Venezuela rechaça decisão do Mercosul e aponta "grosseira ingerência"
Neste sábado (5), os chanceleres dos países fundadores do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) decidiram “aplicar a cláusula democrática”, que amplia a suspensão da Venezuela do bloco regional. Em reação, a chancelaria venezuelana emitiu nota, classificando como "improcedente" a determinação, e alertou sobre uma "grosseira ingerência dos que distorcem os caminhos legais para provocar intervenções erráticas, violadoras dos mais elementares princípios do direito internacional".
Publicado 06/08/2017 11:41
De acordo com o ministro das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, que rechaçou de pronto a suspensão, "nefastos interesses contrários à integração transformaram o Mercosul em um órgão de perseguição política contra a Venezuela".
Após a reunião extrardinária do bloco, neste sábado, o chanceler do Brasil, Aloysio Nunes, informou em coletiva de imprensa na sede da Prefeitura de São Paulo, que os participantes do encontro determinaram uma “suspensão de natureza política, por consenso, contra a Venezuela”.
Para Arreaza, os chenceleres pretendem aplicar ilegalmente à Venezuela o Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul. Segundo ele, a decisão "não corresponde a Ushuaia, nem às regras do Direito Internacional nem ao sistema normativo fundacional e derivado do Mercosul; pelo contrário, constitui uma corrupção da integridade do sistema legal organizacional que busca posicionar uma matriz midiática para justificar sanções injustas, carentes de sustentação jurídica e inclusive inexistentes dentro do ordenamento constitutivo da organização", escreveu.
A chancelaria venezuelana aproveitou para tecer críticas à situação do Brasil, onde a presidenta eleita foi afastada por um golpe parlamentar. "O único governo ao qual legalmente deveria aplicar-se o Protocolo de Ushuaia é o que hoje governa mal o Brasil, encabeçado por uma tragicomédia de máfias econômicas e parlamentares que nem sequer gozam da legitimidade do voto", disse.
Em entrevista a uma rádio argentina, o próprio presidente da venezuela, Nicolás Maduro, havia dito que "nunca vão tirar a Venezuela do Mercosul". "Não vão tirar a Venezuela do Mercosul. Nunca. Somos Mercosul de alma, coração e vida. Algumas oligarquias golpistas, como a do Brasil, ou miseráveis, como a que governa a Argentina, poderão tentar mil vezes, mas sempre estaremos aí", afirmou.
O secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, emitiu uma declaração em nome do partido sobre a suspensão da Venezuela. “Trata-se de uma decisão infame, tomada por um governo ilegítimo que cobre de ignomínia o Brasil e seu povo, ao patrocinar e sediar a reunião. A decisão contraria o espírito democrático e fraterno de nosso povo, as relações de amizade entre brasileiros e demais povos latino-americanos com a nação irmã. O despautério dos chanceleres dos países fundadores do Mercosul não encontra respaldo no Direito Internacional nem no Protocolo de Ushuaia. Carente de fundamentos, baseada em falsos pretextos, é uma decisão inválida”, expressou o dirigente comunista.
Também em nota, o líder da Bancada do PT no Senado, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), condenou a suspensão da Venezuela do Mercosul e advertiu que “ao tomar essa triste e equivocada decisão, o Conselho do Mercado Comum aposta, obedecendo a interesses externos, no isolamento diplomático da Venezuela e no acirramento de seu conflito interno, em vez de investir no diálogo, na integração e na paz”.
"Não houve ruptura da ordem democrática na Venezuela. A convocação da Assembleia Constituinte pelo presidente da república está prevista clara e explicitamente no artigo 348 da Constituição da Venezuela. Ademais, tal convocação representa uma aposta na solução do grave conflito interno daquele país pelo meio mais democrático que se conhece: o voto popular, algo que governo golpista e sem voto do Brasil é incapaz de valorizar", escreveu o senador.
Leia abaixo a íntegra do cominicado do governo bolivariano da Venezuela.
