Samuel Pinheiro: A luta entre dois projetos para o Brasil
Há uma luta ideológica, política e econômica entre dois projetos para o Brasil, como Nação, como Sociedade, como Estado. Estes dois projetos decorrem de visões distintas da sociedade brasileira, de suas características, de seu potencial, de seu lugar no mundo.
Por Samuel Pinheiro Guimarães
Publicado 18/01/2018 20:35
O primeiro projeto para o Brasil se encontra articulado, e em acelerada execução, no programa econômico e político de Michel Temer e Henrique Meirelles, o qual decorre de uma visão do Brasil que pode ser assim resumida:
• a economia brasileira não poderia crescer a taxas superiores a 3 % a/a sob risco de gerar inflação, a qual poderia se tornar incontrolável ;
• a principal causa da inflação seria o desequilíbrio fiscal, o desequilíbrio entre receitas e despesas do Estado;
• somente a iniciativa privada, brasileira, mas em especial a estrangeira, seria capaz de enfrentar e resolver todos os desafios da economia, e como consequência, da sociedade e do sistema político brasileiro;
• o Estado constituiria o maior obstáculo ao funcionamento de uma economia capitalista eficiente;
• a intervenção do Estado como empresário e regulamentador da atividade econômica afastaria e inibiria os investidores privados nacionais e estrangeiros;
• a redução da dimensão e da competência do Estado, assim como de sua capacidade de intervir na economia como regulamentador e empresário, seriam objetivos indispensáveis para liberar as energias e a vontade de investir da iniciativa privada;
• o capital estrangeiro deveria ser o motor do desenvolvimento da economia capitalista no Brasil;
• os custos do trabalho (salários, direitos etc.) seriam muito elevados no Brasil;
• os impostos no Brasil, que constituem em seu conjunto a chamada carga tributária, seriam elevados e complexos;
• o Brasil, pelas suas características e recursos, deveria ser um país produtor/exportador de matérias primas agrícolas e minerais e importador de produtos industrializados;
• a atividade industrial no Brasil deveria estar limitada ao processamento de matérias primas e à produção de bens industriais de tecnologia simples;
• a economia brasileira seria “fechada”, o que prejudicaria a inserção do Brasil na economia internacional globalizada;
• o Brasil, devido a sua história, a seus valores e a seus interesses econômicos, deveria ter como aliados naturais, na política e na economia mundial, os Estados Unidos da América e os países europeus, o chamado Ocidente;
• os países latino americanos, africanos e asiáticos não teriam maior contribuição a dar ao Brasil;
• a política exterior brasileira deveria ser discreta, aceitar nossa pequena importância e Poder, e se ater a sua região, em aliança (informal) com os objetivos dos Estados Unidos.
Seria possível afirmar que o “Mercado” é integrado pelos 71 mil brasileiros que declararam à Receita Federal terem rendimentos superiores a 160 salários mínimos, cerca de 160 mil reais por mês, e que são os indivíduos que determinam de fato os movimentos das Bolsas, as grandes operações com divisas e as decisões de realizar ou não investimentos especulativos ou produtivos.
A síntese das politicas adotadas pelos formuladores e executores deste projeto para o Brasil, que é impulsionado por Michel Temer e Henrique Meirelles, é a seguinte:
(b) nenhum controle sobre as despesas do Estado com os juros da dívida pública que correspondem a um valor entre 40 e 50% do orçamento federal;
(c) desregulamentação, privatização e desnacionalização dos sistemas públicos: de educação; de saúde ; de previdência e assistência social.
(d) desregulamentação total do mercado de trabalho: prevalência do negociado sobre o legislado; terceirização em todos os setores de atividade das empresas; trabalho temporário; fim do imposto sindical; fragilização dos sindicatos; revisão da fórmula de atualização do salário mínimo; enfraquecimento da Justiça do Trabalho e sua eventual desaparição.
(e) abertura total de todos os setores da economia para facilitar a aquisição de empresas brasileiras e a realização de investimentos pelas megaempresas de capital estrangeiro;
(f) desregulamentação de todos os setores da economia e redução da fiscalização do Estado sobre as atividades das empresas;
(g) privatização (desnacionalização) de todas as empresas do Estado, em especial da: Petrobras, Eletrobras, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Casa da Moeda, Eletronuclear, etc.
(h) entrega, em condições excepcionais, a megaempresas multinacionais petrolíferas das enormes reservas do pré-sal.
Essas políticas vêm sendo executadas por um governo com escassíssima popularidade e elevadíssima rejeição, com o auxílio de um Congresso que se caracteriza por ter grande número de seus membros comprometidos por denúncias de corrupção e por ter uma larga maioria de representantes de setores empresariais, eleitos por contribuições financeiras de grandes empresas. A legislação, caracterizada por ser um retrocesso histórico, é aprovada de forma apressada e com pequeno debate público, apesar de sua enorme importância.
A determinação em fazer aprovar essas políticas pelo Congresso e a necessidade de rejeitar as denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria Geral da República fez com que o governo de Michel Temer “adquirisse” os votos das bancadas de parlamentares que representam os interesses mais conservadores, tais como a bancada da bala, as bancadas religiosas, a bancada ruralista etc.
