Itália: Renzi cria nova divisão dentro do PD e M5S perde seu fundador
O ex-primeiro-ministro italiano Matteo Renzi abriu uma polêmica dentro de seu Partido Democrático (PD, centro-esquerda) no último fim de semana, ao colocar nas listas eleitorais os seus aliados e fechando a porta aos dissidentes. Enquanto isso, o fundador do populista e possível favorito Movimento Cinco Estrelas (M5S), Beppe Grillo, pediu demissão
Publicado 29/01/2018 15:25
O PD, que está no governo, deverá sair do poder após as eleições de 4 de março desse ano, uma vez que o bloco de centro-direita impulsionado por Silvio Berlusconi deverá conseguir eleger a maior parte dos deputados, ainda que as sondagens digam que não conseguirá uma maioria absoluta.
Os partidos têm até essa segunda-feira (29) para apresentar as listas de candidatos; em todas as formações há desentendimentos devido aos escolhidos e excluídos. Contudo, no PD a crise é maior, com Renzi sendo acusado de aproveitar as legislativas para neutralizar os críticos existentes dentro de seu partido.
O apoio ao PD decaiu nos últimos dois anos devido ao orçamento de austeridade da terceira economia da zona euro e ao estilo abrasivo da liderança de Renzi, além da adoção, durante seu governo, de iniciativas e projetos neoliberais por parte do PD, de centro-esquerda.
Matteo Renzi demitiu-se do cargo de primeiro-ministro em 2016, depois de ter perdido o referendo sobre a reforma constitucional; sobreviveu depois a uma guerra interna pela liderança. Muitos dos seus opositores descobriram no domingo (28) que tinham sido excluídos das listas de candidados ao Parlamento.
"Isto é um golpe de morte para os valores do partido", disse Beppe Lumia, um dos excluidos.
Renzi enfrentava uma tarefa difícil. O PD tem hoje 300 lugares no parlamento, mas as sondagens indicam que depois do 4 de março terá entre 130 e 170. O que significa que os atuais deputados estavam em uma luta para assegurar um lugar nas listas, o que garantiria a manutenção de seu posto.
"Tem sido uma das experiências mais devastadoras da minha vida", disse Renzi depois de passar horas em frente de uma folha de excel escolhendo quem retirar das listas.
O ministro da Indústria, Carlo Calenda, que não é membro do partido mas é próximo de Renzi, questionou a seleção através do Twitter: "Qual é o objetivo de não escolher gente séria e bem preparada para lutar nas batalhas importantes que se seguem?".
O PD sofreu uma divisão interna em 2016, com um grupo de notáveis da ala esquerda do partido saindo, incluindo o antigo primeiro-ministro Massimo D'Alema, e acusando Renzi de arrastar o partido para a direita do campo político.
Com um número considerável de veteranos da ala direita nas listas, as acusações voltaram. Alguns críticos acusaram Renzi de estar preparando o partido para um acordo com Berlusconi caso não haja uma maioria no parlamento.
Renzi já excluiu essa possibilidade e pediu calma. Disse que o PD ainda pode arrancar uma vitória nas eleições, apesar do desgaste do apoio dos eleitores e da opinião pública.
"Não subestimem o PD. Estamos convencidos de que temos a melhor lista para conseguir uma vitória", disse.
Grillo abandona o Movimento 5 Estrelas
Quase dez anos depois de criar o Movimento 5 Estrelas, a formação anti-partidos e anti-sistema que hoje governa cidades como Turim e Roma e tem hipóteses reais de chegar ao poder, o humorista Beppe Grillo deixa a liderança.
A separação, diz o candidato do M5S às legislativas, Luigi Di Maio, não significa que a formação pretende “renegar o passado”. Quando Di Maio foi escolhido, em setembro de 2017, e passou a ser apresentado como líder político do movimento, a questão do papel futuro de Grillo colocou-se de forma mais imediata. “Não deixarei de existir, sou o pai e o fundador”, comentou ele próprio na época.
O anúncio não aconteceu por declaração, mas pela mudança de um site. Uma página que antes era uma plataforma destinada ao M5S reaparece agora somente como uma página de Grillo.
A defesa da democracia direta e a crítica a mídia tradicional fez com que a internet se tornasse uma ferramenta essencial para o nascimento e a expansão do M5S, que começou com chats que colocavam em debate habitantes dos mesmos bairros e cidades e acabou escolhendo candidatos em votações online, além de ter a sua própria televisão online.
A eleição de Di Maio, uma espécie de anti-Grillo com 31 anos, gravata e estilo clássico, já marcara a separação. O que não quer dizer que Grillo, de 69 anos, não tenha futuros planos, ele que sempre gostou de provocar e surpreender.
“O partido agora está avançando com os seus próprios pés e a se tornando mais forte”, disse também Di Maio, citado na imprensa italiana a propósito do novo site de Grillo.
Até aqui, o M5S se recusava a negociar alianças com outros partidos, por se dizer um "não partido" e contra o sistema. Agora, o "movimento" da sinais de estar aberto para diálogos e negociações; sondagens apontam que apesar do partido populista aparecer como mais votado, não terá como se sustentar. Por hora, antecipa-se mais facilmente uma frente de direita, que junte o partido de Silvio Berlusconi (Forza Italia) aos nacionalistas da Liga Norte (extrema-direita), mas essa formação xenófoba e anti-imigrantes não nega uma aproximação ao M5E.
Outra grande mudança na linha de ação do M5S é com relação ao referendo sobre a saída do euro (o movimento sempre foi anti-união européia e eurocético), que Di Maio deixou de considerar oportuno. A imprensa italiana, que nunca gostou de Grillo, despede-se dele com tranquilidade. O diário Il Giornale escreve que Grillo parte porque “o feiticeiro se assustou com o monstro que criou”. Já o La Repubblica nota que, ao ver o seu movimento caminhar no sentido da “normalização”, o “patriarca escolhe voltar à utopia”.