O personagem da foto mais reproduzida do mundo também foi fotógrafo
A icônica foto de Che Guevara com sua boina inseparável olhando fixamente o horizonte é a imagem mais reproduzida do mundo. O segundo congelado pelo fotógrafo Alberto Korda estampa cartazes, canecas, camisetas, bolsas ecológicas de todo o mundo. O que nem todo mundo sabe, no entanto, é que este guerrilheiro foi também fotógrafo! Além de jornalista, escritor e claro, político.
Publicado 06/10/2017 15:47
Não são poucas as imagens que registram Che com uma câmera fotográfica nas mãos. Ele realmente gostava de “se arriscar” como fotógrafo. E chegou a trabalhar na área um pouco antes de conhecer Fidel em Cuba e dar início à revolução socialista.
Ele herdou o gosto pela fotografia do pai e entre 1950 e 1960 se dedicou a fazer retratos. Chegou a viajar para o México para cobrir os Jogos Pan-Americanos de 1955 para uma agência argentina.
Mesmo depois da revolução, continuou a exercer a paixão, mas apenas como hobby. Relatos dão conta de que quando foi assassinado na Bolívia, em 9 de outubro de 1967, tinha 12 rolos de filme nos bolsos de sua farda.
História da fotografia de Alberto Korda
“Ao pé da tribuna, coberta com crepe preta, o olho fixado na minha velha Leica, eu metralhava Fidel e todos aqueles que o cercavam. De repente, através da objetiva de 90mm, surgiu Che. Seu olhar me espantou”, diria Alberto Korda anos depois, sobre clássica fotografia do guerrilheiro argentino que virou ícone pop.
Parece mentira, mas a fotografia que imortalizou a imagem de Che só foi usada sete anos depois de ter sido revelada. Isso porque, na época, o objetivo do fotógrafo era registrar Fidel durante o evento público que ambos participavam.
Alberto Korda exibe os negativos das duas fotografias
“Num reflexo, bati duas vezes: uma tomada horizontal, outra vertical. Não tive tempo de fazer uma terceira, ele se retirou discretamente para a segunda fila. De volta ao meu estúdio, revelei o filme e fiz algumas cópias para o Revolución. Preferi enquadrar a foto horizontal de Che para imprimir o clichê vertical, pois uma cabeça aparecia atrás do seu ombro. No entanto, a foto não foi selecionada naquela noite pela redação. Pendurei a cópia na parede do meu estúdio”, disse Korda.
O livro Cuba por Korda, sobre a obra do fotógrafo na revolução, traz a história completa por trás da fotografia:
No início de março de 1960, mais de um ano após a tomada do poder pelos revolucionários, um cargueiro francês da Companhia Geral Transatlântica, La Coubre, chegou ao porto de Havana. Transportava a segunda carga de munições que os cubanos haviam conseguido comprar na Bélgica, apesar das pressões de Washington. Porém, no dia 4, duas explosões enormes sacudiram a cidade. O atentado fez oitenta e um mortos e duzentos feridos em meio aos trabalhadores do porto. Atribuída por Fidel Castro à CIA, esta carnificina pôs fim à toda esperança de reconciliação com os americanos. Um fotógrafo da revista Verde Olivo, Gilberto Ande, flagrou Che socorrendo os feridos. Mas este o proibiu de fotografá-lo. Considerava vergonhoso ser objeto de curiosidade em tais circunstâncias. No dia seguinte, por ocasião dos obséquios das vítimas, Korda postou-se diante do cemitério de Havana, a serviço do jornal Revolución. Fotografava Fidel Castro, que fazia um violento discurso, Che Guevara , e também Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Os intelectuais franceses haviam acabado de chegar a Cuba. Tinham ido testemunhar, por si mesmos, aquela experiência revolucionária que apaixonava todo o mundo. Após seu regresso, Sartre escreveria uma longa série de artigos no France-Soir, com o título “Furacão sobre o açúcar”. E concluiria que “Cuba quer ser Cuba e nada mais”.
Em junho de 1967, sete anos após a explosão de La Coubre, o mundo inteiro se perguntava para onde fora Guevara. Ninguém sabia ainda se estava acendendo outro foco de guerrilha na Bolívia. Enquanto isso, em Havana, o editor italiano Giangiacomo Feltrinelli procurava um belo retrato de Che. Apresentou-se a Korda com uma carda de recomendação de Haydée Santamaría, uma revolucionária de primeira hora. À vista deste sésamo, o fotógrafo lhe deu de presente duas cópias. Em outubro do mesmo ano, Che seria preso e executado pelo exército boliviano. Alguns meses mais tarde, Fidel Castro enviaria o diário de Che na Bolívia a Feltrinelli, que se comprometeu a publicá-lo e reverter os ganhos aos movimentos revolucionários da América Latina. Ao mesmo tempo, o editor imprimiu os primeiros milhares de pôsteres com a foto de Korda. Transformada em símbolo planetário, milhões de exemplares da foto foram difundidos sem o crédito de autoria. Korda nunca tocou em um centavo dos direitos sobre a venda destes cartazes.
Imagens capturadas pelo fotógrafo Che: