Combate à violência de gênero ganha dimensão na Câmara
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres. E os índices estarrecedores não param por aí. É um estupro a cada onze minutos, 169 agressões por dia, um homicídio a cada hora e meia. Dezenas de brasileiras perdendo a vida diariamente, sendo 1/3 delas pelas mãos dos próprios ex-companheiros.
Por Ana Luiza Bitencourt
Publicado 29/11/2017 20:24
Em meio a esse cenário perturbador, a discussão sobre a violência de gênero é imprescindível, e precisa ocupar todos os espaços para ganhar visibilidade. Assim pensaram as deputadas Erika Kokay (PT-DF), Laura Carneiro (PMDB-RJ) e Soraya Santos (PMDB-RJ) ao propor a realização de uma sessão solene na Câmara para tratar do tema.
A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 25 de novembro como Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres. A data também coincide com a campanha 16 Dias de Ativismo, lançada em 1991 pelo Instituto de Liderança Global de Mulheres (Women’s Global Leadership Institute) com o intuito de denunciar várias formas de violência de gênero em todo o mundo.
Durante o evento na Câmara, a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) Fabíola Negrão, que também é integrante do Gevid – Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do MPSP –, parabenizou as parlamentares pela iniciativa, mas alertou que a reflexão não deve se pautar apenas por uma data, porque temos feminicídios, espancamentos, ameaças, assédios, estupros e outros tantos tipos de violência que acometem as mulheres, diariamente, pelo simples fato de serem mulheres.
“O Brasil escancara uma realidade vergonhosa em que a violência de gênero não é enfrentada a contento. Refletir sobre isso significa estabelecer parâmetros para o futuro das próximas gerações”, ponderou a promotora, que ainda atentou para o nível de desigualdade de gênero no país. Dentre 144 países, o Brasil encontra-se na 90ª posição em relação à paridade de gênero, caindo onze posições em relação ao ano passado.
“Isso se deve à baixa representação feminina nos espaços de poder. São eles que decidem o que fazemos com nossos corpos, se e como somos protegidas, se e como recebemos assistência, se e como as políticas públicas devem se pautar na transversalidade de gênero. São também eles que se voltam contra a possibilidade de prevenção da violência contra a mulher”, defendeu Fabíola.
Mulheres negras
O Mapa da Violência de 2015 mostrou que em 10 anos, entre 2003 e 2013, os homicídios de mulheres diminuíram 10%. Mas esses números se referem às brancas. No mesmo período, os homicídios de mulheres negras passaram de 1.864 para 2.875 casos, registrando um aumento de 54%. No total, 55% dos crimes foram cometidos dentro de casa, e em 32% deles os responsáveis são ex ou atuais parceiros.
Waldicéia de Moraes da Silva, professora e membro da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra do DF e Entorno, pontuou que “mesmo assim, com esses dados alarmantes, não há política públicas específicas para nós, negras”.
“Representamos 50% da população brasileira. É preciso abrir os olhos! Não é possível que continuemos a criar órgãos de políticas para mulheres no país e eles não levem em consideração o percentual de mulheres negras no Distrito Federal e no Brasil como um todo”, disse a professora, que levou os alunos à sessão solene para uma aula de cidadania.
Além de serem as maiores vítimas de feminicídio, as negras são também as principais afetadas pela violência policial no Brasil. Com dados colhidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública entre 2005 e 2015 sobre os números de mortes de mulheres em “Intervenções legais ou operações de guerra”, a Agência Patrícia Galvão constatou que cruzando categoria raça/cor das vítimas, 52% delas eram mulheres negras.
Lei Maria da Penha
Como importante instrumento de combate à violência, foi sancionada, em 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340, que passou a ser chamada de Lei Maria da Penha – uma homenagem à mulher que sobreviveu a duas tentativas de homicídio do marido e que, desde então, se dedica à causa.
A Lei estabelece que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, e deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Ela ainda tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.
O texto foi resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um conjunto de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis). A proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), relatora do projeto na Câmara, enalteceu o aprendizado que teve com o processo “ao ter, pelo olhar, pela voz, por vezes pelo medo, mas principalmente pela coragem das mulheres, conhecido a realidade brasileira e consequentemente as diferenças culturais, políticas e institucionais”.
“Ao relatar o PL, ganhei a convicção da importância da Lei e do que a gente conseguiu escrever naquele texto. Seu inteiro teor precisa ser conhecido pela sociedade brasileira, porque é muito mais abrangente do que aparenta. As mulheres precisam conhecer os direitos que têm. Para além disso, é preciso que a lei seja cumprida. Ainda há muita resistência, particularmente no judiciário e nos governos em seus diversos níveis que não conseguem dispor do orçamento adequado para isso”, defendeu Jandira.
A parlamentar ainda fez um alerta para um tipo de violência que não fica muito evidente no dia a dia, apesar de ser enfrentada diariamente no Parlamento por uma parcela dos deputados: a violência dos agentes políticos.
“São muitos retrocessos que temos vivido pela anulação das políticas públicas em relação à mulher neste governo. A lei da Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência, por exemplo, são violências profundas. Se não reagirmos à altura e impedirmos os retrocessos do campo civilizatório, dos direitos reprodutivos, trabalhistas e previdenciários, afetaremos a vida, o cotidiano e o futuro das mulheres”.