O retrato do país nos anos de chumbo
A Mais Longa Duração da Juventude – romance com base em fatos reais – do escritor pernambucano Urariano Mota, com destaque nacional, chega no momento oportuno: hoje, saudosistas da ditadura militar (1964-1985) – ou pessoas que nunca viveram aquele período opressivo – acham que a melhor solução para os problemas do Brasil é a intervenção das Forças Armadas.
Por Paulo Verlaine*
Publicado 15/11/2017 15:25
O livro deverá ser lançado em Fortaleza em janeiro próximo, em dia, horário e local ainda a serem definidos. Já houve lançamentos no Recife e em São Paulo.
Publicado pela editora LiteraRUA, com 318 páginas, A Mais Longa Duração da Juventude, lançado neste ano de 2017, já está na segunda edição. É o retrato do país nos anos de chumbo, na década de 1970, no auge da ditadura militar, onde imperavam o medo, a tortura e os assassinatos de opositores do sistema vigente.
Escrito na primeira pessoa (um personagem fictício que tem muito a ver com o próprio Urariano) há também momentos de amor, ternura, música (I Wonder Why, cantada por Ella Fitzerald, é leit-motiv, ou tema recorrente, no livro), sexo e companheirismo. Tudo isso no texto escorreito, leve (sem ser banal) e criativo de Urariano Mota. É também um mergulho no Recife dos anos 70: as pontes, pensões, cabarés, comidas típicas e a paixão que todo recifense tem pela capital pernambucana.
Não obstante tratar de temas pesados, o livro passa mensagem de otimismo nesses tempos do outro golpe, não o militar, de 1964, mas o judicial-legislativo-midiático de 2016: a juventude duradoura dos anos 60 se renova nos jovens de hoje, não nos sem-cérebro e debiloides bolsonaristas e integrantes do MBL, mas nos estudantes que foram às ruas lutar por melhores condições de ensino, defender o mandato da presidenta Dilma Rousseff e protestar contra o “presidente” golpista e usurpador Michel Temer.
Disse o autor ao jornal Diário de Pernambuco: “A primeira coisa a destacar é a seguinte: eu não procurei escrever somente sobre a ditadura. Quando eu estava indo visitar pensões onde morei, vi uma passeata de adolescentes protestando com bandeiras por uma educação melhor. Foi quando me ocorreu o fato de que havia uma duração mais longa da juventude. Quem esteve na clandestinidade e foi ao limite da entrega da propria vida está nesses jovens das ocupações de escolas e universidades”.
O autor
Urariano Mota é autor dos romances Os corações futuristas, Soledad no Recife (baseado na vida da guerrilheira urbana Soledad Barrett, assassinada no Recife), e O filho renegado de Deus, além de Dicionário Amoroso do Recife, um guia sentimental da capital pernambucana. É também colunista do Portal Vermelho, do portal GGN e do site Brasil 247.
Selene (Mirtes)
Entre alguns personagens fortes, masculinos e femininos, duas mulheres (Selene e Soledad) se destacam na narrativa de Urariano Mota: Selene, 18 anos, líder estudantil e diretora da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Selene é, nada mais, nada menos, do que Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira, estudante secundarista que, em 1968, liderou a chamada “Revolta das Saias”, em Fortaleza. Isto não é dito no romance, mas quem conhece a trajetória da Mirtes, identifica-a de imediato, principalmente nesses dois trechos do romance:
“Selene possuía apenas 18 anos de idade, e com tão pouco tempo de vida, discorria sobre a política nacional e clássicos do marxismo. Como ela conseguia ser tão precoce?”…
…“Selene era suas coxas porque nelas estava, por um lado, impressa a sua luta um pouco mais abaixo nas feridas conquistadas na batalha da Maria Antonia”.
A personagem real, Mirtes Nogueira, foi ferida com queimaduras causadas por ácido sulfúrico jogado nas suas pernas, no episódio que ficou conhecido como a “Batalha da Rua Maria Antonia”, no ano de 1968, em São Paulo (SP): a luta entre estudantes (esquerdistas) da Faculdade de Filosofia e os alunos da Universidade Mackenzie (direitistas).
Soledad Barrett
Soledad Barrett não tem pseudônimo. Aparece no livro com seu verdadeiro nome. Paraguaia, guerrilheira urbana e integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Soledad foi assassinada, juntamente com mais cinco pessoas, pelos serviços de repressão da ditadura militar, no Massacre da Chácara de São Bento, em Goiana (PE). Os seis foran denunciados por um integrante do grupo, o famoso traidor Cabo Anselmo. Trata-se da parte mais dolorosa do livro. Mas o importante é o leitor tirar suas conclusões.