Publicado 22/09/2017 17:32
Além de artistas, várias instituições culturais se posicionaram contra as ações do presidente Trump. O MoMA chegou a retirar das paredes quadros do seu acervo permanente e no seu lugar expôs trabalhos de artistas de nações muçulmanas (Irã, Iraque, Síria, Líbia, Somália e Sudão), cujos cidadãos entraram para a lista de barrados. Saíram do quinto andar Picasso, Matisse e Picabia; entraram, quase numa provocação, obras da arquiteta iraquiana Zaha Hadid e do pintor sudanês Ibrahim el-Salahi, entre outros.
Em entrevista, o sociólogo Miguel Chaia comenta que ficou surpreso com o posicionamento do museu. “Por funcionarem dentro da ordem, as instituições tendem a agir como elementos de controle. Normalmente são os artistas e não os museus que protestam. Mas existem momentos de exceção como esse do MoMA”.
Arte e Resistência
Essa grande quantidade de manifestações trouxe à tona novamente a ideia do lugar da arte como um espaço de resistência. Isso esteve presente em inúmeros momentos da história. Em entrevista à revista, a psicanalista Suely Rolnik afirma que a arte pode ser uma forma de militância e servir como veículo para uma mensagem política.
No entanto, há uma dimensão mais profunda que Rolnik chama de potência política da arte. “Na sociedade ocidental capitalista e colonizada, nós perdemos o contato com os conhecimentos tradicionais e com a potência criadora da natureza. Por conta disso, a única atividade humana na qual é possível manter essa germinação é a arte.” Para a psicanalista, a resistência está, portanto, no próprio ato de criação.
Rolnik ressalta que, ainda assim, com a consolidação do neoliberalismo, na década de 1980, o capital começa a se apropriar até mesmo da arte. “Hoje o capital tem uma inserção muito mais sutil e perversa do que anteriormente. Porque ele se alimenta da própria força de criação e nesse sentido a arte levou uma porrada. Quando a comunidade artística se deu conta, começou uma grande movimentação que permanece até hoje.”
Chaia concorda que no momento prevalece um tipo de produção que se aproxima do ativismo. “A relação entre a arte e a política depende do momento histórico. Com a ascensão de Trump e mesmo a de Temer, presenciamos uma politização da arte. Hoje, o artista ganha força como ativista e cidadão que atua no espaço público.”
Para o pesquisador, a diferença é que, em períodos anteriores, as críticas sociais e políticas estavam implícitas nas próprias obras. “Hoje, a resistência está muito mais no ativismo do que nos trabalhos em si. Quando o artista fala ‘Fora Temer’, ele não está produzindo um objeto estético, é um movimento. Há poucas produções que tratam disso.”
Chaia acredita que essa transformação não é boa nem ruim, sendo reflexo de uma nova conjuntura. “Hoje há uma urgência em se expressar, as coisas acontecem muito rápido, não é como no caso de Guernica, de Picasso, que era uma resposta a uma guerra longa.” Ele também cita as redes sociais como importante ferramenta de mobilização, permitindo que as pessoas tomem posições rapidamente. “Mesmo com a ascensão de políticos como Trump, não há censura e ainda há espaço para as pessoas se manifestarem. Antes, a crítica (de artistas) a um contexto político tinha que ser feita na própria obra, não havia outra forma.”
Outro fator apontado pelo pesquisador é a emergência de diversos coletivos de artistas: “não é mais o tempo de uma vanguarda que aponta para uma única direção, são vários grupos que se manifestam”.
Rolnik também comenta essa nova conjuntura: “Desde os anos 1990, o ativismo foi se distanciando da militância tradicional e incorporando novas formas. Isso se dá em vários setores, inclusive na arte. Hoje o ativismo e a arte estão interligados. Já não é mais como nos anos 60, quando de um lado ficava a prática cultural e, do outro, a militância”.
Chaia ainda pontua que é cada vez mais difícil definir o que é a arte ou a política. “São conceitos polissêmicos, não é possível fazer uma definição fechada. E o interessante é que, hoje, assim como a arte se aproxima da política, também acontece o inverso. Doria, por exemplo, está fazendo performances ao se vestir de gari. E, mais ainda, quando ele lança o programa Cidade Linda, há toda uma concepção de estética, do belo, que tem um sentido muito perigoso e autoritário”, afirma.