Não há motivo para pânico, mas todos devem se vacinar, diz médico
O alerta dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que todo o Estado de São Paulo é considerado área de risco para a febre amarela não surpreendeu o médico Maurício Lacerda Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e chefe do departamento de Virologia na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Publicado 18/01/2018 17:31
Em São Paulo, a campanha de vacinação será antecipada para o dia 29 de janeiro e seguirá até o dia 17 de fevereiro. A ideia é vacinar 7 milhões de pessoas de 54 municípios, dado o aumento da circulação do vírus em áreas próximas das cidades. Em todo o Estado, foram contabilizados 40 casos de febre amarela silvestre e 21 mortes.
A recomendação da OMS é de que pessoas que venham para o Estado tomem a vacina, ou se previnam com o uso de repelentes e ainda fiquem atentos a possíveis sintomas da doença.
"No ano passado eu já tinha alertado sobre essa possibilidade não só para o Estado, como em todo o País", coloca o especialista. Para Lacerda, o vírus acabou chegando em áreas onde ainda não era detectado e acabou encontrando uma população desprotegida.
Em entrevista a CartaCapital, o especialista alerta que não há motivo para pânico, mas ressalta a imunização de toda a população como única resposta efetiva para coibir o ciclo urbano da doença – que é quando ela passa a ser transmitida pela picada de mosquitos Aedes aegypti. "O que permite uma epidemia se estabelecer no caso de uma doença prevenível com vacina é falta de população vacinada". Confira!
Carta Capital: Como o senhor recebe a notícia de que todo o Estado de São Paulo é considerado área de risco para a febre amarela pela Organização Mundial da Saúde?
Mauricio Lacerda: Eu já havia sinalizado essa possibilidade em setembro do ano passado, não só para o Estado de São Paulo, como para o Brasil inteiro. Não existe justificativa técnica para manter nenhuma área do País fora da área de risco hoje em dia.
CC: Por quê?
ML: O vírus atingiu as últimas regiões onde ainda não era detectado, a Mata Atlântica e o nordeste brasileiro. Nos anos passado e retrasado tivemos casos em Natal e epizootia em Salvador. O vírus atingiu a Serra do Mar e a Mata Atlântica inicialmente no Espírito Santo, depois Rio de Janeiro e agora ele entra pelo interior de São Paulo na Mata Atlântica, ou seja, não sobrou mais nada no Brasil que não precise ser imunizado. A expansão do vírus ocorre desde os anos 2000 e esse fenômeno é sabido e conhecido.
O que é diferente desta vez é que ele atingiu rapidamente uma região populosa, a Mata Atlântica do sudeste brasileiro, que compreende São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória, ou seja, uma média de 50 milhões de pessoas.
CC: Há motivo para pânico?
ML: Não há motivo para pânico, mas para uma ação de saúde pública emergencial de vacinar toda a população urbana para que não exista o risco da febre amarela urbana. Aqui na minha região, em São José do Rio Preto, temos febre amarela constantemente, é uma região endêmica, onde os ciclos são vistos a cada oito anos com uma grande mortalidade de macacos. Agora, por que não temos febre amarela urbana? Porque a população é vacinada. Então se alguém vai para uma região de mata, pega o vírus, volta para a cidade e é picada pelo Aedes, ele não vai transmitir a febre amarela porque todo mundo é vacinado. Não se estabelece o ciclo urbano.
CC: Diante disso, qual a recomendação para a vacina?
ML: A recomendação é que toda a população seja vacinada.
CC: Essa recomendação difere da do Ministério da Saúde, que recomenda a vacinação para algumas áreas. Como o senhor avalia essa questão?
ML: Na verdade, essa recomendação não é técnica, ela vem do fato de que o Ministério da Saúde não tem vacina para todo mundo.
CC: Em uma entrevista cedida a Carta Capital no início do ano passado, o senhor falava sobre a necessidade de rever a estratégia de vacinação. A que atribui sua colocação? Vê alguma omissão por parte do governo?
ML: Era muito claro o que ia ocorrer. O vírus chegou na região da Mata Atlântica brasileira por ela ser muito propícia à sua circulação, tem macaco, mosquito e população humana suscetível. É difícil falar em omissão porque não sabemos a quantidade de doses de vacina que o governo tinha no ano passado. Seria omissão se ele tivesse sentado em 100 milhões de dólares e não tivesse usado, mas não foi isso.
Eu sei que não havia vacina naquela época, como não tem hoje. Agora, falha existiu quando o Ministro da Saúde disse, em setembro do ano passado, que o ciclo de febre amarela estava encerrado. Epidemia não se acaba com decreto, mas combatendo as condições que permitem que ela se estabeleça. O que permite uma epidemia se estabelecer no caso de uma doença que pode ser prevenida vacina é falta de população vacinada.
CC: Como o senhor avalia a campanha de vacinação fracionada?
ML: É uma resposta factível, recomendada para uma situação em que não se tem vacina para todo mundo. Eu só acho que fracionar em fevereiro, no meio de uma epidemia, só em São Paulo já são 40 casos, não é estratégico. Por que não se fracionou no ano passado, quando a transmissão estava baixa? Certamente a quantidade de vacinas disponível hoje não estava naquela época. É difícil criticar ou elogiar porque a informação mais importante desse processo, que é a quantidade de vacinas disponíveis, não temos. Faltou transparência do governo em relação ao estoque de vacinas.
CC: Qual a recomendação para que o cenário da doença seja contornado?
ML: A recomendação é fazer a vacinação da população agora, prever a revacinação dos que tomarão dose fracionada e estabelecer uma política que permita criar uma cobertura vacinal acima de 90% nos próximos anos no País A estratégia de vacinação tem que ser permanente.