Leilões do pré-sal: "crime de lesa-pátria" e volta a "ciclo colonial"
Os leilões das 2ª e 3ª rodadas do pré-sal, realizados nesta sexta (27), arrecadaram menos que o esperado. A expectativa do governo era obter R$7,75 bilhões na assinatura dos contratos, mas o valor ficou em R$ 6,15 bilhões. Das oito áreas ofertadas para exploração e produção de petróleo e gás, duas não tiveram interessados. A Federação Única dos Petroleiros apontou crime de lesa-pátria. Já a Associação dos Engenheiros da Petrobras avaliou que os certames lançam o país em novo ciclo colonial.
Publicado 27/10/2017 19:53
Os leilões, que aconteceram no Rio de Janeiro sob protestos de petroleiros, começaram com atraso. Uma liminar determinou a suspensão dos certames por considerar possibilidade de dano ao patrimônio, mas em seguida foi revisada. Participaram da licitação 16 empresas, 14 estrangeiras duas brasileiras, entre privadas e estatais.
A Petrobras, que antes da mudança na legislação ocorrida no ano passado era operadora exclusiva dos campos de pré-sal, terá participação em apenas três dos blocos licitados.
Grandes petroleiras estrangeiras saíram vencedoras. Na área do Sul de Gato do Mato, por exemplo, ganharam a Shell (britânica), com 80% e a Total (francesa), com 20%. No Norte de Carcará, a ExxonMobil (norte-americana), com 40%, a Statoil (estatal norueguesa), com 40%, e a Petrogal (portuguesa), com 20%. Confira a lista completa no fim da matéria.
Parte do golpe
“Isso é um crime de lesa-pátria. Não há outra forma de definir o que aconteceu nesses leilões”, disse Paulo Neves, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), ao Portal Vermelho. “Hoje foi um dia muito triste, porque, com esses leilões, não são só os petroleiros e a Petrobras que perdem. O povo brasileiro perde, a nação perde. E quem vai se apropriar das nossas riquezas são empresas internacionais”, lamentou.
Para denunciar a entrega do pré-sal, os petroleiros realizaram uma série de atos e manifestações nesta sexta, em várias bases da Petrobras.
Paulo Neves destacou que, se a expectativa de arrecadação do governo com os leilões já era ruim, o resultado foi ainda pior. “A nossa assessoria técnica fez um estudo que mostrava que, se o governo tivesse conseguido os R$ 7,75 bilhões que esperava, cada barril de óleo do pré-sal sairia por menos de R$ 1,50. Ou seja, cada litro, sairia por R$ 0,01. Mas nem sequer alcançaram o valor estimado, então as perdas são ainda maiores”, calculou
De acordo com ele, os certames foram um “grande jogo de cartas marcadas”, que remete ainda às causas do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Foi tudo combinado com as empresas que apoiaram o golpe e investiram para que ele se consolidasse. É mais uma fatura a ser paga. Essas empresas internacionais levaram uma grande vantagem, se compararmos com as experiências anteriores”, colocou.
Perdas de R$ 500 bilhões para o Brasil
A FUP chamou a atenção para as condições estabelecidas para o leilão, desfavoráveis ao Brasil, em espacial, se comparadas ao leilão do Campo de Libra, realizado antes das mudanças na lei da partilha. Desta vez, os percentuais mínimos que as petrolíferas tinham que ofertar em excedentes de óleo à União eram muito inferiores aos estipulados para o leilão de Libra, em 2013. Os valores estabelecidos nos editais das 2ª e 3ª Rodadas variavam entre 12,98 % e 22,08%. No leilão de Libra, o percentual mínimo era de 41,65%.
“É preciso destacar que as mudanças feitas pelo projeto de lei de José Serra [que alterou a legislação em vigor para o pré-sal] ferem de morte o modelo de partilha, que era muito mais próximo daquilo que os trabalhadores entendem como ideal”, criticou Neves.
Segundo estimativas da assessoria econômica da FUP, com as alterações na lei – que tiraram da Petrobras a função de operadora exclusiva do pré-sal e a participação mínima da estatal de 30% nos campos licitados – , as perdas para o país, provenientes dos dois leilões desta sexta, chegam a R$500 bilhões.
“Só com royalties e recursos gerados ao Fundo Social para a Saúde e Educação, o Estado deixará de arrecadar R$ 25 bilhões sem a participação da Petrobras. Isso equivale a 17 vezes o orçamento anual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que sofre os impactos do desmonte da educação pública”, calculou a FUP.
Empregos e avanço tecnológico fora do país
Neves destacou os prejuízos para o país, em especial com o desmonte da política de conteúdo nacional. “Antes, as empresas que concorriam nos leilões tinham obrigação de contratar serviços de construção de plataforma e equipamentos dentro do Brasil. Hoje, estão livres para trazer equipamentos de fora e ainda podem ficar livres de pagar imposto. É triste, porque, além de não gerar emprego aqui, não movimentar a nossa economia, também impede o avanço tecnológico. Todos esses bens e produtos serão produzidos no exterior e poderão chegar aqui sem tributação. Isso é uma face desse golpe”, afirmou.
