Publicado 22/09/2017 17:15
"Somos indígenas e muitos perguntam quem são os indígenas. Nós, indígenas, somos os guardiões da História. Em nossa memória guardamos todas as cores, todos os rumos, todas as palavras e todos os silêncios… Vivemos para que a memória viva não se perca. Nós, indígenas, somos aqueles que, tendo como base a cor da terra que somos, pintamos as primeiras das muitas cores que vivem no mundo. Somos nós, indígenas, que apontamos o tempo do qual viemos, vivendo hoje o nosso passado, para que não se perca e para que não nos percamos." O trecho da Carta Zapatista, escrita no México, em 2001, abre o livro Histórias da Resistência Indígena – 500 Anos de Luta (Editora Expressão Popular), escrito pelo indigenista e doutor em Ciências Sociais Benedito Prezia.
Com 208 páginas, a obra é dividida em cinco partes: Os primeiros contatos, A conquista portuguesa, Do período pombalino à independência, Do Império brasileiro à 1ª República e As lutas atuais. Com textos curtos e vigorosos, o livro enfoca os mais de 500 anos de resistência dos povos indígenas sob o ponto de vista deles. Se a narrativa começa 'amistosa', com a chegada dos portuguesas, aos poucos o clima começa a ficar tenso: os conflitos litorâneos, a conquista do Nordeste, a violência do período bandeirista, as lutas na Amazônia e Centro-Oeste até chegar aos conflitos atuais.
"A conquista da América foi palco de um grande genocídio, talvez o maior da História. Poucos historiadores tiveram a lucidez e a coragem de Tzvetan Todorov, que escreveu que 'se a palavra genocídio foi alguma vez aplicada com precisão a um caso, então é esse. É um recorde, não somente em termos relativos (uma destruição da ordem de 90% ou mais), mas também absolutos, já que estamos falando de uma diminuição da população [indígena] estimada em 70 milhões de seres humanos. Nenhum dos grandes massacres do século XX pode comparar-se a essa hecatombe'", destaca o texto de apresentação.
Para o autor, era importante resgatar essas lutas e evidenciar que os indígenas não aceitaram passivamente o genocídio, ao contrário do que diz grande parte dos livros de história: "Desde 1986, quando estava no Conselho Indigenista Missionário (Cimi), procurava descobrir a trajetória de luta desses povos. Fala-se muito em genocídio, como se esses povos tivessem aceitado passivamente a conquista, sendo mortos como formigas. A maior parte dos livros que trata da história indígena enfoca muito sobre os massacres e a escravização indígena, trazendo pouco das lutas de resistência. Fora a Confederação dos Tamoios e da chamada Guerra dos Bárbaros, pouco se conhece. A história real da resistência e da luta desses povos também continua desconhecida. O nome correto e real desses povos, a descrição dos personagens, das datas e dos locais onde os fatos se sucederam são, em geral, ignorados pelos brasileiros", afirma.
Entre os textos, um deles, Maninha Xukuru-Kariri, Grande Guerreira, traz um recorte de gênero. Prezia destaca a história de Etelvina Santana da Silva, mais conhecida como Maninha Xukuru-Kariri, que sempre acompanhou a luta de seu povo pelo direito à suas terras, em Alagoas. Ela era a única mulher na comissão da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo (Apoinme), em 1995, e a primeira que levantou a questão de gênero entre as lideranças. É sua trajetória que encerra o livro que já está à venda nas livrarias e no site da Editora Expressão Popular.
Inspirado pelo formato de Memórias de Fogo, de Eduardo Galeano, Benedito Prezia levou mais de nove anos para fazer este resgate histórico. "Foi um trabalho de garimpagem, pois não é fácil descobrir essas lutas, pois a história é sempre escrita pelo vencedor. Em algumas áreas não consegui encontrar nada mais específico, como foi o caso do Acre. Isso não significa que não houve lutas, mas que elas ou não foram escritas ou que eu não as identifiquei", aponta Prezia, também autor de Esta Terra Tinha Dono, com co-autoria de Eduardo Hoornaerte, e Brasil Indígena, 500 Anos de Resistência.
Inicialmente, Histórias da Resistência Indígena – 500 Anos de Luta foi pensado para as lideranças indígenas e professores das escolas indígenas, "que precisam conhecer a própria história, pois, muitas vezes, ficam dependentes de publicações oficiais que não têm esse enfoque", pontua o autor. "Outro público que pensei foi o da militância. Estamos num momento político de refluxo e a gente percebe que muitos jovens, mesmo em nível acadêmico, vivem uma desesperança e têm um desconhecimento muito grande dessa história de luta. Espero também que meu livro possa ser também utilizado no meio acadêmico, embora não seja um livro acadêmico. Os livros acadêmicos geralmente ficam restrito às universidades e aos pesquisadores e não chega ao grande público. Mesmo assim tive a preocupação de colocar sempre as referências e as fontes".