Publicado 11/09/2017 10:56
A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), acaba de divulgar estudo que aponta que o número de casos de malformações congênitas mais que dobrou nas últimas duas décadas, só no Paraná. De 1994 a 2003, foram registrados 4.238 casos entre os nascidos vivos. De 2003 a 2014, o número passou para 11.787.
Os dados alarmantes estão associados ao uso de agrotóxicos, que deixam um rastro de doenças e mortes nas regiões onde há produção agrícola com uso desses venenos. E a julgar pelo avanço de projetos de lei que incentivam ainda mais o uso de agrotóxicos e transgênicos em um país já campeão no consumo dessas tecnologias, como é o Brasil, a tendência é de agravamento da situação. Muito mais gente estará exposta a riscos ainda maiores de desenvolver diversos tipos de câncer, problemas endocrinológicos, mal de Parkinson, abortos, de gerar filhos com autismo ou até mesmo com malformações.
Dos 1,5 bilhão de hectares de terras agrícolas em todo o mundo, 91% são destinados a culturas anuais altamente dependentes de insumos, como fertilizantes e agrotóxicos, sobretudo monoculturas de trigo, arroz, milho, algodão e soja – caso de boa parte das terras paranaenses.
Mas, ao contrário do discurso dos fabricantes de agrotóxicos e plantas transgênicas – muitas delas desenvolvidas justamente para não morrer ao receber doses cada vez maiores de agrotóxicos –, é possível sim produzir alimentos para todos sem o uso dessas tecnologias.
Bases
Para se ter uma ideia, de todas essas terras cultivadas, apenas 10 a 15% são manejados por agricultores tradicionais. Em seu livro Agroecologia: Bases Científicas para uma Agricultura Sustentável (Expressão Popular/AS-PTA), o professor de Agroecologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, o agrônomo Miguel Altieri, destaca que na América Latina, por exemplo, cerca de 17 milhões de unidades camponesas, com menos de dois hectares, produzem 51% do milho, 77% do feijão e 61% das batatas para o consumo doméstico.
Só no Brasil há cerca de 4,8 milhões de agricultores familiares (85% de todos os agricultores) que ocupam 30% do total da terra agrícola do país. E mesmo assim respondem por 33% da área plantada com milho, 61% com feijão e 64% com mandioca, somando 84% do total de mandioca e 67% de todo o feijão.
Longe de serem atrasadas e improdutivas, segundo ele, essas propriedades são proporcionalmente mais produtivas que as grandes e chegam a prover 20% da oferta mundial de alimentos. E ainda criam 10% mais empregos permanentes, proporcionam aumento de 20% nas vendas no varejo e aumentam a renda local em 37%. Além disso, pequenos agricultores ainda preservam melhor os recursos naturais, reduzindo a erosão do solo e protegendo mais a biodiversidade.
De acordo com Altieri, estudos mostram que a agricultura tradicional consegue produzir o ano todo e prosperar sem o uso de agrotóxicos, em sistemas com elevada diversidade vegetal, na forma de policulturas e/ou sistemas agroflorestais dotados de plantas ricas em nutrientes, insetos predadores, polinizadoras, bactérias e outros organismos que desempenham funções ecológicas benéficas.
E que a forte base ecológica dessas pequenas propriedades têm muito a ensinar aos agroecólogos, que devem dar suporte aos movimentos sociais do campo que se opõem à agricultura industrial em todas as suas manifestações. Assim como os consumidores, que devem apoiar mercados mais solidários e equitativos, que não perpetuem o modelo colonial da “agricultura do pobre para o rico”, mas que, ao contrário, representam um modelo que alavanca pequenas propriedades diversificadas como base para sólidas economias rurais.
“Tais economias não só proporcionarão uma produção sustentável de alimentos saudáveis, agroecologicamente produzidos e acessíveis a todos, mas também permitirão que povos indígenas e pequenos produtores continuem o seu trabalho milenar de promover e conservar a biodiversidade agrícola e natural da qual todos nós dependemos hoje e dependeremos ainda mais no futuro”, conclui o autor.
Altieri é um dos mais de 240 especialistas convidados para palestrar no 6º Congresso Latino-americano de Agroecologia, no qual estão inseridos o 10º Congresso Brasileiro de Agroecologia e o 5º Seminário de Agroecologia do Distrito Federal e Entorno.
O evento conjunto, que começa na terça-feira (12) e vai até no dia 15, Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, marca a Semana do Cerrado, bioma que há tempos está no centro de disputas fundiária, mineral, ambiental, cultural, desenvolvimentista e agrária.
E que, sob o governo Temer, vê avançarem projetos que beneficiam a mineração, estimulam o desmatamento, acirram os conflitos agrários, ao fragilizar direitos de camponeses, indígenas e outras populações tradicionais, além de incentivar ainda mais o uso de agrotóxicos e transgênicos.
Entre os principais temas, alimentação saudável, água, saberes populares e tradicionais da saúde, sociobiodiversidade, sustentabilidade, educação, agricultura urbana e reforma agrária – esta última fundamental para o acesso à terra e para a garantia de criação e manutenção de pequenas propriedades camponesas.
Além de atualização científica, o evento é também espaço de diálogo com a sociedade sobre a ampla temática da agroecologia, seus avanços, desafios e a problemática social e também pretexto para o debate sobre as soluções para todos esses temas.
Haverá ainda feira de troca de sementes crioulas e florestais, que representa o contraponto à investida da indústria de sementes, especialmente transgênicas, e a conquista da autonomia produtiva e soberania alimentar por parte dos pequenos agricultores.