De acordo com ele, trata-se de uma “derrota” para todo o povo brasileiro. “Inclusive porque havia a destinação dos royalties do petróleo para a saúde e a educação do país, algo que hoje também está comprometido”, condenou.
O petroleiro ressaltou o fato de que não apenas empresas privadas saíram vencedoras dos certames, o que significa que empresas estatais de outros países virão explorar as riquezas brasileiras. “A nossa empresa estatal faz concessões para empresas privadas, mas também para outras empresas públicas, como a Statoil da Noruega. Precisamos analisar com muito critério o fato de que estatais estrangeiras venham para cá se apropriar de algo que é nosso e estamos ofertando, algo que deveria ser público e estamos oferecendo a outro Estado”, alertou.
Novo ciclo colonial
Para a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), independentemente do resultado, o simples fato de os leilões terem acontecido já foi algo ruim. “Criticamos a realização do leilão em si e as mudanças nas regras. Mas, mais importante que avaliar o resultado, é se perguntar qual a velocidade com que se deve produzir o petróleo brasileiro e se a exportação do petróleo brasileiro, por multinacionais, pode desenvolver o Brasil”, defendeu o presidente da Aepet, Felipe Coutinho.
De acordo com ele, a velocidade ideal para se produzir o petróleo seria aquela proporcional ao que se pode consumir no país, no sentido de agregar valor ao petróleo. “A gente constata que, historicamente, nenhum país se desenvolveu exportando petróleo por multinacional. O Brasil é praticamente autossuficiente, está desenvolvendo enormes reservas e pré-sal, aumenta sua produção em velocidade recorde. Nesse sentido, a gente percebe que não é necessário realizar novos leilões para alienar o petróleo brasileiro para multinacionais, porque eles vão produzir para exportar”, disse Coutinho, ao Vermelho.
Na sua avaliação, a realização dos leilões, estabelecendo regras no sentido torna-los mais interessante para o capital estrangeiro, coloca o Brasil em condições de país primário-exportador. “Lançam o país em mais um ciclo do tipo colonial. E esses ciclos beneficiam só o capital estrangeiro e pequenas frações entre os brasileiros, aqueles gestores do projeto colonial. E são ciclos que passam por ascensão e queda. Beneficiam uma minoria em detrimento da minoria, que fica com as migalhas nos períodos de prosperidade e, nos de decadência, ficam com o caos social e ambiental”, criticou.
Desperdiçando oportunidades
Segundo o engenheiro, a escolha deveria ser, ao invés de exportar matéria-prima, agregar valor ao petróleo local, no sentido de produzir derivados petroquímicos, químicos, fármacos, fertilizantes, desenvolvendo uma indústria complexa no Brasil e um setor de serviços atrelado a ela.
“Assim, a gente se apropriaria da renda petroleira, que é todo recurso e todo investimento que esse petróleo pode gerar. Seria uma oportunidade para o Brasil desenvolver setores intensivos em tecnologia, fazendo com que essa renda petroleira ficasse no Brasil, sendo distribuída para amplos setores da sociedade. Mas a opção foi por beneficiar o capital estrangeiro e uma pequena elite brasileira”, encerrou.
Desindustrialização e o discurso falacioso de Temer
Em vídeo nas redes sociais, o presidente Michel Temer comemorou o resultado dos leilões, apesar da arrecadação abaixo do esperado. Segundo ele, as empresas vencedoras devem investir R$ 100 bilhões no Brasil e gerar até 500 mil empregos. Os petroleiros contestam a informação. Segundo eles, a desindustrialização do país é outro retrocesso que está sendo imposto à população com a entrega do pré-sal e o desmonte da política de conteúdo local.
“Temer está aprovando a toque de caixa no Congresso Nacional a Medida Provisória 795, um pacote de isenções fiscais para as petrolíferas. As multinacionais serão as maiores beneficiadas, pois estarão livres de taxações para importar plataformas, equipamentos e demais produtos da cadeia produtiva do setor que poderiam estar sendo construídos no Brasil. O preço dessa renúncia fiscal que Temer e os demais golpistas querem aprovar às pressas custará caro ao país: R$ 1 trilhão, segundo estudos da Assessoria Legislativa da Câmara, e milhares de desempregados”, escreveu a FUP em seu site.
Confira abaixo o resultado dos leilões:
Sul de Gato do Mato: Shell (80%) e Total (20%); bônus de assinatura: R$ 100 milhões
Entorno de Sapinhoá: Petrobras (45%), Repsol (25%) e Shell (30%); bônus de assinatura: R$ 200 milhões
Norte de Carcará: Exxon Mobil (40%), Statoil (40%) e Petrogal (20%); bônus de assinatura: R$ 3 bilhões
Peroba: Petrobras (40%), BP (40%) e CNODC (20%); bônus de assinatura: R$ 2 bilhões
Alto de Cabo Frio Oeste: Shell (55%), CNODC (20%) e QPI (25%); bônus de assinatura: R$ 350 milhões
Alto de Cabo Frio Central: Petrobras (50%) e BP (50%); bônus de assinatura: R$ 500 milhões
Sudoeste de Tartaruga Verde: sem lances
Pau Brasil: sem lances.