O impacto das fake news e manipulação nas eleições do México

As eleições no México estão cada vez mais perto (faltam menos de dois meses) e um dos temas que tem gerado debate desde as eleições de 2012 é o uso constante de contas falsas nas redes sociais. A isso, se somam as denominadas fake news (notícias falsas) e a aprovação pelo Senado mexicano de uma reforma que poderia censurar o acesso a conteúdos na internet [1].

Por Aníbal García Fernández e Arantxa Tirado

Enrique Peña Nieto - Reuters

Desde 2012, se denuncia o uso das chamadas bots (contas falsas) e trolls (gente que usa as redes sociais para provocar ou desviar a atenção em um debate) a favor do então candidato presidencial do PRI e atual presidente, Enrique Peña Nieto [2]. Sua atividade estava focada em posicionar certas notícias ou mensagens favoráveis a Peña Nieto, ofuscando ou tirando dos meios digitais aqueles tópicos e notícias contra o candidato, ou expressões de descontento [3]. De imediato foi criada a alcunha “Peñabot” para designar o exército de internautas supostamente remunerados que trabalhavam nesta campanha nas redes.

Seis anos depois, o problema chega a um novo nível. A publicidade nos meios impressos, rádio e televisão é controlada a raiz das reformas eleitorais posteriores a 2012, mas agora a “guerra suja” desembocou nos meios digitais. Até agora, não há legislação sobre o uso dos meios digitais para as campanhas políticas, e sua importância será decisiva nestas eleições por um fator central: o voto jovem. São pouco mais de 25 milhões de jovens que elegerão o novo presidente nestas eleições, eles representam 30% do eleitorado [4]. Um dado fundamental é que este setor populacional tem uma tendência a se informar através de meios digitais e não por meios tradicionais como a televisão, o rádio ou a imprensa escrita.

Diante do uso da desinformação e da divulgação de notícias falsas, alguns meios e blogs alternativos propuseram, junto a outros meios digitais e associações, a criação de um portal na internet que se dedique a verificar a veracidade da informação relativa às eleições e aos candidatos. A proposta se materializou com o nome de “Verificado2018”[5] e, até esta data, tem sido uma forma de rastrear as notícias falsas – mas também de revisar as afirmações dos candidatos em torno de dados econômicos e políticos.

Ingerência russa nas eleições?

Em distintos meios mexicanos e internacionais veio à tona a notícia de uma possível ingerência russa nas eleições mexicanas. O então assessor de segurança nacional dos Estados Unidos, o general Hebert McMaster, expressou a possiblidade de ingerência russa sem informação consistente a respeito [6]. Em resposta ao expressado por McMaster, o governo mexicano declarou não ter provas de que os russos estivessem envolvidos nas eleições. O tema foi posto em debate na agenda, especialmente a partir da publicação em meios e blogs dos EUA, em outubro [7] e novembro de 2017 [8].

No começo de maio deste ano, um meio hegemônico estadunidense publicou uma notícia onde destaca a análise feita por um especialista em estratégia e inteligência política digital, que assegurou ter encontrado pistas da possível ingerência. A partir do uso da ferramenta digital NetBase, o analista encontrou em abril 4,8 milhões de acessos na internet relacionados ao candidato progressista Lopez Obrador, do partido Morena. Do total destes acessos, 63% coincidia com servidores da Rússia e 20% da Ucrânia. Com relação aos outros candidatos, foi descoberto que a maioria dos acessos vinham dos Estados Unidos e só 4% da Rússia [9]. Este tipo de matéria se reproduziu em outros meios nacionais e internacionais, e pouco se discutiu sobre os 96% restantes dos candidatos Ricardo Anaya e José Meade, cujos acessos chegavam, em grande medida, dos Estados Unidos. A mesma matéria afirma que indagou com outros consultores e que não puderam comprovar a existência de ingerência midiática russa nas eleições.

De fato, quem interviu de diversas formas nas eleições no México tem sido os meios hegemônicos estadunidenses, pois os principais golpes midiáticos nas eleições passadas se construíram naquele país, e esta eleição não parece ser a exceção. A instalação da provável “ingerência russa” no México é proveniente dos meios estadunidenses e, a partir daí, se montou a informação para replicá-la em meios mexicanos. Estas notícias tem sido emplacadas por agências de inteligência dos EUA não só para influenciar as eleições, mas também obedecem a uma série de “internas” das últimas eleições estadunidenses: recordemos que Donald Trump é acusado de ter se beneficiado da ingerência do Kremlin para chegar ao poder em 2016.

