Greve Geral de 1917, a primeira greve geral no Brasil
Para comemorar o centenário da greve geral de 2017, que marcou o início da hegemonia da classe operária na luta social no Brasil, o Centro de Memória Sindical fez uma publicação especialmente dedicada ao tema. Prosa Poesia e Arte reproduz, aqui, seu texto de abertura.
Por Carolina Maria Ruy
Publicado 28/07/2017 17:04
Neste ano de 2017 a equipe do Centro de Memória Sindical se dedicou a resgatar a memória da Greve Geral de 1917, considerada a primeira greve geral no Brasil. Para que este acontecimento e a possível relação com a atualidade, seja tema de um debate, publicamos esta revista.
Mais do que relatar a greve, suas causas, reivindicações e resultados, buscamos, tanto quanto possível, contextualizá-la, levantando informações sobre a situação social em que viviam os trabalhadores e sobre a situação internacional, marcada pela Primeira Guerra Mundial e pela Revolução Russa.
Por isso elencamos grandes acontecimentos políticos, sociais e culturais de 1917 e contemplamos a criação da primeira Vila Operária Brasileira, a Vila Maria Zélia, que também comemora 100 anos em 2017.
A greve ocorreu no período de formação da classe trabalhadora urbana, ensejada nos primórdios da industrialização, poucas décadas depois da abolição da escravatura, e num grande processo de chegada de imigrantes europeus ao Brasil.
Da bibliografia sobre o tema, destacam-se o livro, já clássico, de Paula Beiguelman, O companheiros de São Paulo; O Ano Vermelho, de Moniz Bandeira, Clovis Melo e A.T. Andrade, e o recém-lançado A greve de 1917, os trabalhadores entram em cena, de José Luiz Del Roio. Jornais da época como A Plebe, O Combate e O Estado de São Paulo trazem também valiosos registros históricos.
Entre as diversas formas de investigar o passado privilegiamos, nesta publicação, conversar com grandes especialistas em um esforço de não apenas registrar, mas problematizar a questão da greve a partir de um pensamento atual. Realizamos, desta forma, quatro grandes entrevistas, com o jornalista José Luiz Del Roio, com a historiadora Glaucia Fraccaro, com o jornalista João Guilherme Vargas Netto e com o historiador e professor Airton Fernandes.
Ainda sobre as fontes de pesquisa, destaco a tese de mestrado “Nos fios de uma trama esquecida: a indústria têxtil paulista nas décadas pós-depressão, 1929-1950”, de 2006, do historiador Felipe Pereira Loureiro.
Nela Loureiro apresenta um panorama sobre a situação dos trabalhadores no início do século 20, que vale registrar.
Segundo ele, três elementos caracterizaram as relações de trabalho entre 1850 e 1950:
1 – O emprego de mulheres e menores em grande escala.
A grande desigualdade etária e de gênero com relação aos salários explica o fato de a indústria contratar mão de obra infantil e feminina em grande escala.
O homem adulto era o que ganhava mais.
A mulher adulta recebia em torno de 62% do salário do homem.
A menina, menor, recebia 40,5% do salário do home.
O menino, menor, 39%.
2 – As precárias condições de trabalho no interior das fábricas.
Não havia ventilação, ocasionando uma alta concentração de poeiras e partículas. A iluminação era irregular. As instalações sanitárias eram, em sua maioria, sujas e fétidas. O espaço era pequeno. A ocorrência de mutilações era frequente.
Ele diz que estas condições geravam revoltas entre os operários e que, para conte-los, foram criadas diversas leis através da Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados, como a Lei de Férias, de 1925, que garantia quinze dias de descanso remunerado, e o Código do Menor, de 1926, que proibia o trabalho de menores de quatorze anos e limitava a jornada para seis horas diárias, proibindo o trabalho noturno para quem tinha entre quatorze e dezoito anos.
3 – A resistência da burguesia na concessão de benefícios mínimos para o proletariado.
