EUA continuam sem estratégia no Afeganistão
Trump não ofereceu uma visão política nova, mas a simples continuidade de uma guerra que ninguém pode ganhar. O que ele anunciou soa a mais combates e mais mortes, opina a correspondente
Por Sandra Petersmann*
Publicado 22/08/2017 13:07
Novo é apenas o tom adotado por Trump. "Não estamos mais 'construindo nação', estamos matando terroristas." Com isso, ele se afasta das máscaras verbais de muitos políticos ocidentais.
Também os seus dois antecessores, os presidentes George W. Bush e Barack Obama, justificaram a invasão do Afeganistão com a exportação de democracia e a proteção dos direitos humanos – embora os dois presidentes, na carência de uma estratégia política, sempre tenham concedido primazia aos militares. Assim como Trump faz agora.
Trump deixou claro que é do mais estrito interesse americano lutar no Afeganistão. Ele herdou "problemas grandes e complicados" por lá, mas é alguém "que resolve problemas". "E, no final, sairemos vencedores", acrescentou. Ele não disse o que isso significaria politicamente. "Vamos lutar para vencer. A partir de agora, vitória passa a ter uma definição clara: atacar nossos inimigos, extinguir o EI ["Estado Islâmico"], destruir a Al Qaeda, impedir o Talibã de dominar o Afeganistão." Ele vai precisar de muito, mas muito tempo para alcançar tudo isso. E o que acontecerá se cada vez mais caixões com soldados americanos mortos em combate retornarem para casa?
Trump não deu números sobre o planejado reforço das tropas nem falou sobre um limite temporal para a missão. Apenas: "A realidade no terreno, e não cronogramas arbitrários, vão guiar nossa estratégia a partir de agora."
O presidente anunciou que vai flexibilizar as regras para as missões de soldados americanos. "Microgestão a partir de Washington não vence batalhas", disse, e acrescentou que soldados no front precisam poder "tomar decisões na hora". Isso soa a mais drones, a mais ataques aéreos, a mais combates e tiros. A mais guerra e morte. Soa a algo bem conhecido. Sob Trump, os Estados Unidos estão de volta às missões de combate. Os parceiros na Otan não vão gostar disso. Há semanas eles já sinalizaram apoio, mas deve-se evitar, sob todas as circunstâncias, a impressão de que a Otan está em guerra no Afeganistão. Esse equilíbrio não vai ser possível no longo prazo.
Bem conhecidas são também as ameaças verbais na direção do Paquistão. "Não podemos mais nos calar sobre os refúgios para a atuação de organizações terroristas, do Talibã e de outros grupos no Paquistão", ressaltou Trump. Isso já havia sido dito por outros: Obama, Clinton, Cheney, Rumsfeld. Todos falaram sobre o suposto jogo duplo paquistanês no campo de batalha afegão. Reclamaram, ameaçaram, vez por outra fecharam a torneira de dinheiro. E ficou tudo por isso mesmo.
O Paquistão, afinal, tem armas nucleares e é indispensável como parceiro. O abastecimento das próprias tropas no Afeganistão depende do Paquistão. Trump conclamou o Paquistão a "provar seu empenho pela civilização, pela ordem e pela paz". Mas o que ele fará se o Paquistão continuar a perseguir seus próprios objetivos? Impor sanções? Enviar ainda mais drones? Cortar toda ajuda militar? Enviar juras de amor à Índia? Isso fortaleceria ainda mais a posição da China.
No mais tardar aqui fica claro que Trump não puxou um ás da manga, uma visão política que contemple toda a região. Esse já fora o erro fundamental há 16 anos, no início da invasão liderada pelos Estados Unidos. O campo de batalha afegão estava e está lotado.
Não se trata apenas do Paquistão. Também Índia, Irã, Rússia, China e Arábia Saudita perseguem interesses próprios. E todos encontram aliados no Afeganistão. Alianças são frágeis, elas se formam sempre em torno dos próprios interesses. Os vários atores se desestabilizam mutuamente, e há décadas que o Afeganistão é um palco para guerras por procuração, ideológicas e militares.
Serve aos interesses dos atores estrangeiros que o Afeganistão, depois de quase quatro décadas de guerra contínua, esteja fragmentado política, social e etnicamente. A intervenção ocidental, há 16 anos, entrou numa guerra civil irresoluta. Não há um governo de unidade em Cabul. A aliança do presidente Ashraf Ghani com o líder do governo, Abdullah Abdullah, é profundamente dividida. O vice-presidente deixou o país para escapar de investigações sobre o suposto sequestro e estupro de um rival político.
Líderes regionais, como o governador Atta Noor, da província nortista de Balkh, exibem-se como reis absolutistas. Isso acontece porque o Ocidente os apoia e financia como supostos estabilizadores. A tais reis é permitido serem corruptos, terem milícias próprias e amedrontar a população. Isso leva a um crescente distanciamento entre o governo em Cabul e os cidadãos e serve aos interesses do Talibã. A cultura da impunidade é uma garantia para o terrorismo.
Também Trump será obrigado a reconhecer que não se pode chegar à vitória no Afeganistão com o uso de bombas. Em algum momento, negociações longas e complicadas vão se mostrar necessárias, e isso acontecerá quando todos estiverem exaustos. Este é o atual estado das coisas: nenhuma estratégia nova, mas a continuidade da guerra que ninguém pode ganhar. Terrorismo sempre é, também, uma resposta a um vácuo político.