Martonio Mont’Alverne: Lula e a Constituição que não há mais

“O que pode ser diferente é, por meio da resistência democrática, que nossa sociedade acorde da letargia em que se encontra e aceite que a defesa da democracia não tem preço. Vale a resistência que a mesma democracia jamais excluiu de suas constituições. Está aí para ser usada”.

Por Martonio Mont’Alverne*

Lula

O julgamento do STF que denegou o pedido de habeas corpus do ex-Presidente Lula comprovou o que já se dizia desde o golpe de 2016: não há mais Constituição. Resultante de uma esperteza da Presidente do STF e apoiada num voto contraditório da Ministra Rosa Weber, a decisão conseguiu o contrário do que se espera do Judiciário: desencadeou mais instabilidade relativamente ao tema da prisão após o julgamento de segunda instância e à moribunda democracia brasileira. O resultado não poderia deixar de fazer escola, a partir do exemplo que o STF ofereceu: o juiz Sérgio Moro, considerou embargos de “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico” e tratou ele mesmo de eliminá-los. Claro: se o STF não se curva à Constituição, porque deveria fazê-lo um juiz de piso?

O que resta a Lula e aos que ainda acreditam na democracia? O direito de resistência. Nada mais comum no constitucionalismo. Se na nossa Constituição o caput do art. 5º, seu inciso II – só se pode fazer ou deixar de fazer algo em virtude de lei – e seu §2º deixaram expressa a possibilidade de outros direitos que não os constantes do extenso rol do art. 5º, a Lei Fundamental alemã foi clara no art., 20, §4º: qualquer cidadão poderá resistir a atentados contra a ordem democrática constitucional. E o Tribunal Constitucional alemão reconheceu que o direito de resistência tanto pode ser exercido contra particulares como contra titulares do poder público.

Lula acreditou até aqui no Judiciário, mesmo com advertências de intelectuais, juristas experimentados e bigodeadores políticos que, rapidamente, compreenderam a parcialidade a que estava submetido o STF e o desrespeito ao Estado Democrático de Direito de um processo sem provas que o juiz de piso conduziu. O resultado não poderia ser outro. O que pode ser diferente é, por meio da resistência democrática, que nossa sociedade acorde da letargia em que se encontra e aceite que a defesa da democracia não tem preço. Vale a resistência que a mesma democracia jamais excluiu de suas constituições. Está aí para ser usada.

*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor da Unifor e procurador do Município de Fortaleza

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