Contrários às leis mencionadas, os burgueses têxteis paulistas, por meio de suas representações patronais – Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo, Centro das Indústrias do Estado de São Paulo e Centro Industrial de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro – argumentavam que:
“Diferentemente do trabalhador intelectual – comércio e escritório –, o cérebro do operário, como trabalhador braçal, não despende energia. Ninguém ignora que as pessoas submetidas a intenso esforço cerebral esgotam-se dentro de curto prazo, e que os indivíduos acostumados a trabalho manual, intenso e repetido, mas cujo cérebro está habitualmente em repouso, dificilmente conhecerão esse esgotamento. Além disto, como o trabalhador intelectual tomou férias para repousar, repousará realmente em ambiente próprio ao descanso, pois o seu lar é acolhedor e amável. Voltará para o escritório com a sua psicologia inalterada, pois não saiu do seu habitat costumeiro. O proletariado, por sua vez e diferentemente, tomará férias compelido por lei. Não as quis nunca, nunca teve necessidade real e inadiável de um período de repouso para o revigoramento de suas forças, que não se esgotam. Que fará um trabalhador braçal durante um ócio de quinze dias? O seu lar sem conforto não o prenderá. Seria forçado a matar as suas longas horas de inanição na rua transformando-se em um verdadeiro perigo social. (…) O trabalhador brasileiro aplica a sua atividade durante um horário suave, e nas nossas fábricas não existe aquela disciplina férrea em que o operário é compelido a dar sempre o máximo possível de rendimento. Somos um povo sentimental, e o operário trabalha como pode e não conhece ainda aquela febre de trabalho que caracteriza as usinas dos antigos países estrangeiros”.
Contra o Código de Menores argumentavam que: “Devido ao grande número de menores nas fábricas o Código desorganizaria completamente o setor”. Repetiam as mesmas ideias do perigo social no caso da demissão em massa de menores: “A imoralidade dominaria as ruas com a presença de tantas crianças inativas”. Alegavam que o trabalho do menor era “muito suave”. Por último, alertavam que os pais operários poderiam se revoltar, já que seus filhos eram fundamentais para a constituição da renda familiar.
Para Loureiro todas essas argumentações não tinham nenhum embasamento e visavam apenas esvaziar as leis sociais. A situação de trabalho era precária, o esforço era intenso e qualquer falta era descontada no salário. Além disto, os operários ansiavam pela Lei de Férias, como atesta a União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo, que organizou ampla divulgação da lei em 1931.
Apesar da pressão patronal o governo manteve as leis citadas, ao menos até a Revolução de outubro de 1930 (Edgard Carone. A República Nova, 1930 – 1937, 3ª Edição, Ed. Difel, SP, 1982). Entretanto o governo e os industriais, em sua maioria, negligenciaram sua aplicação e fiscalização.
Soma-se a esse quadro o fato de que naquela época o custo de vida aumentava dia a dia e toda a produção era vendida para a Europa, que estava em guerra.
A situação limite não poderia resultar em outra coisa que não em um grande embate entre trabalhadores e patrões, envolvendo toda a sociedade durante cerca de um mês. Assim, a greve de 1917, considerada a primeira greve geral do Brasil foi um ponto de inflexão na história dos trabalhadores. O movimento, que se expandiu por diversas categorias, chegou a contar com a participação de mais de quarenta mil trabalhadores.
Em 15 de julho a greve foi encerrada com a conquista de 20% de reajuste e, da parte do governo, promessas de libertação dos presos durante o conflito e fiscalização do trabalho de menores e mulheres.
O movimento desencadeou uma onda de greves no Brasil que se estendeu até 1920 e revelou a emergência de um forte movimento de base operária.
O Brasil de hoje pouco se parece com o Brasil de 1917. Embora a desigualdade social seja ainda um entrave para o desenvolvimento econômico e civilizatório do país, a situação atual da classe trabalhadora não se compara à miséria que levou à ocorrência da primeira greve geral. O surgimento do Partido Comunista em 1922, a Revolução de 1930, a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, a Greve dos 300 mil, em 1953, as greves de resistência à ditadura militar em Contagem e em Osasco, em 1968, as grandes greves de 1978, 1979 e 1980, a greve geral de 1983, todo o processo de redemocratização e de construção da Constituição Cidadã, na década de 1980, o amadurecimento dos sindicatos e das centrais sindicais brasileiras, marcam passagens que separam o trabalhador de hoje do de cem anos atrás. Mas lá estava o embrião da organização operária brasileira. A partir daquele contexto e, sobretudo, das ideologias trazidas do velho continente, surgiram bandeiras que atravessaram gerações e que até hoje são empunhadas.