O que acontece na Venezuela?

O Partido Comunista da Venezuela realizou entre os dias 22 e 25 de junho o seu 15° Congresso e o secretário de juventude do PCdoB e ex-presidente da UJS, André Tokarski, representou os comunistas brasileiros no evento. O site da UJS conversou com o dirigente para entender um pouco mais sobre o que acontece na Venezuela. Leia trechos a seguir.

Manifestação em Caracas - Efe

“A impressão que tivemos, os delgados internacionais que estiveram lá, é que você tem uma luta política acirrada, mas que a grande maioria do povo venezuelano quer uma solução pacifica, quer levar sua vida”, assim o dirigente comunista iniciou sua fala, na visão de Tokarski embora a situação seja delicada, as pessoas estão “cansadas de uma guerra sem fim que se trava, e que querem uma solução pra esse conflito, esse caos é construído, ele é uma tática da oposição, da direita venezuelana e insuflada pelas redes sociais e pelos grandes meios de comunicação que corroboraram com essa narrativa, que querem a todo custo criar uma situação como se fosse justificável, por exemplo, uma intervenção estrangeira”.

Após essa declaração inicial do dirigente comunista, que esteve recentemente em território venezuelano, fica claro que temos muitos por destrinchar para entender o que se passa naquele país. Mas o exemplo que André usou, sobre uma possível intervenção estrangeira, nos chamou atenção e daí começamos a aprofundar a conversa, mas antes disso, uma breve contextualização histórica do período mais recente…

Contexto histórico recente

Quando olhamos para o processo que a Venezuela atravessa atualmente, não podemos dissociar o momento do país do ciclo progressista que o continente experienciou nos últimos anos, e como lembrou André, devemos nos atentar também para a crise internacional do capitalismo.

“Do ponto de vista da América Latina, desde 1998, quando o Chávez foi eleito pela primeira vez, nós vivemos, até o início da segunda década do século 21, um ciclo progressista, e a Venezuela teve um papel chave, inaugurou esse ciclo, reforçado depois pelo Brasil com a eleição do Lula em 2002, e aqui uma consideração importante, a primeira tentativa de golpe contra o Chávez, porque foram sucessivas tentativas de golpe, com o apoio da inteligência do grande capital financeiro internacional, dos EUA especialmente, foi em abril de 2002, quando chegaram a sequestrar o Chávez, portanto isso se deu exatamente porque o Lula era amplamente favorito nas eleições do Brasil, e eles sabiam que se o Lula fosse eleito no Brasil, seria fortalecido o ciclo progressista na região, e foi isso que aconteceu”.

Com Brasil e Venezuela no caminho progressista, outros países da região seguiram o mesmo caminho, como Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai e mesmo o Chile, e a partir da formação desse bloco de países com projetos de governos com similaridades populares e democráticas, André sustenta que “que não houve nenhum outro lugar do mundo, que não a América Latina, com suas particularidades, que conseguiu viver um processo de resistência e de alternativa a saída única do neoliberalismo, não que nos tenhamos superado o neoliberalismo, longe disso, não o fizemos, mas foi um ciclo que se opôs a esse modelo”.

A direita então sempre impôs grandes obstáculos para o desenvolvimento nesse caminho do países sul-americanos, “especialmente na Venezuela, a oposição sempre buscou saídas violentas”.

Intervenção estrangeira na Venezuela?

“É inegável o papel que os EUA têm na tentativa de sequestrar interesses econômicos, políticos, nos países mais ricos da América Latina, e na Venezuela em especial. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo”, inicia a explicação André, e prossegue, “durante todo o século 20 aconteceram várias intervenções e ações do governo norte-americano no sentido tanto de provocar golpes militares, que foram vários na Venezuela, como no sentido de atender aos interesses dessas grandes corporações do petróleo norte-americano”.

Uma intervenção militar na Venezuela não necessariamente aconteceria da forma “clássica”, como a praticada pelos EUA no Oriente Médio, com uma invasão militar, poderia se fazer, argumenta Tokarski “usando serviço de inteligência, de espionagem, insuflando grupos paramilitares, fornecendo táticas de desestabilização, corroborando do ponto de vista internacional, com uma guerra econômica contra a Venezuela”, esse ponto foi destacado por nosso entrevistado, “esse é um aspecto muito importante, porque é uma guerra econômica. Uma tentativa de boicote, de criar dificuldades, de criar uma instabilidade política, econômica e social para abalar o regime e a gente sabe que os interesses são se apropriar das riquezas daquele país”.


