária Solidária: menos Desigualdade, mais Brasil”.
Publicado 08/06/2018 17:40
A ideia é estudar todos os impostos cobrados no país e propor uma alternativa ao modelo atual. Trata-se de uma iniciativa encabeçada pela Associação Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), cujos representantes estiveram na noite desta quinta (8), na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, para uma conversa com veículos da mídia alternativa.
Esta semana, o movimento lançou o livro A Reforma Tributária Necessária: Diagnóstico e Premissas, que pretende ampliar o debate sobre o assunto, em busca de soluções para a desigualdade. Um trabalho que começou em 2017 com a colaboração de mais de 40 especialistas.
O grupo tem procurado diálogo com os pré-candidatos à Presidência da República e pretende apresentar, em agosto, quando começa oficialmente a campanha eleitoral, um projeto que corrija as anomalias do sistema.
De acordo com Floriano de Sá Neto, presidente da Anfip, apesar de ser recorrente a reclamação de que a carga tributária brasileira é alta, isso não é verdade. Ela está abaixo da média dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O problema está no fato de que ela pesa mais sobre quem tem menos.
No Brasil, apenas 21% da receita de tributos vem da taxação sobre a renda. O percentual é muito inferior à média OCDE, que é de 34%. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de tributo equivale a 49% do total.
Por conta da baixa tributação sobre a renda dos mais ricos, o modelo termina por exigir mais impostos sobre mercadorias, que atingem da mesma maneira pobres e ricos e, portanto, proporcionalmente oneram mais as classes baixas. Hoje, metade da receita de tributos no país incide sobre o consumo. Na OCDE, esse percentual é de apenas 32% e, nos EUA, de 17%.
“Esse quadro tem uma série de implicações, não só éticas, mas inclusive de ordem econômica. Nosso modelo tributário dificulta uma coisa fundamental na economia, que é o consumo, porque você restringe o orçamento doméstico, retira capacidade das famílias de terem um pouquinho mais de renda. E ele pesa mais sobre quem ganha menos, sacrifica as baixas rendas”, disse Charles Alcântara, presidente da Fenafisco.
Injustiça escandalosa
Para piorar a situação, desde 1995, a partir de uma lei de Fernando Henrique Cardoso, a distribuição de lucros e dividendos está isenta do Imposto de Renda, o que significa que o topo da pirâmide social tem boa parte de seus rendimentos não tributados. Para Alcântara, trata-se de algo “escandaloso”.
De acordo com ele, no Brasil de hoje, alguém que recebe 240 salários mínimos por mês (algo em torno de R$200 mil), tem 70% de sua renda isenta do IR. “Esse grupo paga uma alíquota efetiva de IR (depois dos abatimentos e deduções) que não chega a 6%. Para quem ganha mais de 320 salários, esse a alíquota não chega a 2%. Já um brasileiro da classe média, que ganha 30 mil reais, paga uma alíquota efetiva entre 12 e 14%”, comparou.
Alcântara contabilizou que, se os 80 mil declarantes de imposto de renda que estão no topo da pirâmide, ganhando a partir de 160 salários mínimos por mês, fossem cobrados corretamente, o país teria pelo menos mais R$ 80 bilhões de Imposto de Renda. Essa parcela da população equivale a três milésimos dos brasileiros.
Financiar o Estado social
O dirigente da Fenafisco lembrou que, em 1988, a alíquota máxima de IR era de 45%. No mesmo ano, foi promulgada a Constituição Cidadã, que incorporou direitos e edificou a seguridade social. Mas, no ano seguinte, o IR, que deveria financiar esse Estado, foi golpeado, quando José Sarney, então presidente, baixou a alíquota máxima para 25%.
“E isso foi oscilando até chegar aos 27% de hoje. E hoje só há progressividade para quem ganha até 40 salários mínimos. Depois o imposto fica regressivo. E, pela Constituição, ele deveria ser universal, genérico e progressivo. O tributo tem que ser para o desenvolvimento, tem que financiar o Estado social”, disse.
