Entrevista: Evaldo Lima faz balanço da gestão na Secultfor
À frente da Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) desde janeiro deste ano, Evaldo Lima ainda não viveu um período de trégua com parte da classe artística da Capital. O atraso no pagamento do Edital das Artes de 2016 é um dos embates mais desgastantes.
Publicado 04/10/2017 10:34 | Editado 04/03/2020 16:23

Mas há ainda queixas sobre a falta de diálogo entre a pasta e os agentes culturais, o que teria, mais recentemente, provocado a “tomada”, por parte dos artistas, de um dos eventos mais importante do calendário cultural da Cidade, o Salão de Abril. Sem o apoio da Prefeitura, eles resolveram realizar o Salão de Abril “Sequestrado”, que até 20 de outubro ocupa vários espaços e galerias de Fortaleza.
Em entrevista exclusiva, realizada na última sexta-feira, 29 de setembro, o secretário falou sobre esse e outros temas. Confira:
O POVO – O Salão de Abril foi “sequestrado” pelos artistas, segundo eles, diante de uma falta de ação ou de um interesse da Secultfor em relação à realização deste evento. O que impediu a Secretaria de se manifestar mais assertivamente sobre como e quando aconteceria a mostra?
Evaldo Lima – Esse é um ano difícil. O ano de 2017 é um ano de tormenta, de escassez orçamentária e de retração da economia. Nos últimos 30 anos, é o ano em que ocorreu o menor repasse federal pra Fortaleza. Isso traz implicações muito sérias, muito dramáticas, em todos os setores. O subfinanciamento da saúde, da educação, e da cultura também. Nós compreendemos que a cultura é um direito constitucional, com previsão expressa, enfim, mas é um período de dificuldades da economia. As atividades cuja marca são efemérides, como a marca Salão de Abril… Ficou difícil realizar o Salão de Abril em abril deste ano. Ficou difícil porque tivemos realmente dificuldades de orçamento. Tenho muito respeito, absoluta legitimidade em relação a mobilização dos artistas para a realização deste Salão. Não custa recordar que na sua origem, em 1943, ele era realizado por artistas. Ao passar o mês de abril, quando a gente percebeu esse movimento, eu pedi a uma interlocutora para fazer contato com uma das lideranças, porque era a vontade deste segmento a realização e era a nossa vontade. Nós poderíamos somar esses desejos pra realização de um belo Salão de Abril não obstante as dificuldades orçamentárias. Não houve uma resposta positiva em relação a isso. “Vamos fazer um salão sequestrado”.
Mas qual foi a proposta da Secultfor levou?
Era fazer juntos mesmo. Fazer juntos.
Dividindo de que forma?
Dividindo responsabilidades, pensando a curadoria, pensando o desenho. Mas não chegou a se concretizar essa proposta, não. Foi uma sondagem apenas. Mas sem problema. É absolutamente legítima essa construção. Nós reconhecemos, torcemos pra que seja um belo Salão de Abril, um salão sem os rigores estéticos de seleção. O Salão de Abril na sua tradição é uma curadoria exigente, 30 obras são selecionadas, enfim, todo aquele processo de ênfase à arte contemporânea. Desta feita, não. É um salão mais plural, mais democrático, um salão mais aberto. Que eu acredito que também é um anseio da Cidade.
A prefeitura deu por encerrada qualquer possibilidade de realização do Salão de abril “oficial” este ano?
Eu acredito que o Salão de Abril já está sendo realizado este ano. É legítimo e está sendo realizado. Pelos artistas e sem o apoio da Prefeitura, ponto. Nós reconhecemos a legitimidade e torcemos pra que seja um belo Salão de Abril sem essas amarras, repito, essas amarras estéticas, sem essas dificuldades da natureza da própria gestão pública. O que nós pretendemos fazer: eu avalio que realizar um Salão de Abril neste ano, quando já houve um movimento de realização de um “sequestrado”, seria um confronto que não nos interessa. O Salão de Abril está sendo realizado. Está sendo realizado pelos artistas. Então, não iria contribuir. A história do Salão de Abril é repleta dessas contradições, dessas pluralidades, dessas divergências. Isso é intrínseco ao próprio evento. Então, pra não realizar um salão concorrente ao “Sequestrado”, a nossa ideia é, em dezembro, realizar uma mostra retrospectiva do Salão de Abril. Nós temos um grande acervo de todos esses anos do Salão de Abril – num período pretérito, as obras que eram vencedoras do Salão de abril eram incorporadas ao acervo da Prefeitura, então a gente tem um acervo extraordinário. Estamos recuperando boa parte deste acervo. Uma das diretrizes é a recuperação do acervo de artes plásticas da Cidade, e vamos fazer uma retrospectiva do Salão de Abril e vamos anunciar um grande Salão de Abril, a edição especial de 75 anos, em homenagem também ao centenário de Zenon Barreto, próximo ano.
Em abril?
A ideia é abrir o salão no dia 13. Porque a ideia do Salão é o aniversário da Cidade. E quase nunca aconteceu, né, ao longo desses anos todos….
É, e por isso eu perguntei se ainda havia possibilidade de ainda acontecer este ano.
Fazer um salão este ano é concorrer com um salão que tem a marca da emancipação, da rebeldia, da subversão, que é intrínseco ao Salão. A pluralidade, a riqueza, as contradições do Salão de Abril. Então a nossa ideia é fazer a mostra retrospectiva e nessa mostra anunciar o Salão de Abril a ser aberto no dia 13 de abril de 2018, em homenagem ao centenário de Zenon Barreto.
O desafio é grande, né?
É, o desafio é grande e a gente está trabalhando desde já pra isso.
Como você faz uma autoavaliação da sua gestão? Como analisa o posicionamento que você tinha antes e que tem agora, enquanto gestor, lidando de fato com restrições orçamentárias, com a crítica das pessoas?
Eu acredito numa sociedade fraturada, num estado de exceção, em que há uma vertigem da informação, em que as pessoas passam umas pelas outras e não se reconhecem, em que precisamos de gestos de generosidade e afeto. O campo da cultura tem um papel extraordinário no sentido de construir uma cidade mais generosa, mais justa, mais acolhedora. Somente a cultura pode dar respostas às angústias dessa vertigem da intolerância. Como historiador, o cenário que eu vejo no País nesse instante é algo que remonta a ovo de serpente, a períodos muito graves da sociedade brasileira. É o que angustia muito. Eu acho que a cultura pode responder a isto. Num cenário de dificuldade, o insumo fundamental da cultura é a criatividade, é a sensibilidade, é a inteligência. Apesar de inúmeras dificuldades, (estar da Secultfor) é uma experiência muito generosa, de convivência, de afeto, de conhecimento e reconhecimento da Cidade. E a gente tem contribuído com esse diálogo pra construção de uma Cidade mais generosa, não obstante o enfrentamento que permanece e faz parte da natureza da própria cidade.
Historicamente o campo da cultura é um campo difícil que exige muito diálogo, muito respeito, muita tolerância. Eu tenho procurado fazer isso nos fóruns adequados. Dialogando com os múltiplos atores do movimento cultural de Fortaleza.