Desmonte do ensino superior: UniRitter demite 127 professores
Doze meses elaborando os rumos do doutorado e mais sete, com uma bolsa de estudos em Portugal, realizando entrevistas com especialistas no tema proposto. Esta foi a rotina da doutoranda em Letras do Centro Universitário UniRitter, de Porto Alegre, Ana Maria de Souza, de 49 anos.
Por Cristiano Goulart, do Sul21
Publicado 19/12/2017 12:38
A estudante, que também é professora da rede estadual, dedica-se à análise da história dos “reformados”, como ficaram conhecidos os portugueses que, após a independência das colônias africanas, voltaram ao país de origem. Tudo encaminhava-se bem para a estudante quando, ao retornar de Lisboa, capital do país europeu, Ana Maria foi surpreendida com a notícia de que a orientadora da pesquisa havia sido demitida: “Então, na nossa primeira reunião após a minha volta da bolsa, a professora já foi dizendo assim: ‘olha, Ana, há pouco veio uma moça aqui me chamar [dizendo] que eu preciso ir na zona sul. Provavelmente, é para assinar minha demissão. Meio-dia, ela nos mandou a mensagem dizendo que havia sido demitida”.
A estudante também afirma que, além da professora demitida, o Programa de Pós-Graduação em Letras (PPG) também havia sido encerrado no Centro Universitário: “Se não existe mais PPG, quem que vai me orientar? É uma pessoa que nem sabe o que eu estava pesquisando. Uma pessoa que não conhece a minha pesquisa, que não leu os meus livros, que não me acompanhou. Ninguém tem uma resposta pra me dar sobre isso. Quem estava na secretaria, não sabia dar nenhuma informação porque todos os chefes haviam sido demitidos”, lamenta Ana Maria.
A orientadora da estudante de Letras não foi a única, no entanto, a perder o emprego na UniRitter. Nessa segunda-feira (18), o Centro Universitário confirmou a demissão de 127 profissionais, ao todo, segundo nota divulgada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS). No encontro, segundo o sindicato, a entidade “informou à empresa de que solicitou a mediação do Ministério Público do Trabalho e, também, que ajuizou na sexta-feira, dia 15, ação civil pública com o objetivo de suspender as demissões e iniciar um processo de negociação que reverta, pelo menos em parte, os desligamentos ocorridos”, diz o comunicado.
O relato da estudante Ana Maria foi um entre tantos outros expostos durante um debate realizado, nessa segunda, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O encontro, intitulado “Como enfrentar a ofensiva do desmonte do ensino superior no Brasil?”, reuniu cerca de 120 pessoas de diversas universidades no auditório da faculdade. O estopim para a realização do debate, no entanto, foi a sequência de demissões nas universidades privadas do estado. Em julho, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) também havia anunciado o desligamento de, aproximadamente, 100 professores. Na semana passada, porém, foi a vez da UniRitter reduzir o quadro. O Centro Universitário é administrado pelo grupo internacional de instituições acadêmicas Laureate International Universities.
Demitido na última semana, um ex-professor da UniRitter, que prefere não se identificar, afirma que a redução do quadro cria insegurança quanto à estabilidade empregatícia para quem permanece na universidade: “Tenho respeito profundo pelos professores que lá ficam porque um dos segredos do sucesso da faculdade é de que os professores sempre foram muito eficientes e, talvez, capazes de ir formando os seus sucessores, então a relação entre mestres e discípulos, entre professores e alunos, sempre foi a base da renovação da Ritter. Então, hoje, o que fica lá é um legado nas mãos de jovens professores que têm todas as condições, mas que, infelizmente, são as próximas vítimas. E muitos têm a consciência disso porque o modus operandi dessa instituição internacional já ficou claro. É uma sucessão em cascata”, lamenta o docente.
Ao final do encontro na Faculdade de Arquitetura, os organizadores do evento prometeram organizar um Fórum online para que o debate continue nos próximos dias e também para que sejam organizados novos eventos para discutir estratégias de ação contra o “desmonte do ensino superior”, expressão que intitula o evento. A reportagem do Sul21 segue tentando um posicionamento da UniRitter sobre as afirmações proferidas no debate.