“Setor imobiliário não quer pobre morando no centro de São Paulo”
Para o advogado Benedito Roberto Barbosa, o Dito, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, a falta de cuidado do poder público com ocupações na região central da cidade reflete a vontade do mercado imobiliário.
Por Gabriel Valery
Publicado 04/05/2018 12:04
“Querem o pobre o mais longe possível, por isso os movimentos fazem as ocupações”, disse, argumentando que ninguém ocupa um prédio "por prazer". “Os movimentos de moradia não defendem a ocupação por si. Defendemos que os imóveis ociosos sejam transformados em moradia social”, continuou.
Dito participou na tarde desta quinta-feira (3) de uma audiência promovida pelo Ministério Público de São Paulo (MP), por meio do procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio. Para o advogado ativista, o diálogo é positivo e os movimentos de luta por moradia vão ajudar o poder público no que for possível para evitar tragédias, como a que aconteceu na terça-feira (1º), quando uma ocupação foi consumida por um incêndio no centro da cidade.
Dito explicou que essa articulação começou no dia 2, quando a prefeitura convocou uma reunião que designou uma força-tarefa para vistoriar as condições dos mais de 70 prédios ocupados em São Paulo. “Temos a proposta de dois grupos de trabalho. O primeiro vai definir critérios técnicos para as vistorias, onde teremos três representantes da sociedade civil, técnicos e um professor de engenharia. A partir disso, teremos a divisão em cinco grupos e em todos eles os movimentos de moradia vão participar, além de técnicos da prefeitura, da Defesa Civil, dos bombeiros, do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU).”
“O MP concordou em monitorar e acompanhar esse processo. Os movimentos vão orientar os moradores e as coordenações das ocupações para que autorizem as entradas sem tensão. A ideia é mitigar os riscos e evitar reintegrações de posse”, disse, quando questionado sobre qual seria a reação dos movimentos de moradia caso o poder público indique más condições e peça na Justiça a interdição de um imóvel. “Se o prédio não oferecer estrutura, vamos cobrar uma proposta habitacional. O que não vamos aceitar é remoção, reintegração de forma bruta.”
Direito x propriedade
Dito lembra que a situação da moradia em São Paulo é complexa e existe um déficit habitacional por questões econômicas. “A própria ONU diz que as pessoas não podem onerar mais de 20% das rendas familiares com aluguel. Aqui, muitas vezes, 80% da renda é destinada a tal finalidade e as famílias não têm alternativas a não ser as ocupações”, disse.
O presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo, Maurílio Chiaretti, concorda com o advogado e argumenta que o problema não é falta de espaço, e sim a má utilização e o abandono, muitas vezes em razão da especulação imobiliária. “Existem mais imóveis abandonados do que pessoas sem moradia. Temos que reverter a lógica de que o patrimônio seja tão caro que não permite o acesso das pessoas”, apontou.
“A garantia do uso do imóvel para moradia vem desde a Constituição Federal e foi revisada pelo Plano Diretor Estratégico (aprovado pelo ex-prefeito Fernando Haddad). São leis que definem a necessidade do cumprimento da função social. No entanto, vivemos em uma lógica em que a propriedade vale mais do que o direito. O direito à propriedade prevalece ao direito à moradia”, completou.
A ativista da Frente de Luta por Moradia (FLM) Jomarina Abreu Pires da Fonseca acrescentou que, após a tragédia com a ocupação, o poder público tenta se isentar de responsabilidades. “Tínhamos que ter uma prevenção. Aquele prédio tinha risco e agora fica o empurra empurra”, disse.
Jomarina conhecia a ocupação e contou à RBA o que via la dentro. “A FLM tem uma ocupação bem em frente. Eu conhecia a ocupação. O pessoal tinha uma situação complicada. Perguntam o porquê de as pessoas morarem lá. A realidade é que elas não tinham opção. As pessoas que estavam lá eram também pessoas que vieram do desmonte da Cracolândia, que pagavam sua contribuição, tinham termos de compromisso para ajuda de custo, que muitas vezes é cortada. São famílias que estavam sem alternativas, era a única solução diante da falta de políticas públicas.”