Publicado 15/06/2017 15:34
O “fico” do PSDB, que em reunião na segunda-feira (12) decidiu permanecer na base do governo de Michel Temer, tem dois significados: histórico e conjuntural. Historicamente, o partido fundado em 25 de junho de 1988 principalmente por dissidentes do PMDB, poucos meses antes da promulgação da Constituição Cidadã, consolidou esta semana a negação de sua própria origem. Do ponto de vista do atual cenário político, a legenda tem os olhos voltados para as eleições de 2018 e, ao mesmo tempo, nas reformas trabalhista e previdenciária em cuja aprovação ainda aposta.
“Em função do processo do impeachment, eles cometeram um grande erro histórico ao se subordinarem ao PMDB”, diz o professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro.
Para Aldo Fornazieri, professor de Filosofia Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), “há um colapso político e moral” do PSDB. “Ele é hoje exatamente o oposto do que se propôs a ser 29 anos atrás, em sua fundação. Se propunha a ser mais distante das benesses do poder e próximo da pulsação das ruas, um partido de afirmação dos direitos sociais e de combate à corrupção. Mas hoje é o partido da negação dos direitos sociais e aliado e praticante da corrupção.”
Lideranças mais jovens do partido, como os deputados estaduais de São Paulo Carlos Bezerra Jr. e Cauê Macris, foram voz vencida na defesa do desembarque dos tucanos do barco de Temer. “Ficar no governo Temer, mesmo com a absolvição da chapa no julgamento do TSE, é dar abraço de afogado. Esse governo vem nadando em um mar de escândalos desde que assumiu”, disse Bezerra em entrevista à revista CartaCapital.
Janine Ribeiro lembra que, em 1988, quando surgiu, a legenda pretendia ser social-democrata. “Mas o espaço social-democrata acabou sendo ocupado pelo PT, na medida em que o PT assumiu uma vocação de governo. Esse processo deixou o PSDB sem lugar na social-democracia”, diz. Para ele, o movimento do PSDB rumo à direita teria sido natural e ele “poderia ter se convertido num grande partido liberal, o que não aconteceu”.
Seja como for, o “fico” do partido na embarcação de Temer é calculista, pragmático e focado na tentativa de entregar os pacotes que a legenda promete ao mercado, com destaque para as reformas trabalhista e da Previdência. “Essa permanência do PSDB é provisória. Entendo que o partido vai ficar no governo apenas enquanto estiver sendo votada a reforma trabalhista e, talvez, tente avançar a reforma previdenciária”, diz o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas.
Poucas horas antes da reunião do partido que definiu a permanência ao lado de Temer, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, já antecipava a decisão: “A questão se vai ter ministro ou não é secundária. O importante é o compromisso com as reformas. É essa a agenda com a qual nós temos compromisso”, disse, em evento em São Paulo.
Para o analista da UnB, “a situação vai ficar insustentável para o partido na medida em que surgirem novas acusações contra Temer, como estão surgindo”. O apoio provisório a Temer vai se manter enquanto a situação do próprio presidente é indefinida. Caldas acredita que uma definição deve ser decorrente de um processo que não terminará antes de dezembro deste ano.
Temer se esforçou muito para manter os tucanos no governo porque sabe que é condição necessária para se segurar na presidência. “Se o PSDB resolver abandonar, os demais partidos vão seguir”, diz Caldas. “No momento acho que não vai acontecer nada. Não há dúvida de que, com a vitória no TSE, Temer ganhou uma sobrevida, ganhou um fôlego. Ele ganhou a batalha, não sei se vai ganhar a guerra.”
Na guerra que continua, lembra Caldas, os próximos lances são potencialmente ameaçadores: a batalha no Supremo Tribunal Federal; a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot; novas denúncias de Joesley Batista; novas delações, como a do doleiro Lucio Funaro, além de Marcos Valério e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. “É um conjunto de coisas que vai estourar no semestre que vem.”
2018
Para as eleições de 2018, o partido espera contar com a grande penetração do PMDB em todo o país, se o casamento de ocasião com Temer render frutos. Mas o PSDB não tem um nome que apareça com favoritismo. Com o senador afastado Aécio Neves (MG), descartado por conta das graves denúncias, os nomes de Alckmin e do prefeito “gestor” de São Paulo, João Doria, são os que despontam.
Em termos de experiência, o melhor nome para 2018 é Alckmin. “Mas ele também está no rol dos acusados entre os beneficiários no sistema do Metrô de São Paulo. Inclusive o cunhado dele [Adhemar César Ribeiro] foi apontado como possível operador [de esquema de pagamento via caixa 2]. Hoje, do ponto de vista eleitoral, entendo que o melhor nome do PSDB não é Alckmin, mas o Doria”, diz Ricardo Caldas. Ambos apoiaram a permanência no governo federal na reunião de segunda-feira. O cacique e presidente interino Tasso Jereissati se declarou contrário ao “fico”. “Minha posição foi vencida. Não houve consenso da maioria”, disse no dia 12.
Para Janine Ribeiro, os possíveis quadros do PSDB para disputar a eleição presidencial estão muito distantes do DNA que deu origem ao partido. “Se pensarmos no PSDB de Ruth Cardoso, Franco Montoro e Mário Covas, ao meu ver a trinca histórica do PSDB, a atual liderança não tem quase nada a ver com eles. O próprio Serra perdeu muito da sua personalidade antiga, mais à esquerda do PSDB. Alckmin tem muito pouco a ver com o DNA Ruth-Montoro-Covas. Os nomes de Doria e Luciano Huck tem menos a ver ainda.”
Na opinião do ex-ministro, considerando que Aécio é carta fora do baralho,”Serra está numa posição estranhamente secundária” e Fernando Henrique Cardoso não é, provavelmente, um presidenciável, resta o governador paulista. “O único líder viável é o governador Alckmin.”