André Tokarski esteve no último Congresso do Partido Comunista da Venezuela para representar os comunistas brasileiros
 

Sobre a construção da direita e as formas e roupagem que utiliza atualmente, o secretário de juventude cita as redes sociais como parte desse processo, “aparentemente criam uma sensação de mais liberdade e amplitude e diversidade de comunicação, mas ao mesmo tempo elas são profundamente controladas, as grandes corporações, Google e Facebook, manejam 80, 90 por cento dos dados, ficou claro o uso de robôs nas redes sociais e como isso propala uma série de mentiras. E essas mentiras são também conhecidas como a pós verdade e situam uma propagação de ideias que estavam na lata de lixo da história, e que estão agora ganhando força. De se exacerbar a xenofobia, a diferença entre nações, a homofobia, os preconceitos, o racismo. Então você vê na verdade, e podemos dizer, a boa e velha luta de classes se mostrando viva pulsante e forte, e se traduzindo numa grande guerra de ricos contra pobres”.

O petróleo venezuelano e a luta de classes

Se a Venezuela acaba estrategicamente sendo, ao lado do Brasil, um dos maiores alvos da sanha imperialista em nosso continente, no caso dos venezuelanos isso se dá por conta do petróleo, e Tokarski nos explicou mais sobre isso, “a Venezuela é dependente do petróleo, é a maior riqueza, produz muito petróleo, e o petróleo viveu nos últimos anos um ciclo de queda de preços abrupta e isso causou grandes dificuldades econômicas para o governo venezuelano e para o seu povo, e fica claro também que o preço do petróleo é passível de manipulação, de acordo com os interesses dos grandes produtores, e isso ajuda a sufocar a Venezuela, criar dificuldades para a Rússia também, afetou o Brasil de alguma a maneira, mas muito fortemente a Venezuela que é dependente da renda do petróleo”.

Foi por conta da riqueza advinda do petróleo que uma elite poderosa se formou na Venezuela, acompanhada, como descreve André, por uma “distribuição de renda terrível, então existia uma classe pobre muito grande, um país profundamente desigual, as mudanças que o Chávez implementou se deram muito profundamente ancoradas na participação popular, houve um ganho de consciência tremendo, porque aconteceu uma melhora considerável na vida do povo”. Como não poderia ser diferente, a principal liderança histórica desse processo, deixou marca profundas em sua gente, “isso é indelével, no coração e na mente do povo, é impressionante o apoio ainda, a lembrança e a referência que o povo tem no Chávez pelo que ele representou. Não que ele não fosse falível, ou que o próprio processo da revolução bolivariana não tivesse problemas consideráveis, mas o que se trata é que é a primeira vez na Venezuela se tem um governo de feição popular, efetivamente”.

Para André é justamente essa ganho de consciência da população que sustenta a resistência “diante dessa ofensiva brutal que a elite venezuelana, com apoio do imperialismo, promove contra o governo e contra o povo da Venezuela como um todo”, e prossegue comentando os expedientes que a direita lança mão em seus ataques, “isso se faz da maneira mais perversa, que é um boicote econômico, os empresários boicotando o fornecimento de bens essenciais, de alimentos, é uma guerra econômica no sentido de se promover um bloqueio econômico, para criar um caos social no país, e a elite é parte integrante, cúmplice desse bloqueio, então por isso que podemos dizer que é uma luta de classes exacerbada, é uma guerra de ricos contra pobres”.

As perspectivas da Venezuela atual

Encerramos a conversa questionando André sobre as perspectivas da Venezuela, o processo de resistência e as tentativas de diálogo por parte do legítimo governo do país, “o governo da Venezuela propôs uma alternativa de diálogo, de buscar uma saída pacifica pro conflito, que é a Assembleia Nacional Constituinte. Com o poder constituinte o povo é o soberano diante da constituição”.

O secretário comunista argumenta que o que se buscou com a proposta de se uma fazer uma nova Assembleia Nacional Constituinte, “foi uma saída razoável, que é de se buscar que o povo se pronuncie sobre quais são seus interesses e seus objetivos, qual é a agenda que se pretende implementar do ponto de vista político, econômico e cultural. Pensar qual é a República Bolivariana da Venezuela que se pretende construir, quais são os interesses, como se pretende explorar o uso de petróleo, para onde destinar esses recursos, então a Assembleia Constituinte é essa saída democrática, ela é o que de melhor a civilização já produziu em termos de democracia, no âmbito do capitalismo, é importante que se diga isso, não se vive ainda no socialismo na Venezuela, a crise é uma crise ainda dentro dos marcos desse capitalismo, dessa transição democrática e econômica”.

Por outro lado, encerra o dirigente, “a tática da oposição por enquanto é insuflar conflitos, é promover atentados terroristas, é causar uma sensação de caos, de desconforto social tremendo, que justifique, que seja a deixa para uma invasão militar, por exemplo, para ampliar sanções econômicas, para ampliar sanções diplomáticas contra a Venezuela, que são utilizadas para enfraquecer a Venezuela e seu povo”.