Julgamento histórico: STF decide libertar milhares de mães presas
Por 4 votos a 1, os ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram conceder habeas corpus coletivo para converter a prisão preventiva de todas as mães de crianças até 12 anos e todas as grávidas em prisão domiciliar, em julgamento histórico, nesta terça-feira (20). A decisão deve tirar dos presídios milhares de mulheres que aguardam julgamento.
Por Maria Carolina Trevisan
Publicado 20/02/2018 19:52
“É um reconhecimento da situação grave do sistema prisional”, avalia a advogada criminal Debora Nachmanowicz de Lima, da comissão de “amigos da corte” do IBCcrim, que auxilia no julgamento. “Parece ser uma evolução positiva do STF”.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que da maneira como o Brasil vem lidando com o tema, está se transferindo a pena da mãe para as crianças. O ministro disse que elas não estarão “em liberdade”, mas, sim, sob a custódia do Estado, em prisão domiciliar.
É uma decisão importante para um sistema que está super lotado: existem 368.049 vagas nos presídios e cadeias brasileiros. Mas faltam 358.663 lugares para receber. Uma taxa de ocupação de 197,4%.
O Brasil é o quarto país do mundo que mais prende mulheres. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos (211.870), da China (107.131) e da Rússia (48.478). Entre 2000 e 2016, a população carcerária feminina cresceu quase 600%.
Atualmente, são 42.355 brasileiras presas. Dessas, 43% ainda não foram julgadas, são presas provisórias. Portanto, inocentes. Mas estão privadas de liberdade. A maioria é pobre, negra (68%) e tem baixa escolaridade – grupo populacional historicamente negligenciado pelo Estado brasileiro.
As mães do cárcere – grávidas, puérperas ou com filhos menores de 12 anos – estão submetidas a precariedade absoluta: o sistema prisional foi pensado para receber homens. Apenas 7% das unidades prisionais brasileiras são adaptadas às necessidades das mulheres. A maioria está reclusa em instalações mistas, que representam 17% do total, de acordo com o relatório sobre o sistema carcerário no Brasil, o Infopen.
São raras as unidades que têm creches, berçários, banheiros e quartos adaptados à condição de maternidade, amamentação ou gestação. Menos da metade das unidades consideradas “femininas” têm espaço reservado e próprio para acomodar gestantes e 48% não possuem berçário ou centro de referência.
“A determinação da prisão preventiva a estas mulheres, ou seja, a sua sujeição, antes de transitada em julgado uma condenação criminal, ao confinamento em estabelecimentos de privação de liberdade, por subtrair-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, a assistência regular ao parto e pós-parto, condições razoáveis de higiene e autocuidado e privar suas crianças de condições adequadas de desenvolvimento, constitui ato ilegal praticado de forma reiterada pelo Poder Judiciário brasileiro”, diz trecho do pedido de habeas corpus coletivo pedido pela Defensoria Pública da União, e que está sendo julgado nesta terça-feira (20) no Supremo Tribunal Federal (STF).
Manter essas mulheres presas antes do julgamento é como se o Estado estivesse punindo crianças e bebês. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que crianças e adolescentes são “prioridade absoluta”. Mas parece que a lei vale quando se refere a outras crianças.
Organizações da sociedade civil apresentaram um relatório aos ministros do Supremo para subsidiar o julgamento. O memorial, endereçado ao relator, ministro Ricardo Lewandowisk, foi preparado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania e pela Pastoral Carcerária Nacional.
“É dever do Estado – a ser realizado por seus magistrados, em todas as instâncias – salvar dos pusilânimes efeitos do cárcere os bebês e as crianças inocentes das acusações que se formulam contra suas mães e facilitar o acesso a cuidados obstetrícios, ao contrário do que acontece no atual cenário de banalização das medidas privativas de liberdade”, diz o relatório.
E alerta: “o Brasil hoje mantém mais de 4.500 mulheres presas de maneira ilegal, considerando que a Constituição da República, o Código de Processo Penal e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados à ordem jurídica nacional não permitem que gestantes, parturientes e mães responsáveis pelo subsídio de filhos menores sejam atingidas pela excepcional prisão processual.”
O sistema prisional não se importa com as mães no cárcere. Prova disso é que o principal levantamento sobre os presídios brasileiros, o Infopen, conseguiu coletar informações de apenas 9% dos estabelecimentos prisionais no que diz respeito à maternidade. É uma evidente negligência com os direitos das crianças. Reforça a impressão “de que o Estado brasileiro sequer considera essas pessoas dignas de registro”, reforça o memorial.
O artigo 5º da Constituição Federal determina que a população carcerária feminina possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. A Lei de Execução Penal (LEP) prevê a obrigatoriedade de berçário nos estabelecimentos penais destinados a mulheres.
O caso Adriana Ancelmo
Foi necessário que uma mulher branca e de classe social alta como Adriana Ancelmo tivesse acesso ao direito de cuidar dos filhos em prisão domiciliar até seu julgamento para que a sociedade brasileira olhasse para essa situação.
Presa na Operação Calicute, a esposa de Sergio Cabral obteve o direito a prisão domiciliar em dezembro, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF. Ele afirmou que o encarceramento de mães e grávidas é “absolutamente preocupante” e defendeu alternativas à prisão, alertando para a “punição excessiva” à mulher e a seus filhos.
Em um país democrático, o que vale para Adriana deve valer para outras mulheres em igual situação. Foi uma decisão histórica, que poderá devolver um pouco de dignidade às mães – e as crianças.