A “privataria” chegou aos parques públicos

Desde que, em 1995, o PSDB passou a governar o estado de São Paulo e a impor uma política neoliberal sobre o conjunto da gestão, poucos setores conseguiram permanecer imunes por tanto tempo à “privataria tucana”. Foi o caso dos parques estaduais, como o Alberto Löfgren (Horto Florestal), o Villa-Lobos, o da Água Branca e o da Juventude.

Por André Cintra*

Pq. Esportivo do Trabalhador/SP

Há 11 deles (sendo nove na capital) sob responsabilidade da Coordenadoria de Parques Urbanos (CPU), vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente. É um número relativamente modesto, se comparado, por exemplo, aos 110 parques a cargo da Prefeitura paulistana. Mas à falta de mais áreas verdes de domínio público, tão necessárias num estado com 45,3 milhões de habitantes, o governo paulista compensava no padrão de serviços e atrações.

Até poucos anos atrás, as unidades municipais variavam da excelência de um Ibirapuera ao abandono e à indigência da maioria dos parques lineares. Já os equipamentos sob gestão da CPU eram, por regra, não apenas populares – mas também reconhecidos pela oferta de programas gratuitos e de qualidade.

Mais do que espaços públicos por excelência – vivos, democráticos, diversificados –, os parques estaduais sobressaíam como referências na prestação de serviços ambientais, esportivos, culturais, de lazer e cidadania. Não bastasse a vocação de se contrapor ao avanço do cinza urbano, pareciam resistir, igualmente, à escalada privatista do PSDB.

Retrocessos

Em 2013, porém, o governo Geraldo Alckmin começou a virar o jogo. O marco foi o Projeto de Lei (PL) 249/2013, de iniciativa do Executivo, que previa a concessão de parques à iniciativa privada. O governo estadual abriria mão da exploração madeireira e de subprodutos florestais, bem como do ecoturismo. Itens como bilheteria, estacionamento, restaurante e trilhas passariam a mãos de empresas particulares.

Governo e Assembleia Legislativa relativizavam. Segundo eles, o projeto abrangia tão-somente três unidades de conservação ambiental, e a concessão se resumia ao direito de explorá-las comercialmente, sem prejuízo ao frequentador comum. Com os impactos das manifestações de junho de 2013 e da polarização eleitoral de 2014, outras prioridades dominaram a pauta, e o PL foi engavetado.

Mas, em 2016, a proposta voltou ao plenário em regime de urgência, sofreu retrocessos e foi aprovada. Virou a Lei 16.260/2016. Em vez de três áreas, a base de Alckmin liberou a concessão, por 30 anos, de nada menos que 25 parques – dos quais 18 têm populações tradicionais (caboclas, caiçaras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas).

Bens públicos de características distintas – inclusive territórios ocupados ou com restrições fundiárias – foram tratados sob a mesma lógica mercadológica. A medida incluiu tanto áreas de preservação permanente (como os parques Cantareira e Jaraguá) quanto áreas de manejo florestal (Estação Experimental de Itirapina e Floresta de Cajuru).

Reação

Não é estranhar que a manobra tenha sido votada às pressas, sem consulta à população ou mesmo ao Conselho Estadual do Meio Ambiente. As contrapartidas das concessionárias para a conservação das áreas não são detalhadas, e as empresas tampouco seriam alvo de regulação adequada. O prazo de 30 anos era um presentão para as madeireiras, mas ignorava os usuários e as populações locais.

Um simples ponto já sintetiza a inconstitucionalidade da lei: se a concessionária pode estipular o valor do ingresso ao parque a seu critério, como garantir que a população mais pobre tenha acesso a um equipamento de finalidade pública? Basta lembrar que o texto da medida não reconhece os poderes dos conselhos gestores, nem pressupõe o diálogo com as comunidades locais.

Por tudo isso, não faltaram reações a tamanho desmando do governo estadual. A Lei 16.260 é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal, além de representações no Ministério Público Federal e na Procuradoria Geral da República. Era inevitável que a nova legislação fosse o ponto de partida para uma política privatista ainda maior – de elitização crescente das áreas verdes públicas.

Negócios e mais negócios

Na mesma semana em que Alckmin sancionou a concessão das 25 áreas, a Secretaria do Meio Ambiente passou a cobrar taxas absurdas para a utilização de parques estaduais. Para liberar a montagem de uma peça que tinha fomento da Prefeitura de São Paulo e era encenada gratuitamente em equipamentos municipais, a pasta exigiu R$ 6 mil – o que, obviamente, inviabilizou a parceria.

Em 2017, sob o falso pretexto de “aumentar a segurança e melhorar o atendimento”, a Secretaria do Meio Ambiente autorizou a cobrança de estacionamento nos parques urbanos da capital. O serviço, claro, é agora gerido por empresas privadas, sem a mínima transparência. No mesmo ano, o trabalho ambulante no interior dos parques também se converteu em fonte de lucro, já que a Secretaria abriu licitação para “melhorar os serviços e a experiência de uso para os cidadãos”.

No Parque da Água Branca, pipoqueiros e outros comerciantes – alguns com mais de 40 anos no local – agora pagam R$ 1.951 por mês, cada um, para trabalhar. “Foram licitados 13 pontos de comércio ambulante no parque: dois para carrinho de pipoca, quatro para food trucks, três barracas de coco, dois espaços para venda de sorvetes, um para algodão doce e outro para doces em geral. No total, o pacote deve render R$ 31.962,48 por mês”, detalhou o "Portal UOL".

Para os frequentadores, a “modernização” dos parques estaduais não representou nada além de despesas e custos adicionais, somados ao esvaziamento geral da programação. Ardilosamente, Alckmin e o PSDB impuseram às áreas verdes um viés de negócios e mais negócios, lucro atrás de lucro. Demorou, mas a “privataria” engoliu um dos últimos setores virtuosos do governo paulista.