A República Bolivariana da Venezuela alerta os povos do mundo ante a grosseira ingerência dos que distorcem os caminhos legais para provocar intervenções erráticas, violadoras dos mais elementares princípios do direito nternacional. Nefastos interesses contráros à integração transformaram o Mercosul em um órgão de perseguição política contra a Venezuela ao procurar avançar em uma senda de ilegalidade e intolerância política semelhante à que foi submetida a República de Cuba nos anos 60 do século passado.
A Venezuela ratifica enfaticamente que é improcedente a aplicação do Protocolo de Ushuaia, toda vez que se fundamenta em falsas suposições, em presunções ilegítimas que não correspondem aos fins legais compatíveis com as disposições de tal normativa. É a segunda vez, em menos de um ano, que se pretende arbitrariamente suspender a Venezuela da organização mediante argumentos artificiais, o que é uma clara mostra do tom intervencionista e afastado do Direito, desses chanceleres da nova Tríplice Aliança, assim como da verdadeira intenção política que os motiva. Ficarão marcados pela história os nomes dos presidentes e chanceleres que tomaram esta aberrante e ilegal decisão.
A utilização da declaração dos quatro chanceleres do 1º de abril de 2017, assinalada como preâmbulo deste novo Comunicado de hoje, não corresponde a Ushuaia, nem às regras do Direito Internacional nem ao sistema normativo fundacional e derivado do Mercosul; pelo contrário, constitui uma corrupção da integridade do sistema legal organizacional que busca posicionar uma matriz midiática para justificar sanções injustas, carentes de sustentação jurídica e inclusive inexistentes dentro do ordenamento constitutivo da organização.
É mister revelar à comunidade internacional, a falsidade em torno do suposto desinteresse da Venezuela por participar de uma reunião para avançar em soluções construtivas e ajustadas à norma. A República Bolivariana da Venezuela confirmou, ampla e suficientemente, por missiva de seu chanceler datada de 27 de julho de 2017, a disposição ao diálogo sincero, propondo a realização de uma reunião na cidade de Caracas durante a primeira semana de agosto de 2017, com observância aos princípios do Direito Internacional e ao respeito mútuo, no devido reconhecimento à causa arbitral interposta pela Venezuela contra o restante dos Estados Partes e à condição plena da Venezuela como membro da organização; nunca no marco de espúrias pretensões de aplicabilidade do Protocolo de Ushuaia.
Se em torno de princípios e da proteção da democracia se abrisse um debate, seriam os governos que hoje condenam a Venezuela os que teriam que “justificar” por que não ratificaram seu compromiso com o acervo democrático regional, através dos Protocolos de Ushuaia I e Ushuaia II; dos quais, certamente, a República Bolivariana da Venezuela, como Estado Parte do Mercosul é a única que completou os trâmites internos para convertê-los em direito positivo e vigente dentro de seu ordenamento jurídico constitucional.
O único governo ao qual legalmente deveria aplicar-se o Protocolo de Ushuaia é o que hoje governa mal o Brasil, encabeçado por uma tragicomédia de máfias econômicas e parlamentares que nem sequer gozam da legitimidade do voto, que ostentam, sim, o governo do presidente Nicolás Maduro e nossa flamante e soberana Assembleia Nacional Constituinte recém instalada em Caracas com todo o apoio de um povo que deseja a paz.
A República Bolivariana da Venezuela, fiel a sua vocação integracionista legada pelo Comandante Hugo Chávez, reitera o chamado à razão, insta ao respeito à autodeterminação de nossos povos, reclama a observância às normas do Direito Internacional e exige o fim das ações antijurídicas de assédio em prejuízo dos direitos da Venezuela como Estado Parte do Mercosul e como povo livre, soberano e independente de Nossa América.
Nada nem ninguém pode suspender-nos ilegalmente do Mercosul. A Venezuela é Mercosul porque está semeada no coração de seus povos e não poderão evitar que sigamos pulsando como a esperança de libertação e justiça de milhões.
Caracas, 05.08.17