Publicado 19/01/2018 14:55
Quando queríamos superar rapidamente os estragos à democracia em 2016, o ano de 2017 enviesou-se de forma contundente. O ano da ruptura democrática deu lugar aos 365 dias de intensa disputa e imensos retrocessos.
Este ano que se encerra pode ser entendido como a consolidação do golpe parlamentar, midiático e empresarial contra a presidenta Dilma Rousseff. Ele foi planejado e executado para garantir ao capital financeiro e ao grande mercado transnacional o acesso e comando sobre áreas e instrumentos estratégicos do Estado brasileiro, além da obtenção de volumes bilionários de fundos públicos para bancos privados.
Os cérebros que conspiraram contra a democracia não o fizeram simplesmente a partir das eleições de 2014. Estes atuaram e atuam em outros países do nosso continente em busca do domínio geopolítico da região e suas riquezas, por meio de governos covardes e grandes corporações. Os Estados Unidos, obviamente, são um importante polo nessa articulação.
No caso do Brasil, enganaram-se aqueles que achavam que viriam apenas marolas de um governo corrupto, desqualificado e sem voto popular. A questão nunca foi a inteligência dessas marionetes, e sim de quem “manipula os barbantes”.
A quebra de paradigmas do Estado Democrático de Direito gerou ambiente profundamente preocupante e perigoso. Condenações sem provas, conduções coercitivas ilegais, desrespeito e atentado à autonomia universitária. Onde está a presunção da inocência? Ódio, crescimento de correntes fascistas, censura, violência, preconceito, militares rompendo hierarquia e falando de intervenção. Inimaginável.
O despudor e a velocidade das mudanças na Constituição e nas leis são algo incomum e só possível num governo desse tipo. Com 23 anos de Parlamento e forte vínculo com os movimentos populares, jamais presenciei um Congresso tão retrógrado e distanciado da sociedade e de seus interesses.
Contra o governo FHC, pude ver e resistir a grandes violações ao Estado na década de 1990, com as quebras de monopólio, privatizações (até hoje sub judice), CPIs engavetadas, apesar das graves denúncias, o alto desemprego e o interminável desmonte do Estado. Hoje acontece tudo novamente, só que de uma maneira pior e com um grau de perversidade e exclusão impressionantes.
É o caso da Emenda Constitucional 95, que proíbe investimentos em duas décadas, paralisando as funções públicas do país. Como também a reforma trabalhista, que rasgou 117 artigos da CLT e a enganosa proposta de reforma da Previdência.
A maioria desses desatinos, vale lembrar, foi aprovada pelo atual Congresso ou está próxima disso. Este mesmo Parlamento que em parte se deixa comprar e não autoriza sequer investigar um presidente acusado de corrupção, este sim, com provas robustas e de conhecimento de todos.
Na esteira de agressões também há a usurpação de direitos históricos da população, a venda do país, o perdão de dívidas dos grandes empresários e devedores da Previdência, as isenções bilionárias para as petroleiras estrangeiras, a desregulação do mundo do trabalho, a exclusão de milhões de trabalhadores e trabalhadoras urbanos e rurais do sistema previdenciário, o enorme achatamento do valor dos benefícios, a privatização da Previdência pública e o deslocamento de volumosos recursos para a seguridade privada, assim como o aumento de produtos da cesta básica e um desastroso retorno ao mapa da fome.
Acrescente o fechamento de universidades e uma profunda crise na saúde pública, a mudança na política de financiamento do BNDES e a previsão de maior privatização na área do pré-sal, do setor elétrico e demais empresas públicas. Eis um panorama do que se apresenta para o Brasil no curto espaço de tempo.
É fato que o capitalismo contemporâneo não respeita fronteiras nem reconhece a palavra soberania. Impulsiona uma nova regulação do trabalho e pressiona pela redução do Estado, mas sempre articulado com os interesses do grande capital rentista. Sistema de proteção social? Anacrônico.
Os que não servem para acumulação são desprezados. Assim são compreendidos os pobres sem qualificação para o trabalho, os deficientes, os idosos e os doentes. O que resta é exclusão e aumento da desigualdade social no seio da sociedade.
A mesma fórmula se vê no mundo: a concentração e centralização do capital e da renda, além do aumento do grau de exploração da força de trabalho. Segundo estudo do Credit Suisse, estima-se que 1% da população no topo da pirâmide social mundial se aproprie de 50% da riqueza produzida, enquanto 75% de pobres dividem, entre si, míseros 3% do valor da produção. Esse receituário mundial do neoliberalismo jamais nos livrará da crise.
O povo brasileiro lutou nesses dois anos, resistiu, foi às ruas, constituiu frentes unitárias e construiu perspectivas. Mas, acima de tudo, pensou em algum momento uma agenda para o país. Um projeto de nação, que articula partidos, movimentos e lideranças políticas. Uma força que dialogue, construa e lute.
