Advogado denuncia retrocesso na Comissão de Anistia no governo Temer
O ministro da Justiça Torquato Jardim, que assumiu a pasta em maio deste ano, determinou que a consultoria jurídica do ministério avalie as decisões da Comissão de Anistia. Este órgão, consolidado nos governos do ex-presidente Lula, é responsável por determinar a concessão de anistia e reparação material – ou não – às vítimas da ditadura militar.
Por Railídia Carvalho
Publicado 26/07/2017 17:37
Integrante da Comissão até 2013, o advogado militante dos direitos humanos, Egmar OIiveira, declarou em entrevista ao Portal Vermelho que está medida é uma violação à autonomia da Comissão. Segundo ele, esta e outras medidas tem esvaziado o papel do órgão.
“A decisão (do ministro Torquato) é lamentável. Em 8 anos na Comissão, inclusive como vice-presidente, nunca houve determinação para que a consultoria jurídica do Ministério da Justiça revisasse as decisões do órgão”, reagiu Egmar.
A Comissão de Anistia foi criada pela lei 10.559/2002. “A legislação expressamente estabeleceu que a anistia política no Brasil é de competência da Comissão de Anistia. É a Comissão o órgão que declara a anistia e fixa, ou não, o valor”, esclareceu.
Segundo Egmar (foto), a postura do novo ministro demonstra um governo marcado pela falta de legitimidade e autoritarismo. O advogado tem sido procurado por anistiandos reclamando que os processos estão parados.
Criada para reparar moral e economicamente as vítimas das violações praticadas no Brasil no período de 1946 a 1988, a Comissão da Anistia deve julgar ainda entre 18 e 20 mil processos, calculou Egmar. “Há pedidos de anistiandos com idade avançada, inclusive”.
O advogado avaliou que a Comissão cumpriu o papel até o mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff. “Um dos projetos da caravana era apreciar os requerimentos dos perseguidos nos locais em que foram presos e torturados. Era uma forma de aproximar a Comissão da sociedade.”
Segundo ele, a realização das caravanas da Anistia nas universidades era para aproximar a história dos mais jovens que não viveram o período. “(os projetos) Tinham caráter formativo e educativo como pressupostos para que essas violações não voltem a acontecer”.
Egmar ressaltou que após o golpe que empossou Michel Temer os projetos de justiça e memória encontram empecilho. “Recebi uma denúncia de uma aluna da Universidade de Brasília que tem como tema de mestrado a anistia política e não consegue acesso aos arquivos. É um grande absurdo!”.
Ele citou ainda o projeto do Memorial da Anistia em Belo Horizonte, atualmente com as obras paradas mas que à época de Dilma estavam em estágio avançado. O local vai receber o acervo da Comissão.
“Atualmente não há mais caravanas da anistia. Existe a má vontade do ministério da Justiça”, denunciou Egmar. Ele acrescentou que após o golpe apenas uma caravana foi realizada. “Antes do golpe havia toda semana julgamento em Brasília. Hoje os julgamentos cessaram”.
As caravanas eram sessões públicas, que aconteciam em diversas cidades, para julgar os requerimentos de anistia política.
“A Comissão de Anistia não é política de governo e sim política de Estado. E é independente de quem esteja no governo. O que vemos acontecer é fruto da política dos golpistas e precisa de reação imediata. O Estado brasileiro tem uma dívida muito grande as vítimas da ditadura e a Comissão tem reparado, ainda que minimamente, o que foi praticado durante o estado de exceção”, enfatizou Egmar.
Soledad Barret, assassinada pela ditadura, foi uma das anistiadas pela Comissão
Ele ressaltou ainda que o Brasil vive hoje em um clima que “não difere muito do que foi vivido à época do estado de exceção”. Para Egmar, violações praticadas pelo Estado e seus agentes encontram guarida hoje em um judiciário “omisso”.
Baseado em dados até 2013, foi concedida anistia política para aproximadamente 25 mil pessoas. Desse total, 20 mil receberam algum tipo de reparação econômica.
28 de agosto é o aniversário da promulgação da lei 6683/79, a primeira lei da Anistia. Egmar propõe que neste dia os movimentos de direitos humanos organizem atos na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
“Esse ato pode culminar com a pressão ao ministro da Justiça para que a Comissão da Anistia volte ao seu curso normal, ou seja, volte a realizar os projetos educativos, a justiça de transição e principalmente julgar os processos de anistia”.
A preocupação de Egmar é que o caldo de cultura que vem sendo criado de não se punir as violações possam levar a um agravamento da situação. "Não é à toa que um candidato de extrema direita vem crescendo nas pesquisas", alertou.