O mais surpreendente é que a empresa Cambridge Analytica, acusada nos EUA por ter manipulado dados em benefício de Donald Trump, através dos algoritmos do Facebook, chegou ao México através das mãos do chanceler mexicano Luis Videgaray, vinculado ao genro de Trump, Jared Kushner, para participar da campanha do PRI [11]. As investigações realizadas em torno do caso Cambridge Analytica no México vincularam a membros do PRI e do PAN sua suposta contratação [12].

Blindagem de instituições mexicanas

O Instituto Nacional Eleitoral (INE), firmou acordos com o Twitter e o Facebook para vigiar para que não sejam difundidas por estes meios notícias falsas [13]. A partir dos convênios do INE e a proposta de organizações civis e meios digitais, o Senado mexicano aprovou, sem discussão e em tempo recorde, uma reforma que poderia censurar a internet sob o argumento de defender os direitos do autor. Com 63 votos a favor, 11 contra e 23 abstenções o Senado avaliou a reforma ao artigo 215 da Lei Federal de Direitos do Autor.

Segundo a organização Rede de Defesa dos Direitos Digitais (R3D), a reforma é inconstitucional pois estabelece uma censura à internet e permite “desde tirar vídeos do ar até confiscar equipamentos”. Neste sentido, qualquer tribunal, seja federal ou estatal, teria a autoridade para ordenar a censura de conteúdos, ou confiscar servidores, roteadores e outros instrumentos usados para difundir conteúdo que tenha violado a lei de direitos do autor [14].

Apesar destas tentativas de blindagem, o problema de fundo continua, e tem a ver com a “guerra suja” que já se converteu em consubstancial às estratégias eleitorais da direita em suas tentativas para impedir que a esquerda mexicana chegue à presidência. Desde 1988, quando Carlos Salinas de Gortari – o candidato neoliberal do PRI – chegou à presidência depois da “queda do sistema” em meio à contágem que favorecia o candidato da esquerda, Cuauhtémoc Cárdenas, a maioria das eleições são vistas envolvidas em polêmicas acusasões de fraude [15].

O México é um país importante demais para os interesses geoeconômicos e geoestratégicos dos EUA, e há muita inquietude, tanto das classes dirigentes dos EUA, como das mexicanas, diante da possível chegada ao poder de um candidato que se vê a priori como pouco “controlável”. A ingerência cibernética, que não é exclusiva do caso mexicano [16], está focada em disputar o relato que se projeta nacional e internacionalmente sobre o que está acontecendo no México, assim como condicionar opiniões e vontades.

Tratar de vencer no mundo virtual o que não se pode vencer no mundo real, ou acusar as redes de condicionar o voto, começa a ser uma tendência extendida nas campanhas eleitorais de diversos países. Mas, talvez necessitemos de distância e tempo para analisar qual é o impacto real destas práticas no comportamento eleitoral dos cidadãos.

Notas

1https://www.eleconomista.com.mx/politica/Senado-mexicano-aprueba-reforma-que-atenta-contra-libertad-de-expresion-en-internet-20180426-0138.html

2https://aristeguinoticias.com/0905/lomasdestacado/ectivistas-confirman-acciones-de-los-pena-bots-en-twitter/

3 https://www.bloomberg.com/features/2016-como-manipular-una-eleccion/

4 https://www.celag.org/jovenes-y-elecciones-entre-el-desencanto-la-critica-y-la-movilizacion/

5 https://verificado.mx/

6 http://www.excelsior.com.mx/global/2018/02/07/1218722

7 http://www.elfinanciero.com.mx/opinion/raymundo-riva-palacio/2018-y-los-rusos

8 http://thehill.com/latino/328343-fears-grow-that-russia-could-meddle-in-mexican-election

9 https://www.nytimes.com/es/2018/05/01/elecciones-2018-mexico-bots/?smid=tw-espanol&smtyp=cur

10 https://www.cfr.org/backgrounder/russia-trump-and-2016-us-election

11 https://www.proceso.com.mx/526880/cambridge-analytica-la-manipulacion-en-facebook-que-llego-a-mexico

12https://www.huffingtonpost.com.mx/2018/03/20/cambridge-analytica-opero-en-mexico-para-manipular-redes-sociales-con-fines-politico-electorales-como-hizo-en-eu-con-trump_a_23390127/

13 http://hilodirecto.com.mx/tras-arreglo-con-facebook-ine-firma-convenio-con-twitter-viene-google/

14https://www.elmexicanodigital.com/el-mexicano-opina/senado-aprueba-reforma-a-ley-de-derecho-de-autor-con-censura-a-internet/

15 http://www.proceso.com.mx/352522/un-siglo-de-fraudes

16 http://www.celag.org/eeuu-ciberseguridad-y-control-total-en-la-disputa-geopolitica/