Pente-fino em programas sociais é estratégia para dificultar acesso
Nesta segunda-feira (16), o governo Michel Temer anunciou a intensificação do pente-fino nos benefícios sociais, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada). A ex-Secretária Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Ieda Maria Nobre Castro, avaliou que este pente-fino é, na realidade, “uma estratégia de seletividade que tira a direção universal [do programa] e cria elementos dificultadores de acesso”.
Por Verônica Lugarini
Publicado 18/04/2018 11:56
O Ministério do Planejamento informou no início desta semana que deverá fortalecer o cruzamento de informações dos brasileiros, que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada), para checar se eles estão dentro dos critérios exigidos.
Hoje, os beneficiários do BPC são pessoas com deficiência, além de idosos maiores de 65 anos que tenham renda familiar de até ¼ do salário mínimo (25%) e não tiveram trabalho formal e, portanto, não têm o direito à aposentadoria por meio da Previdência Social.
De acordo com Ieda Maria Nobre Castro, assistente social e ex-Secretária Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o que há, na realidade, é a intensificação de uma agenda política que caiba dentro da Emenda Constitucional que congela os gastos por 20 anos e uma tentativa do Estado de se ausentar desse suporte social.
“O pente-fino é uma forma perversa de fazer a contenção dos gastos sociais e uma estratégia de seletividade porque você tira a direção universal [do BPC] e cria elementos dificultadores de acesso”, explicou Ieda Castro em entrevista ao Portal Vermelho.
Ieda ainda disse que, por ser um benefício individual, ele poderá onerar a família que tem um membro idoso ou deficiente.
Isso acontece porque um dos pré-requisitos para a participação no BPC é que a renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ de salário mínimo vigente. Com um salário mínimo de R$ 954,00 (valor atual), em uma família com 4 pessoas, é necessário que a renda seja menor do que R$ 238,50. Ou seja, a renda per capita da casa já é pequena e se, ao fazer o pente-fino, revelar um valor maior do que esse ¼ do salário, haverá a retirada do direito, fazendo com que essa família passe a sustentar mais um membro que muitas vezes precisa de uma atenção maior e, consequentemente, de um gasto familiar maior.
“Ao fazer o cruzamento de base de dados, [o governo] consegue fazer um filtro e verificar que um idoso mora com um filho e que esse filho tenha uma renda maior e retire o benefício. Então você está jogando o peso da responsabilidade desse idoso para essa família que, supostamente, teria uma renda maior do que o estabelecido no critério. Há um conceito embutido de obrigar essa família a assumir o ônus de sustentar uma pessoa idosa ou com deficiência. Então, o governo está tentando forçar uma situação para que as pessoas fiquem fora dos critérios de elegibilidade para o benefício. Com isso, se aumenta a focalização e a seletividade”, esclareceu a especialista.
A ex-Secretária Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) ainda considera uma ação injusta do governo, pois o BPC é uma renda que substitui a renda de pessoas que trabalharam a vida inteira e não tiveram trabalho formal e, portanto, não tem acesso a Previdência Social. Ela disse que foi a partir disso que a Constituição Federal assegurou esse acesso a uma proteção social de um salário mínimo independente de contribuição. Para ela, o Ministério do Planejamento deixa de proteger uma pessoa que trabalhou a vida inteira, produziu riqueza para o país, mas como o trabalho não era formal, ele deixa de ser protegido pela Previdência Social.
No caso dos indivíduos com deficiência, as consequências negativas serão ainda mais fortes. O cruzamento da base de dados de informações obrigará as pessoas com deficiência a passarem por uma nova perícia médica.
“Atualmente, o perito tem uma remuneração por cada pessoa que sai do benefício, ou seja, a equipe de perícia médica do INSS é incentivada e remunerada por cada benefício ela deixa de conceder o benefício. Esse dispositivo é um dispositivo que faz com que o perito seja mais rigoroso na avaliação e desconsidere as condições sociais onde aquela pessoa com deficiência está inserida", falou a ex-secretária e continuou:
"Assim, o critério de renda passa a ser um critério de elegibilidade para o benefício, mesmo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência que considera outras necessidades dessa pessoa, como o lugar que ela mora, se a rede social dá suporte, qual a qualificação profissional, ou seja, não estamos falando sobre pessoas com o mesmo padrão de vida, estamos falando de diferentes deficiências que atingem diferentes segmentos da população. Sendo que esse custo é ainda maior para essa família do que qualquer outra pessoa que não tenha deficiência”.
Perspectiva
Nos últimos anos, houve o aumento do desemprego formal e crescimento de trabalhos informais. Segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal, a PNAD Contínua, do IBGE, em dezembro do ano passado a população ocupada era de 92,1 milhões de brasileiros e os trabalhadores informais (sem carteira ou por conta própria) eram 37,1% do total, ou 34,2 milhões, superando o contingente formal, que somava 33,3 milhões.
Segundo o IBGE, essa foi a primeira vez na história que o número de trabalhadores sem carteira assinada superou o conjunto de empregados formais. Há no Brasil, 13 milhões de brasileiros desempregados.
Diante deste cenário, Ieda Castro acredita a situação irá se agravar. Ao mesmo tempo que o governo irá restringir cada vez mais a liberação do benefício, em contrapartida, haverá uma maior demanda pelo BPC por conta da conjuntura nacional do mercado de trabalho.
“Estamos à beira de uma barbárie social, onde ainda não sabemos quais serão os desdobramentos disso, exceto o que já vivenciamos, que é o aumento da violência urbana e o aumento da pobreza”, finalizou Ieda.