“Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país”, diz Lula
Às vésperas do julgamento do TRF-4, o ex-presidente Lula recebeu o jornal argentino Página/12 para uma conversa. Durante a longa entrevista, ele falou sobre os impactos do golpe contra Dilma Rousseff no Brasil e na América Latina, os desafios e as perspectivas para 2018.
Por Pablo Gentili*
Publicado 29/01/2018 17:28
Leia a entrevista na íntegra:
Página/12: Quais desafios o PT e as forças progressistas brasileiras deverão enfrentar a partir de agora?
Lula: O desafio de evitar os retrocessos que estão ocorrendo na democracia e nos direitos dos trabalhadores. Especialmente, agora, com a proposta de reforma da Previdência impulsionada pelo governo golpista de Michel Temer. Também de garantir eleições realmente livres e democráticas em outubro deste ano. Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país.
Afirmavam que o problema do Brasil era o PT e o governo da Dilma. Foi assim que eles destituíram uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, prometendo que tudo iria melhorar. Depois, disseram que o problema eram os direitos trabalhistas. E acabaram com esses direitos. Agora dizem que o problema são os aposentados e eu. Mas o povo brasileiro está despertando e descobrindo que, em vez de curar da doença como prometeram, estão roubando todos os órgãos vitais do país: nossos recursos naturais, os direitos do povo, o patrimônio público. Tudo o que temos construído com o sacrifício e o trabalho de várias gerações, eles estão vendendo a preço de banana.
A direita fez o golpe, mas passou mais de um ano e não consegue ter outro candidato além de um neofascista, defensor da ditadura militar, sexista e violento, como Jair Bolsonaro. Um deputado que na sessão de destituição de Dilma Rousseff dedicou seu voto ao general que a havia torturado quando ela tinha 19 anos. Por outro lado, a candidatura de Lula cresce visivelmente, e lidera todas as pesquisas eleitorais. Apesar de todos os ataques, o PT continua sendo o partido com o maior número de militantes e maior apoio popular na sociedade brasileira.
Por que está ocorrendo isso?
Porque o povo está percebendo que o golpe não foi contra a Dilma, contra Lula ou contra o PT. O golpe foi contra os trabalhadores, contra a classe média, contra os que fazem um enorme esforço por sobreviver com dignidade. O golpe foi contra as conquistas democráticas que levaram o Brasil a reduzir significativamente a pobreza, a injustiça social, a fome. Inclusive, um amplo setor da classe média que apoiou o golpe está sofrendo as suas consequências. Se não reagirmos a tempo, o Brasil voltará a ser um país onde um terço da população tem direitos enquanto milhares de crianças passam fome nas ruas, como já está ocorrendo. Os índices sociais do país pioraram de forma assombrosa. O Brasil só pode ser um país grande, importante e soberano se a economia cresce de verdade.
O que seria crescer de verdade?
Crescer incluindo os pobres. Quando os pobres podem comprar, quando podem consumir, o comércio vende mais, a indústria produz mais. Brasil crescia e incluía milhões de pessoas no orçamento público que antes não tinham direitos nem as oportunidades mais básicas. Eles estão destruindo tudo isso. O Brasil era um país com futuro. Um país de todos, não de alguns poucos. Estávamos deixando de ser o império do privilégio. Um país não pode ser um mero exportador de commodities, porque elas empregam pouco e fazem com que a economia tenha que conviver com multidões de desempregados, pobres e excluídos.
O manifesto “Eleição sem Lula é fraude” reuniu, em poucos dias, mais de 215 mil assinaturas. Destacados intelectuais, políticos, artistas, juristas e dirigentes sociais progressistas de todo o mundo aderiram à declaração que já circula em 10 idiomas. Cristina Kirchner, José Pepe Mujica, José Luís Rodríguez Zapatero, Rafael Correa, Massimo D’Alema e Ernesto Samper são alguns dos ex-mandatários que o apoiam.
Estou imensamente agradecido pelo respaldo e pela solidariedade internacional, especialmente de países como Argentina, México, Uruguai, Equador, Itália, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela.
O que muda no processo de integração regional após o golpe no Brasil?
Lula: Infelizmente, o Brasil voltou a dar as coisas aos seus vizinhos, a disputar com eles quem atrai melhor a atenção dos Estados Unidos. Querem saber quem ganha o privilégio de jantar com o Donald Trump, como se a solução dos nossos problemas dependesse disso, e não de uma política internacional própria. Respeitando o mundo, mas sem manter essa vergonhosa submissão. O governo de Michel Temer não tem legitimidade, e tampouco uma política exterior.
Está dedicado a vender os ativos e o patrimônio do nosso país. Cada nação tem a sua história, seus governos, sua cultura. Em matéria internacional, é fundamental que exista diálogo e respeito mútuo. Tenho muito orgulho do período em que fui presidente do Brasil e pude conviver com presidentes como Néstor e Cristina Kirchner, com Pepe Mujica, Chávez, Bachelet, Evo, todos eles.
O que tinham em comum?
Lula: Entendíamos a importância de uma região sem conflitos. Entendíamos que éramos mais fortes juntos, resolvendo os problemas entre nós, sem a interferência externa, nossas diferenças. Evitávamos crises e promovíamos a cooperação comercial, educativa e social entre os nossos países. Sempre tive a convicção de que o Brasil só poderia se desenvolver de forma soberana se nossos próprios vizinhos se desenvolviam também de forma soberana. Hoje, essas ideias essa energia integradora e solidária, foi congelada ou está em retrocesso. Entretanto, a integração entre os nossos povos é uma vocação inexorável e voltará a avançar.
Durante muito tempo, a consigna do PT foi “a esperança vence o medo”. Hoje, muitos jovens se aproximam da política porque creem na vigência daquele lema.
Lula: Sempre digo uma coisa: abandonar, nunca, perder a esperança, jamais. O neoliberalismo, muitas vezes sustentado pelos monopólios midiáticos, promete um futuro melhor para todos mas concentra a riqueza e restringe as oportunidades em alguns poucos, os de sempre. No Brasil, nós provamos que podíamos governar fazendo exatamente o contrário: que era possível incluir os pobres no orçamento público, que podíamos investir mais em educação, mais em saúde e em moradia, acabar com a fome, construir dignidade, ampliar direitos. Eles querem apagar da memória do povo esse período de conquistas democráticas. Hoje eles me condenam, mas querem condenar também esse projeto de nosso futuro como nação livre, soberana e justa. Querem fazê-lo, mas não conseguirão.
Há uma mensagem especial para os jovens?
Lula: Milhões de jovens chegaram pela primeira vez à universidade no Brasil. Nós fomos o último país das Américas que criou uma instituição universitária. Quando a Argentina já estava fazendo a reforma universitária nós nem tínhamos uma. Fomos os últimos em abolir a escravidão. Éramos a vanguarda do atraso. Em 12 anos de governos nossos, conseguimos ter a primeira geração de brasileiros e brasileiras que não tinham crianças passando fome. Tiramos mais de 40 milhões da pobreza sem prejudicar nenhum setor social, sem perseguir ninguém. Isso nunca havia ocorrido na história do nosso país. Foi possível utilizar a política em benefício das maiorias e através do Estado, fazer políticas públicas de inclusão e promover a justiça social. Nós mostramos que o povo sabe governar melhor que as elites. Por isso eles nos odeiam. Mas te digo uma coisa: essa reação retrógrada não vai prosperar. Nós vamos vencer.