"Só haverá crescimento quando salários subirem", diz Sicsú
Na China, Michel Temer diz que Brasil "está aberto aos grandes investimentos". Mas, para professor da UFRJ, só haverá crescimento quando salários subirem, as pessoas tiverem crédito e começarem a comprar.
Por Eduardo Maretti, da RBA
Publicado 04/09/2017 20:28
No último fim de semana, na abertura do Fórum Empresarial do Brics, em Xiamen, na China, o presidente Michel Temer fez um discurso garantindo que “o Brasil está aberto aos grandes investimentos”. Disse que seu governo tem "conduzido reformas que há muito tempo foram adiadas, mas que restituem a saúde fiscal do Estado brasileiro". Também declarou que "são fortes a confiança e o otimismo no nosso país". Acrescentou que o “trabalho” de seu governo tem “duas vertentes maiores: pôr em ordem as contas públicas e aprimorar o ambiente de negócios”.
O economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera que, para resumir, a conclusão do discurso é que o governo trabalha para fazer um ajuste e melhorar o ambiente de negócios. “Só que esse modelo tem sido tentado mundo afora, dentro dos projetos de austeridade fiscal, e tem falhado, porque empresários não investem simplesmente porque o governo tem contas equilibradas ou porque o ambiente de negócios é favorável, no sentido de ter segurança jurídica. Empresários investem se esperam vender o que vão produzir”, diz.
Na avaliação de Sicsú, a ideia que Temer reproduz é a conhecida máxima da chamada “fada da confiança”, utilizada pelo prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. “Essa fada madrinha que, com as contas do governo ‘equilibradas’ e o ambiente de negócios sem riscos jurídicos, com sua varinha, abençoa uma economia e os empresários começam a investir, não existe”, diz. “O Brasil só vai ter crescimento, investimento e geração de emprego quando houver impulso de demanda, quando os salários subirem, o próprio governo realizar investimentos, as pessoas tomarem crédito e começarem a comprar. Não pela existência da fada madrinha.”
Krugman escreveu, em artigo de 2015, em que critica a "elite política de ambos os lados do Atlântico": "As políticas de austeridade que foram postas em prática em 2010 tiveram exatamente os efeitos deprimentes descritos pelos livros didáticos de economia. A fada da confiança nunca apareceu".
O economista da UFRJ volta a criticar a opção da austeridade como um caminho que não traz o que dele se espera. “Nenhum país que fez esse caminho, até hoje, equilibrou suas contas, e o exemplo são os que mais seguiram essa regra: Grécia, Espanha, Itália.” Ele destaca que, embora não tenha ainda feito nenhuma mudança estrutural, Portugal é um país que está mostrando resultados positivos justamente por estar se desviando do “projeto puro de austeridade fiscal”.
O país ibérico deu aumento ao funcionalismo público e aos benefícios sociais e, portanto, expandiu a demanda e o consumo. A economia começou a crescer, aumentou a arrecadação e as contas públicas estão melhores do que as dos países que mantiveram o caminho da austeridade. “O caso atual de Portugal é resultado de desvio do projeto original de austeridade fiscal, dando aumento para o funcionalismo público e reajustando benefícios sociais, o que dinamiza a economia via comércio, consumo e arrecadação.”
Para Sicsú, o crescimento de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no segundo trimestre deste ano (abril a junho) seria positivo, se não fossem as condições nas quais se deu. “Foi baseado no aumento de consumo e, tudo indica, esse aumento de consumo foi resultante dos saques do FGTS. Não vão ocorrer saques em todos os trimestres. Isso mostra que o que recupera uma economia é gasto privado e público, nesse caso, gasto privado – a origem são os saques do FGTS”, avalia. “Infelizmente, não vamos ter gastos privados crescentes nos trimestres à frente, mas há uma coisa muito importante: quando é dado dinheiro para os mais pobres, eles gastam e isso estimula a economia.”
Emprego precário
Segundo avaliação do Dieese, o tipo de emprego criado no atual contexto de recessão é ineficiente para que a taxa de ocupação retorne a patamares de antes da crise. Além disso, se dá em bases precárias. O emprego criado até o final de 2014 tinha como destaque a estruturação do mercado de trabalho, o que não ocorre agora.
De acordo com a instituição, a taxa de desemprego foi estimada em 12,8% no trimestre de maio a julho de 2017, o que representa redução de 0,8 ponto percentual em relação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%).
O Dieese observa que a regra dos empregos gerados se dá na informalidade. Houve crescimento de 4,6% dos empregados no setor privado sem carteira assinada e de 1,6% dos trabalhadores por conta própria. E o emprego no setor privado com carteira assinada teve redução de 2,9%.
Outro indicador de piora nas condições de trabalho é o rendimento. O “rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos” foi de R$ 2.106,00 no trimestre de maio a julho de 2017, menor do que o verificado no trimestre anterior, de R$ 2.111,00.