Ele sublinhou ainda que a lei que extinguiu o IR sobre lucros e dividendos é a mesma que extinguiu o crime de sonegação, mediante pagamento do tributo. “Quem sonega no Brasil pode fazer isso à vontade e, se apanhado, basta pedir o parcelamento do pagamento e tem a penalidade suspensa. Se você rouba uma galinha e não consegue provar o estado de necessidade, não adianta você devolver a galinha, ou entregar outras duas galinhas ou uma galinha mais gorda. Vai para o xilindró. Se roubar milhões em sonegação, não é preso, basta entrar com pedido de parcelamento”, criticou.
Premissas
Na busca de sanar os principais problemas do modelo atual e de contribuir parta a redução das desigualdades do país, o movimento propõe que a Reforma Tributária seja pautada por algumas premissas fundamentais.
Para o grupo a reforma deve ser pensada na perspectiva do desenvolvimento; estar adequada ao propósito de fortalecer o Estado de Bem-estar Social; avançar no sentido de promover a progressividade pela ampliação da tributação direta e redução da tributação indireta; restabelecer as bases do equilíbrio federativo; deve considerar a tributação ambiental; aperfeiçoar a tributação sobre o comércio internacional; e fomentar ações que resultem no aumento das receitas, pela revisão das renúncias fiscais e combate à evasão fiscal.
Reconstruir a normalidade
“Não se trata de tributar mais quem já paga, que é classe trabalhadora, os pequenos empresários. É preciso corrigir algumas coisas que estão absolutamente desconformes no Brasil”, disse Floriano de Sá Neto.
Como exemplo, ele cita o fato de que, até pela isenção dos lucros e dividendos, existe “uma praga no país, chamada pejotização” . Segundo ele, não existe nenhum país no mundo que tenha a quantidade de Pessoas Jurídicas que o Brasil tem.
“Isso é um problema. A Previdência e os direitos sociais e trabalhistas sofrem com isso. Esse é um dos pontos que é necessário tratar. É preciso reconstruir a normalidade e nem vou falar da reforma trabalhista. O financiamento da folha de salários já demonstra claramente a queda da arrecadação sobre a folha de salários, fruto já da reforma trabalhista”, lamentou.
Sem privilégios
Outra distorção brasileira está na tributação sobre herança. Enquanto, nos Estados Unidos, o imposto é de 40%, no Brasil, varia a depender do município, mas a média é de 6%.
O presidente da Anfip também chamou a atenção para a necessidade de rever a política de renúncia fiscal. “Vimos a crise dos combustíveis. A maneira que o governo encaminhou para reduzir 0,46 centavos no valor do diesel foi concedendo R$ 10 milhões em subsídios. Nós estamos pagando a conta do diesel com menos saúde e educação. Os benefícios fiscais têm que acabar. É onde os amigos do rei conseguem vantagens”, afirmou.
Segundo ele, só em 2016, em plena crise fiscal, o Estado deixou de arrecadar 23% de sua arrecadação potencial assim. “Simplesmente abriu mão”, condenou.
O representante da Fenafisco adiantou que o projeto de Reforma Tributária Solidária pode propor ampliar a faixa de isentos do Imposto de Renda e criar novas faixas, que podem chegar a até 40% ou 45%, algo que está em linha com outros países capitalistas.
Envolver a sociedade
As entidades destacam que a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, sob a relatoria do deputado tucano Luiz Carlos Hauly, limita-se a propor uma simplificação do sistema e não soluciona as distorções da tributação no país.
Como parte de sua agenda, entre segunda e quarta-feira últimas, o movimento promoveu o Fórum Internacional Tributário, em São Paulo. Além de contar com especialistas no assunto de 11 países, o evento convidou todos os pré-candidatos à Presidência para debater, mas nem todos estiveram presentes.
Na conversa com a mídia alternativa nesta quinta, os dirigentes da entidade destacaram que, Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (Psol) abraçaram as opiniões do movimento. Eles ressaltaram, contudo, que também é preciso eleger parlamentares comprometidos com essa agenda e promover uma ampla mobilização popular, sem o que não será possível avançar numa reforma solidária.
Para saber mais sobre o assunto: http://reformatributariasolidaria.com.br/