Os compromissos do Governo com essas bancadas conservadoras levaram à adoção não somente de leis e decretos como de medidas administrativas que representam grave retrocesso nas áreas de direitos humanos tanto políticos, como econômicos e sociais, que se encontram protegidos pela Constituição em seus artigos 5º e 6º e por tratados internacionais subscritos pelo Brasil.
Paralelamente, se verifica uma politização do Poder Judiciário, da Polícia, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, que se comprova pelo seu afã persecutório contra o PT, contra seu líder o Presidente Lula e contra os direitos dos trabalhadores, e por sua leniência e “ignorância” em relação a delitos cometidos por partidos e políticos conservadores.
Essa politização do Judiciário em todos os seus níveis, desde as Varas de Primeira Instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), dos procuradores individuais até a Procuradoria Geral da República (PGR) e da Polícia Federal leva a práticas e decisões que agridem os princípios fundamentais do Direito e violam os direitos dos cidadãos:
• a desmoralização pública de acusados pela Polícia (condução coercitiva, uso de algemas, ostentação de força);
• a intimidação, através da imposição de penas absurdas, àqueles que são acusados por delatores;
• o vazamento seletivo de trechos de delações;
• a “convicção de culpa” dos juízes como único fundamento para condenar acusados;
• a não observância do princípio de presunção de inocência do início das investigações até o trâmite da sentença final em julgado;
• a transferência para o acusado do ônus da prova;
• não obediência ao principio de não retroatividade da Lei;
• a aplicação incorreta da teoria do “domínio do fato”;
• a criação de tribunais e juízes de exceção;
• a violação da privacidade da família dos acusados;
• a extensão da pena, na prática, à família do acusado;
• a excitação da opinião pública contra indivíduos denunciados.
• o financiamento privado, em especial empresarial, de campanhas;
• o voto distrital, em suas diversas formas;
• a adoção do voto voluntário;
• a redução do tempo de campanha política;
• o fim da reeleição.
• a segunda característica do Brasil é o subdesenvolvimento de sua força de trabalho, de seu capital e de seus recursos naturais;
• a terceira característica do Brasil são as extraordinárias disparidades de riqueza; de renda; regionais; de gênero; de origem étnica; culturais; e políticas;
• a quarta característica é a sua extrema vulnerabilidade externa, de natureza econômica, tecnológica, ideológica, militar e política;
• a quinta característica é a fragilidade do Estado.
Os investimentos de longo prazo, em especial em infraestrutura e de menor rendimento são inibidos, pois o Estado, que tem competência constitucional por sua prestação, não tem capacidade para realizá-los, delegando-os à iniciativa privada que só os assume quando consegue obter, em contrato, condições excepcionais de remuneração, enquanto que as empresas muitas vezes descumprem, mais tarde, os compromissos que tinham assumidos.
Para tais investimentos não há financiamento suficiente do sistema bancário privado, a juros e prazos adequados, o que cria uma dependência do BNDES, da CEF e do Banco do Brasil e a necessidade de sua existência.
O Estado, sozinho, igualmente não é capaz de enfrentar de forma eficiente esses desafios e tem de se fortalecer financeira e tecnicamente para enfrentar a parte que lhe cabe desses desafios.
O capital estrangeiro, também sozinho, não seria capaz de enfrentar esses desafios, múltiplos, complexos e inter-relacionados, até por não ter uma visão global e nacional do Brasil e nem competência legal para tal tarefa.
A população brasileira é de 207 milhões de indivíduos e a população adulta corresponde ao número de eleitores, que é de cerca de 140 milhões.
Os brasileiros adultos que declararam rendimentos à Receita Federal em 2015 foram 27 milhões, que são aqueles que percebiam rendimentos mensais superiores a 2.200 reais por mês ou tinham algum imóvel.
Assim, cerca de 110 milhões de brasileiros estariam fora do mercado devido a seu nível salarial mensal insuficiente (inferior a 2.200 reais mensais) para adquirir muitos dos bens que seriam produzidos pela iniciativa privada, tais como saúde (remédios, cirurgias, internações, etc.) educação de qualidade adequada em todos os níveis, transporte privado, moradia a preço de mercado, seguro de previdência privada etc.
A organização e desenvolvimento da força de trabalho, essencial para que a maioria dos brasileiros possam se tornar mais produtivos e melhores cidadãos do ponto de vista cultural e político e, portanto, para ampliar o mercado para a iniciativa privada, exigem políticas no campo da educação, da saúde, da segurança pública, do saneamento, do transporte e políticas públicas de salários, previdência pública e assistência. Essas políticas são numerosas e complexas e serão mencionadas em princípio aquelas que poderiam ser consideradas essenciais e prioritárias em cada área.
b. na Saúde: uma política de prioridade à saúde preventiva e não à curativa; a coleta regular de lixo, o abastecimento de água tratada e a coleta de esgoto em todas as comunidades; o acesso gratuito de toda a população à assistência médica.
c. no Transporte: gratuidade do transporte público de massa.
d. na Moradia: crédito público acessível para a aquisição de casa própria, digna e saudável.
e. a organização pelo poder público do mercado de trabalho: a formalização da situação dos trabalhadores, com fiscalização rigorosa da obrigação de carteira de trabalho; política de valorização do salário mínimo; aperfeiçoamento da Previdência Pública.
