Sobre geopolítica e Eurocopa
Quem acompanha futebol, e mais especificamente o futebol europeu, sabe que a Eurocopa acaba por refletir ao extremo as transformações geopolíticas do continente, e do mundo. Desde a primeira edição, disputada em 1960, na França, disputas políticas e ideológicas marcam o percurso do torneio, e na próxima edição não será diferente…
Por Thiago Cassis*
Publicado 14/12/2017 07:19
Criado em 1960, o então chamado Campeonato Europeu das Nações, teve que lidar com a desistência de grandes seleções como Alemanha Ocidental, Inglaterra e Itália. Ainda na fase eliminatória do torneio, que teria apenas 4 seleções na sua fase final, a Espanha de Franco desistiu também, por se negar a enfrentar a União Soviética, em território soviético.
A França acabou sediando a primeira edição, que foi vencida pela URSS que bateu os iugoslavos por 2 a 1. Com um gol na prorrogação.
Em 1964, a UEFA leva o torneio justamente para a Espanha de Franco, e a URSS não desiste e disputa o torneio, ao lado da Dinamarca e da Hungria. Na final, os espanhóis evitam o bi campeonato soviético e vencem por 2 a 1. Em 1968, o certame passa a se chamar Campeonato Europeu de Futebol.
A competição teve a participação de 4 equipes até 1976, quando foi realizada, pela primeira vez, em um país do chamado “bloco socialista”, na Iugoslávia. Mas apesar de normalmente ir bem nos torneios de seleções, montando grandes equipes, os iugoslavos não levantaram a taça em casa. O título ficou com outro país na época socialista, a Tchecoslováquia.
Em 1980, a “Euro” começa a receber 8 seleções para a fase decisiva. Mas aquela batalha que marcava a disputa europeia desde 1960, entre seleções socialistas do leste, contra seleções ocidentais, estava prestes a mudar. Mesmo que a Europa ainda não soubesse, 1988, na Alemanha Ocidental, marca a última aparição da União Soviética no campeonato. A primeira campeã e equipe que sempre chegava nas fases decisivas, disputou sua última final, sendo derrotada pela Holanda por 2 a 0, e não existiria mais em 1992…
A primeira Euro dos anos 90, em 1992, foi realizada na Suécia e seria a última com 8 seleções. A URSS, que obteve vaga, foi substituída pela CEI, Comunidade dos Estados Independentes, que na prática trazia boa parte da seleção da URSS, mas agora como um conglomerado de pequenas nações. Por conta do início da Guerra da Bósnia, a Iugoslávia, que também estaria na Suécia para a fase final, foi eliminada pela UEFA, em seu lugar foi chamada a Dinamarca, que tinha sido batida pelos iugoslavos nas eliminatórias. Para surpresa geral, os dinamarqueses convidados, foram campeões no final.
Em 1996, um continente com um número muito maior de nações independentes, resultado da queda do Muro de Berlim e consequente dissolução de nações como URSS e Iugoslávia, precisava de um torneio com mais equipes também. A solução foi dobrar a quantidade de vagas para a fase final da Euro. Teríamos, no torneio sediado na Inglaterra, 16 países. República Tcheca, Rússia e Croácia aparecem entre os classificados, apontando o novo momento do continente europeu. E quase os tchecos levam o título, perdendo de virada na final para a Alemanha.
De lá pra cá, poucas coisas mudaram, a novidade de dois países sediarem um mesmo torneio foi uma das poucas alterações, Holanda e Bélgica em 2000, Áustria e Suíça em 2008 e Polônia e Ucrânia em 2008 organizaram suas próprias competições conjuntas. A edição de 2016 contou com um novo aumento de participantes, agora são 24.
Um novo episódio da política da região aparece mais uma vez refletido na história da competição. Em 2020, pela primeira vez, a competição será sediada por toda a Europa. O plano da UEFA, era que 13 cidades, de 13 diferentes países, recebessem as partidas da Euro, acontece que a Inglaterra estava nos planos, e com o resultado recente do chamado Brexit, plebiscito que apontou a vontade dos britânicos pela saída da ilha da União Europeia, a relação poderia ter ficado estremecida.
Mas ao que parece, a competição, que acontecerá justamente um ano após a formalização da saída do Reino Unido da União Europeia servirá de certa forma para demarcar que as portas da ilha continuam abertas para os europeus. O prefeito de Londres, cidade que receberá as semifinais e a final do torneio, Sadiq Khan, afirmou que a cidade está aberta para receber todos.
Outro ponto a ser destacado é que Londres, de última hora, ganhou um número maior de partidas da Euro, justamente pela saída de Bruxelas, capital belga e cidade que abriga o Parlamento Europeu. O motivo da saída de Bruxelas foi a falta de garantias para a construção de um novo estádio para a ocasião.
Faltam dois anos para a próxima Eurocopa, Portugal de Cristiano Ronaldo é o atual campeão, mas é certo que a cada quatro anos o torneio seguirá sendo um forte reflexo da política europeia e de suas consequências.