Ao pensar nesse acúmulo programático, a Frente Brasil Popular registrou em sua 2ª Conferência Nacional a urgência de um maior enraizamento social: “(…) Por isso faremos um grande mutirão de trabalho de base utilizando uma metodologia de educação popular em todo o território nacional que culminará no Congresso do Povo.
Politizar o processo eleitoral em torno da necessidade de um projeto de nação e avançar no enraizamento da Frente Brasil Popular constituem as metas-síntese do Congresso do Povo. Certamente, será um rico processo de participação popular que envolverá partidos, movimentos populares, intelectuais e artistas, dentre outros. (…) Apesar da gravidade da crise, temos a certeza de que o Brasil pode reencontrar seu rumo. Nosso povo tem capacidade de luta e merece viver em um país digno, soberano e democrático”.
É nessa toada que tecemos caminhos e miramos 2018. Sob o manto democrático, nacional e popular, buscando garantir as eleições, evitando novos golpes e unificando um campo político, onde diversas alternativas estão legitimadas.
Três pré-candidaturas estão colocadas: a do PCdoB, com Manuela D’Ávila, a do PDT, com Ciro Gomes, e a do PT, liderada pelo ex-presidente Lula. A perseguição contra esse último é inaceitável e fazemos questão de defender o direito de Luiz Inácio ser candidato.
Sem dúvida nenhuma, virá das urnas a alavanca principal para o Brasil ressurgir da crise, gerando empregos decentes e tecendo uma base de sustentação deste novo período político. É preciso um projeto legítimo que se volte para a inovação científica e o avanço tecnológico, de superação das desigualdades e apontando para o desenvolvimento de nosso parque industrial.
Também é fundamental respeitar o pacto universalista de 1988 em atender todos os cidadãos e cidadãs, com amplos direitos e oportunidades, reafirmando a necessidade de garantir uma seguridade social pública, o direito à terra (reforma agrária) e ao teto, com políticas que visem combater o deficit habitacional. Temos de ser resistência viva para pensar e agir na busca de um novo patamar civilizacional, com grande prioridade na educação e cultura. Um organismo plural de energia e ação.
É nosso dever ainda apontar para um Brasil com igualdade de gênero, vencendo os preconceitos ainda enraizados e sem interferência do conservadorismo moral ou do fundamentalismo. O inaceitável racismo deve ser foco de intenso combate daqueles que almejam uma sociedade de paz. Lutar diariamente para romper esses grilhões é fundamental para o desenvolvimento da nação.
Um dos caminhos estratégicos na busca por esse avanço é a democratização da mídia e o fortalecimento dos veículos de informação independentes. Em que o financiamento público não seja um motor do mercado e dos históricos oligopólios que comandam a narrativa do Brasil, das diversas vozes que se levantam para garantir a liberdade de imprensa com liberdade crítica e diversidade de opinião.
Além disso, não podemos deixar de olhar para países irmãos das Américas do Sul e Central, além da África e Ásia, sempre respeitando a autodeterminação de seus povos. Fortalecer tratados que garantem a inserção do Brasil no mundo, como no caso da Unasul, Celac, Brics e Mercosul, é estratégico. Juntos podemos nos erguer contra a tentativa de supremacia estadunidense sempre presente.
Julgo ser essa a rota para elevar o Brasil a um novo ciclo, afirmar a nação e o papel autônomo do país no contexto internacional, elevar o bem-estar material e espiritual do povo brasileiro. A saída da crise brasileira passa pela retomada de amplo consenso em torno da centralidade do desenvolvimento nacional soberano, como missão para realizar as amplas potencialidades do nosso país.
É esse bloco político vigorado que necessitamos para criar uma nova maioria com garantia de vencer nas urnas, na mobilização popular e na luta de ideias, em prol dos interesses do Brasil, do povo e da democracia.
Idealizar esse processo é apontar o fim das reformas criminosas de Michel Temer, mas é também apontar para a superação dos excessos cometidos pelo desequilíbrio dos poderes da República. Restabelecer a ordem democrática é um tema caro a todos nós que defendemos a liberdade com vigor.
O próprio PCdoB teve milhares de militantes mortos e torturados na esteira de repressão e fim de direitos civis patrocinados pelo regime militar nas décadas de 1960 e 1970. Por isso essa luta faz parte de nossa essência.
Ainda que vivamos um período de aparente democracia, 2017 revela os fantasmas da opressão com rostos e práticas diferentes. Estará em 2018, acredito, o sepultamento desses abusos e perseguições. Assim como a revogação das reformas que massacram os trabalhadores e a cartilha neoliberal entreguista. Que 2018 seja luz no rastro de trevas que vivemos nestes últimos tempos.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal (PCdoB-RJ) e vice-líder da oposição