Como a falência das políticas públicas no Rio afeta as mulheres
A crise financeira do Rio de Janeiro, junto da falência de políticas públicas nas áreas de saúde e segurança, combinada ainda ao aumento do desemprego, tem causado uma onda extrema de violência pela cidade. Nesse cenário, os mais afetados são os moradores e moradoras de bairros humildes e das comunidades
Por Alessandra Monterastelli*
Publicado 23/08/2017 18:43
O Rio passa agora por uma grande crise que compromete a prestação de serviços essenciais à população: hospitais estaduais não têm conseguido renovar contratos com prestadores de serviços e se veem forçados a suspender certas atividades; segundo dados da Carta Capital em matéria do dia 8 de agosto, a criminalidade cresce em níveis assustadores. No primeiro semestre, o estado registrou 3.457 mortes violentas, maior número desde 2009. No fim de julho, pela décima vez em dez anos, o estado recorreu à intervenção das Forças Armadas. Cerca de 8,5 mil militares reforçarão o patrulhamento até 31 de dezembro, podendo ficar até o fim de 2018. Além disso, a matéria informa que o desemprego atingiu, no primeiro trimestre de 2017, 14,5% da população em idade ativa (14 anos ou mais), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE. A retração no consumo das famílias brasileiras, que despencou 10% entre o último trimestre de 2014 e o primeiro de 2017.
A violência e o desemprego
Grandes veículos estão chamando a situação do Rio de “guerra”, definição muito criticada por especialistas e outros meios de comunicação. Em matéria do El País intitulada “Afinal, o Rio de Janeiro está ou não em guerra?”, o jornal apresenta que o fracasso da política de segurança é o termo mais repetido por quem alerta sobre o equívoco de dizer que o Rio está em guerra. Atila Roque, ex-diretor da Anistia Internacional, explicou em entrevista para o jornal espanhol que “é fácil recorrer à imagem da guerra sem muita reflexão, porque nos últimos anos fomos nos deixando contaminar pela retórica bélica; mas a discussão aqui não é meramente conceitual. Ela remete a décadas de falência de uma política pública na área de segurança que foi incapaz, ao logo de toda a transição democrática, e particularmente no Rio, de garantir a segurança dos seus cidadãos", diz Roque. "O debate sobre se é guerra ou não é guerra acaba funcionando como uma espécie de cortina de fumaça do fracasso de políticas públicas ancoradas no confronto e que cobram um preço altíssimo da polícia e dos moradores”.
"Guerra” remete a ideia de que a solução é de fato bélica, podendo facilitar a justificativa de ocorrências de violações de direitos humanos durante os confrontos entre PMs e traficantes, ou durante as invasões das favelas do Rio pelos agentes militares. O estado de caos em situações de guerra faz com que as mulheres sofram não somente com a violência física e com a perda de entes queridos, mas também com a violência sexual. “Quando você não tem segurança e serviço, a vulnerabilidade da mulher diante da questão da violência de gênero aumenta. O desmonte das políticas públicas deixa as mulheres sem ter a quem recorrer. Assim, a violência aumenta enquanto os espaços de socorro deixam a existir devido ao seu sucateamento” explica em entrevista para o Portal Vermelho Ana Maria Rocha, ex-secretária do Política para as Mulheres do Rio de Janeiro, Coordenadora do Fórum Nacional das Mulheres e do Centro de Estudos e Pesquisas da UBM (União Brasileira de Mulheres). “A violência ataca especialmente os jovens negros da periferia, portanto as mães perdem seus filhos; a população do rio vive sob o impacto de uma onda de violência, consequência da falência de políticas públicas, da segurança pública, do sistema de saúde e do aumento do desemprego”.
Sobre a crise no setor da empregabilidade, a Coordenadora reitera: “a situação no rio está enfrentando uma crise generalizada, com a falência de vários setores econômicos. Empresas estatais sofreram o impacto. O setor naval faliu, o que resultou no desemprego em massa dos metalúrgicos. O governo não paga salários de funcionários de todo serviço público. A crise do estado impacta o povo. Afeta o emprego, as condições de vida da população e a segurança”.
O sistema de saúde
Nelson Nahon, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio, afirmou, ainda na matéria da Carta Capital, que o estado vive uma grave crise sanitária. “O estado deveria investir ao menos 12% de suas receitas em saúde, mas não aplica nem metade disso. Na verdade, o sucateamento atinge unidades de saúde geridas pelas três esferas de governo. Uma fiscalização nos 19 hospitais federais e estaduais do Rio com serviços de oncologia revela que, entre o diagnóstico e o início do tratamento, os pacientes com câncer aguardam de 10 a 12 meses, contrariando a Lei nº 12.732/2012, que obriga a iniciar os cuidados em, no máximo, 60 dias. Por falta de recursos humanos e financeiros, vários serviços estão sendo fechados. ”
No dia 16 de agosto o Brasil de Fato publicou uma matéria anunciando a agravação da crise na saúde pública no Rio, causando cada vez mais a redução de serviços em hospitais e unidades de atendimento municipais, estaduais e federais. O prefeito da cidade, Marcelo Crivella (PRB) confirmou o corte de repasses para o sistema de saúde municipal, sem dar muitos detalhes de como será feito o procedimento.
“Visitei os hospitais, tá tudo depredado” conta, em depoimento ao Portal Vermelho, Rejane de Almeida (PCdoB), deputada estadual do Rio de Janeiro, ex-presidenta do Coren-RJ (Conselho Regional de Enfermagem). “O governo federal não renovou os contratos com os hospitais e institutos da área de saúde; isso causará o colapso da rede de saúde. Várias Organizações Sociais que administram unidade de saúde da Prefeitura do Rio fecharam as portas. O hospital Melchiades Calazans, por exemplo, já está fechado”.
A deputada conta ainda que o corte de repasses devido à falta de recursos do município “está acarretando no fechamento da rede básica de saúde, que é responsável pelas Clinicas da Família; essas cuidam, por exemplo, do acompanhamento pré-natal das mulheres, além de exames ginecológicos e prevenção do câncer de mama. A tendência é a diminuição de exames e atendimento em toda parte preventiva da área de saúde”. Para a deputada, “a causa disso é o arrocho do Estado. As empresas, por sua vez, fogem do rio, pois não há incentivo nenhum para que estas fiquem”.
A crise tem contribuído para agravar a situação da população humilde que depende do sistema de saúde público; essas pessoas são as mesmas afetadas pela grave onda de violência, por morarem próximas dos confrontos diretos, travados em sua maioria nos morros e nas comunidades. As mulheres que já resistem e lutam por melhores condições em um cotidiano de pobreza e machismo, diante desse cenário podem estar ainda mais ameaçadas com o agravante da diminuição na supervisão de seus direitos e de sua segurança.
Abaixo, uma fotorreportagem do El País sobre a resistência feminina nos morros do Rio: