Publicado 30/08/2017 17:02
“O haitiano distribui currículo, procura serviço, mas até hoje não aparece trabalho pra ele. Estamos com essa dificuldade maior no momento”, conta Wismick Joseph, presidente da Associação de Haitianos de Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina.
De 2011 a 2015, o Brasil concedeu 51 mil autorizações de trabalho aos haitianos. Santa Catarina é o estado que mais concentra essa mão de obra. É também onde os níveis de desemprego são mais baixos: 7,9% no primeiro trimestre de 2017, abaixo da média nacional, que no mesmo período atingiu 13,3%. No entanto, o aumento do número de pessoas desempregadas e a crise econômica afetou também os imigrantes haitianos que vinham para Santa Catarina em busca da garantia de emprego formal.
Em 2015, segundo pesquisa realizada pelo economista Luis Felipe Magalhães, do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo), da Unicamp, cerca de 9 mil haitianos estavam empregados no estado, representando 57% do total de estrangeiros com trabalho formal. Esses imigrantes vivem nas regiões do Litoral, Vale do Itajaí e Oeste catarinense. Trabalham principalmente na construção civil, limpeza e agroindústria.
Mas as coisas estão mais difíceis, como explica o padre Joaquim Filippin, da Pastoral do Migrante de Florianópolis. “Há três anos tinha até trabalho. Depois com a crise que sofrem os brasileiros, sofrem muito mais os imigrantes, porque se a empresa tem três empregados, o primeiro que bota pra fora é o estrangeiro”.
É o caso do pastor Altes Petiote, desempregado há dois anos e que vive das doações de fiéis. “A vida está muito difícil, eu creio que ainda vou conseguir um serviço. Dá para viver aqui no Brasil, porque lá no Haiti a vida é muito difícil”, afirma Petiote.
A realidade é a mesma no oeste catarinense, onde, de acordo com a Polícia Federal, 90% dos estrangeiros residentes em Chapecó são haitianos. Segundo a advogada e membro da Pastoral do Migrante de Chapecó Deisemara Langoski, com a crise econômica e os recentes escândalos relacionados aos frigoríficos da Brasil Foods e JBS – Friboi, houve demissões em massa e os primeiros a serem dispensados foram os haitianos.
Marie Merlande Divers, imigrante haitiana e estudante de administração da Universidade Federal da Fronteira Sul, em Chapecó, gostaria de trabalhar. Ela procurou emprego em supermercados e no comércio, mas só há vagas na indústria agropecuária, onde o trabalho é ainda mais precarizado para haitianos. “Eu estive conversando com uma amiga minha e ela me contou que tem trabalho dentro dos frigoríficos que quando é pra brasileiros, eles colocam três brasileiros para fazer o trabalho, mas quando é com eles [haitianos] eles colocavam só um”.
A precarização e situação análoga à escravidão também foi denunciada pela pesquisa do economista. “As violações mais comuns eram descontar dos salários um valor referente à moradia, muitas vezes precária, a alocação discriminatória – concentrar os haitianos em setores que registram mais acidentes e adoecimentos ou que são mais desgastantes -, e contratos trabalhistas com cláusulas desfavoráveis ao trabalhador que, sem entender português, assina documentos em que abre mão de direitos em caso de demissão, por exemplo”.
A advogada Deisemara ainda diz que depois de 2015, ano em que Magalhães colheu os dados nos frigoríficos catarinenses, as empresas não autorizam mais a entrada de pesquisadores ou jornalistas nos locais de trabalho. O Brasil de Fato também solicitou entrevista à BR Foods, que controla a Sadia e a Perdigão. No entanto, não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Origem da migração
O Brasil começou a receber imigrantes haitianos após o terremoto de 2010. Com o desastre gerado pelo furacão Matthew, em outubro do ano passado, houve uma nova onda de migração do país caribenho para o Brasil.
A concentração dessa migração gerou a criação de associações de haitianos, como a de Balneário Camboriú. “E nós, como estrangeiros de um país que está quase acabado, que é o Haiti, nós estamos aqui e o que temos que fazer? Unir, ficar junto, pra um ajudar o outro e por isso que nós criamos a associação para um ajudar o outro”, afirma o presidente da entidade Wismick Joseph.
Com reuniões mensais, a associação ajuda os imigrantes desempregados com comida e dinheiro, além de orientar na renovação dos documentos, como passaporte. Eles pleiteiam junto à Câmara de Vereadores do município que a associação seja registrada como de utilidade pública.
“A utilidade pública pode viabilizar parcerias, convênios entre associações com o poder público municipal. Isso é um pré-requisito para, por exemplo, o município ajudar no custeio ou no aluguel de uma sede pra associação”, afirma Eduardo Zanatta, chefe de gabinete do vereador Pedro Francez (PR), autor do projeto de lei.
Dificuldades e falta de apoio do poder público
Apesar do grande volume de haitianos, falta suporte do poder público. Em Balneário, a Associação tenta articular, junto ao prefeito Fabrício Oliveira (PSB), um curso de língua portuguesa para a população haitiana que reside no município.
Na capital catarinense, a Pastoral do Migrante tenta tornar realidade o Centro de Referência e Apoio ao Imigrante (CRAI), projeto que seria viabilizado numa parceira entre governos federal e estadual. A equipe para trabalhar no Centro já foi selecionada pela Arquidiocese de Florianópolis, mas segundo o padre Joaquim Filippin falta um espaço físico e verbas da União para pagar os profissionais.
Outras dificuldades enfrentadas pela comunidade haitiana são a falta de experiência de trabalho e os tramites burocráticos para o reconhecimento do diploma de graduação no Brasil.
Segundo Joseph, muitos imigrantes não conseguem ser empregados na sua área de atuação no país de origem, mas pelas dificuldades financeiras aceitam até mesmo trabalhos que não sabem realizar. “Um haitiano, chegando ao Brasil nunca trabalhou [aqui], ele vai ter experiência? Não vai ter. Mesmo sabendo ou não sabendo. Ele vai. Vai ser contratado, faz exame tudo, mas começa a trabalhar e não dá, não sabe fazer aquilo e aí vai cumprir a experiência de 45 dias ou três meses e vai ser demitido”, relata.
Brasil: destino economicamente seguro?
“Eu sempre digo que sou muito grata pelo Brasil ter sido tão hospitaleiro no sentido de acolher a gente depois do terremoto, porque o Haiti estava bem mal. Mas no sentido de encontrar um trabalho é bem difícil”, garante a estudante Marie Divers.
A Pastoral do Migrante de Florianópolis que costumava atender cerca de 100 imigrantes ao dia, em 2016, agora atende apenas 40. Também, em 2017, foram registrados seis casos de imigrantes em situação de rua.
Em Balneário Camboriú, cerca de 80% dos haitianos está desempregado. “Você tem esperança de um dia conseguir um emprego, mas cada um tem sua opinião. Tem gente que tem uma condição melhor no Haiti, mas para mim aqui ainda é melhor”, diz Wismick Joseph.