Tuiuti, blocos de rua e um Carnaval que fica para a história

O Carnaval nasceu da popularização do samba urbano no Rio de Janeiro, no início do século 20. O estilo musical surgiu da combinação das batidas dos cultos afro-brasileiros e foi criado pela população negra, principalmente baiana, saída há pouco da escravidão e que tomou como destino a então capital do país.

Por Wadson Ribeiro*

Tuiuti

Sua composição é uma mistura de festa e agonia, que se digladiam de forma poética, como cantou a mineira Clara Nunes, “negro entoou, um canto de revolta pelos ares”. As letras, os cantos e as danças traduziam a dor e a revolta daqueles que queriam ter os seus direitos básicos garantidos e que eram negados pela elite branca.

O Carnaval de 2018 apresentou uma forte marca de politização, como há anos não se via. Dos desfiles na Marquês de Sapucaí aos milhares de blocos pelos quatro cantos do Brasil, foi comum os foliões entoarem palavras de ordem contra o presidente Temer e suas reformas regressivas, como a do trabalho e da Previdência. Foi também o carnaval que deu relevo a temas que tentam construir um país mais tolerante e garantidor dos direitos e das liberdades individuais.

No Rio de Janeiro, chamou a abordagem política que muitas escolas de samba fizeram. A Paraíso do Tuiuti e a Beija-Flor talvez tenham sido as que de forma mais clara expressaram suas visões sobre o momento atual do Brasil. Como alguém que admira as escolas de samba, confesso que quando vi a Tuiuti, uma escola pequena, entrar na avenida e desnudar a farsa do impeachment, suas manipulações, os “manifantoches” e nos mostrar pelas telas da Rede Globo como um país inteiro pode ser ludibriado pelos interesses de grandes grupos políticos e econômicos, fiquei emocionado.

Já a Beija-Flor depositou na conta da corrupção todas as mazelas do Brasil atual. Achei a abordagem da Tuiuti mais fidedigna, mas o que importa é que o tom da conscientização política se fez mais presente em todas as escolas. Felizmente, justiça foi feita, e as duas sagraram-se campeãs do Carnaval de 2018, ficando a Tuiuti em segundo lugar por apenas um décimo na pontuação. Se não levou o título no Rio, ganhou os corações e mentes do Brasil inteiro.

Em Belo Horizonte, a situação não foi diferente. Nos blocos que participei e nos outros que acompanhei pela imprensa, os famosos gritos de “Fora Temer” eram repetidamente ouvidos. Além de forte conotação política, o Carnaval da capital mineira vai se tornando um dos mais importantes do país. De acordo com pesquisas realizadas pelo Google, a cidade de Belo Horizonte já desponta como o segundo melhor Carnaval de rua do Brasil. Esse movimento crescente da folia nos últimos anos tem a ver com a necessidade das pessoas em ocupar todos os espaços públicos da cidade, do centro mais antigo e degradado aos pontos mais distantes. Este fenômeno exige que os governos estejam à altura da grandiosidade da festa. Aproveitar as possibilidades e cumprir com suas responsabilidades. Ainda é precário o sistema de transporte, como o metrô e os ônibus. O trajeto de alguns blocos não foram respeitados pelos órgãos públicos, o que não garante a segurança aos foliões.

Campanhas, como “Não é não”, chamaram a atenção para a necessidade de se combater o assédio contra mulheres. Mesmo que ainda exista, uma prática que era corriqueira em outros carnavais, como mulheres sendo literalmente laçadas e violentadas de todas as maneiras, foi mais combatida e vigiada. Os ataques homofóbicos também foram duramente combatidos por campanhas publicitárias e pelos blocos em geral.

Enfim, o ambiente político conturbado que o Brasil vive fez com que esse Carnaval fosse marcado por um viés político digno dos grandes momentos de nossa história. As ruas dos blocos são as mesmas ruas do Brasil real, que hoje não garante segurança para as pessoas, que abriga 13 milhões de desempregados, que sofre com a corrupção, que pena com o fim das políticas sociais, que entrega nossa soberania, que retira direitos conquistados, que tenta roubar nossos sonhos. O Carnaval é a prova de que o nosso povo existe, é gigante e que pode despertar. Como diria um outro mineiro, Milton Nascimento, “tenha fé no nosso povo que ele insiste”.