Quanto ao capital financeiro:
• desprivatização do Banco Central;
• desprivatização das agencias reguladoras;
• controle rigoroso de evasão de impostos;
• controle da evasão de divisas para o exterior;
• fortalecimento das instituições financeiras públicas.
• organizar programas de compras governamentais da produção brasileira;
• estimular a nacionalização da indústria instalada no Brasil por políticas de conteúdo nacional, conjugadas a compras governamentais.
• participação dos empresários produtivos, industriais, agrícolas e de serviços, nos conselhos de administração das instituições financeiras públicas.
b. no caso do subsolo: o estimulo à formação de geólogos; o mapeamento geológico de todo o território; a limitação da propriedade do solo por empresas e por indivíduos estrangeiros; controle da exploração do subsolo.
a. disparidades de riqueza e de renda:
• o combate rigoroso à evasão de impostos.
• salário igual para funções iguais.
• libertação dos indivíduos que se encontram presos sem terem sido condenados.
• desconto de 50% na aquisição de livros por trabalhadores sindicalizados.
• aumento do tempo de campanha política;
• adoção do sistema de revogação de mandato eletivo;
• combate às manifestações de intolerância política e religiosa na Internet.
A redução das vulnerabilidades depende do aumento da presença nacional nos diversos setores da sociedade em que se verifica a influência externa e na maior capacidade da sociedade de influir sobre esses setores no sentido de induzí-los a agir de acordo com os interesses gerais e não apenas em favor de seus interesses individuais, ou de interesses estrangeiros.
No campo econômico, as principais medidas e políticas que reduziriam a vulnerabilidade seriam as seguintes
• a diversificação das exportações, em especial de manufaturas;
• a exigência às empresas estrangeiras de exportar para promover a modernização do parque industrial brasileiro;
• não participação em acordos internacionais econômicos que reduzam a capacidade de realizar políticas de desenvolvimento.
• conceder bolsas de estudos vinculadas a resultados nas áreas de ciências exatas e aplicadas desde o ensino médio ao universitário, para estimular vocações cientificas;
• conceder prêmios de excelência e de realizações nas áreas de ciências exatas e aplicadas.
• a democratização e desconcentração da alocação das verbas oficiais de propaganda;
• o fortalecimento da mídia comunitária de rádio e televisão;
• financiamento especial a rádios, televisões e editoras de acordo com sua programação de produtos culturais brasileiros;
• financiamento de produção, da distribuição e da exibição da produção audiovisual brasileira.
• fortalecimento e diversificação das instituições de formação de oficiais superiores;
• não adesão a tratados desiguais na área militar;
• fortalecimento da capacidade dissuasória do país.
• pela cooperação econômica e financeira com esses vizinhos;
• pelo fortalecimento de um bloco sul-americano de nações;
• pela participação ativa no bloco dos BRICS;
• pela campanha política permanente para inclusão do Brasil no Conselho de Segurança.
As medidas prioritárias para enfrentar as fragilidades do Poder Legislativo seriam:
• a proibição de troca de partido pelos representantes eleitos;
• a atualização do número de representantes por Estado de acordo com sua população e extensão territorial;
• a adoção do sistema de referendo revogatório para mandatos parlamentares;
• financiamento público de campanhas eleitorais e limitação de gastos por candidato.
• substituir o tripé da política macroeconômica (câmbio flutuante, meta de inflação, meta de superávit fiscal) por metas de desenvolvimento e de emprego;
• utilizar o orçamento como instrumento para combater a recessão econômica e estimular o desenvolvimento;
• estabelecer uma política de juros que estimule o investimento privado;
• combater a sonegação e a evasão de impostos;
• combater a evasão de divisas para paraísos fiscais;
• realizar a auditoria da dívida pública;
• combater o super e o sub faturamento no comércio exterior.
• garantir o cumprimento pelos juízes de primeira instância e pelos membros do Ministério Público dos direitos individuais, em especial: a presunção de inocência; o sigilo das investigações; a garantia da integridade física dos investigados; a não incitação da opinião pública contra investigados;
• combater o abuso de poder por autoridades judiciárias, policiais e do Ministério Público;
• garantir o julgamento dos processos nos Tribunais pela ordem cronológica de ingresso;
• nomear para o Conselho Nacional de Justiça apenas membros de fora do Poder Judiciário.
• de outro lado, o projeto dos setores mais avançados das classes tradicionais, em aliança com as forças sindicais trabalhadoras, e setores modernos da classe média que desejam construir no Brasil uma sociedade e um Estado que, com base no desenvolvimento de seu enorme potencial humano e de recursos, sejam mais desenvolvidos, mais prósperos, mais justos, mais democráticos, mais includentes, mais tolerantes, mais soberanos, mais capazes de se defender a si mesmos e de contribuir para a Paz mundial.